Artigo: “Aumento de PIS/Cofins é inconstitucional”, por Breno de Paula

Artigo: “Aumento de PIS/Cofins é inconstitucional”, por Breno de Paula

 O decreto 9.101, de 20 de julho de 2017, editado pelo Exmo. Presidente da República Michel Temer é inconstitucional.

O Poder Executivo justifica a edição do decreto, ao falar sobre o aumento das alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre a gasolina, o diesel e o etanol, que referida medida serve para compensar as dificuldades fiscais que assolam o Brasil.

O decreto determina que a alíquota subirá de R$ 0,3816 para R$ 0,7925 para o litro da gasolina e de R$ 0,2480 para R$ 0,4615 para o diesel nas refinarias. Para o litro do etanol, a alíquota passará de R$ 0,12 para R$ 0,1309 para o produtor. Para o distribuidor, a alíquota, atualmente zerada, aumentará para R$ 0,1964.

Todavia, o decreto é inconstitucional, data vênia.

A hipótese de incidência tributária nasce com o ingresso, in abstracto, no sistema normativo, de uma determinada circunstância de fato ou de fatos, descrita em momento anterior à sua própria concretização. Para que tal circunstancia ingresse no sistema normativo vigente, se faz necessário que seja posta – positivada – pela via competente. É este o entendimento doutrinário a respeito:

“Tributo é a expressão consagrada para designar a obrigação ex lege, posta a cargo de certas pessoas, de levar dinheiros aos cofres públicos. É o nome que indica a relação jurídica que se constitui no núcleo do direito tributário, já que decorre daquele mandamento legal capital, que impõe o comportamento mencionado.

Esta relação jurídica – que reveste todas as características estruturais da obrigação – por corresponder à categoria das obrigações ex lege, surge com a realização in concretu, num determinado momento, de um fato, previsto em lei anterior e que dela (lei) recebeu a força jurídica para determinar o surgimento desta obrigação.

Assim, uma lei descreve hipoteticamente um estado de fato, um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o nascimento de uma obrigação de pagar um tributo. ”
(GERALDO ATALIBA in Hipótese de Incidência Tributária, Ed. Malheiros, 6ª edição, pág. 53).

Desta forma, para que o sistema normativo seja válido e harmônico, se faz necessário que a via legislativa de acesso à descrição hipotética seja constitucionalmente adequada, sob pena de todo o arcabouço normativo positivo construído restar contaminado pela eiva da ilegalidade e da inconstitucionalidade.

Os atos normativos infralegais exarados pelo Poder Executivo após o advento da Constituição Federal de 1988, no sentido de alterar a alíquota do tributo, como ocorre no presente caso, encontram-se inquinados de manifesto vício de nulidade, haja vista o desrespeito ao princípio da legalidade tributária.

Com efeito, conforme disposto no artigo 150, I, da Constituição Federal, apenas a lei pode instituir ou aumentar tributos.

Deve-se ressaltar que, em caso análogo a este, o STF já considerou inconstitucional a majoração de alíquota realizada por ato infralegal, ainda que essa mesma alíquota houvesse sido anteriormente reduzida também por meio de ato infralegal.

A Constituição Federal só permite alteração de alíquota de imposto no que se refere a impostos de importação, exportação e as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Quanto ao PIS e Cofins, a alteração só pode ser feita por lei.

Trata-se de verdadeira garantia fundamental do cidadão, com origem remota na Magna Carta de João Sem Terra de 1215, que em seu artigo XII instituiu o princípio do consentimento antecipado dos tributos pelos súditos, ou mais modernamente, princípio da legalidade, ao determinar que nenhum auxilio ou contribuição se estabelecera em nosso Reino sem o consentimento de nosso comum Conselho do Reino.

Trata-se de aplicação do princípio da legalidade, o mais básico do Direito Tributário. Fixação de alíquota por decreto só se admite nos casos previstos de forma expressa na Constituição, o que não é o caso.
Tempos realmente estranhos…

O debate ganha ainda mais relevo quando se verifica, na Constituição Federal, os instrumentos sociais considerados como regras e princípios e, dentre esses últimos, vale assinalar o princípio do mínimo existencial, instrumento de aplicação na forma de interpretação de normas constitucionais.

Conceitua-se mínimo existencial, segundo Rawls, um modelo de justiça em que os homens estabelecem entre si um contrato social; aqui, cada um desconhece qual será sua posição na sociedade (véu da ignorância), com a determinação de princípios básicos de funcionamento da sociedade e de distribuição de bens.
Para Rawls é preciso entender os dois princípios básicos imanentes nesse processo: i) todas as pessoas possuem o mesmo sistema de direitos e liberdade; ii) somente é possível alterar o esquema de liberdades para beneficiar os mais desfavorecidos. Esse princípio é denominado de princípio da diferença.

Nessa linha John Rawls explica:
Observese que existe, ademas, outra importante distincion entre los principios de justicia que especifican los derechos y las libertades básicas em pie de igualdad y los principios que regulan los asuntos basicos de la justicia distributiva, tales como la liberdad de desplazaimiento y la igualdad de oportunidades, las desigualdades sociales y económicas y bases sociales del respeto a si mismo.

Un principio que especifique los derechos y libertades basicas abarca la Segunda clase de los elementos constitucionales esenciales. Pero aunque algun princípio de igualdad de oportunidades forma parte seguramente de tales elementos esenciales, por ejemplo, un principio que exija por lo menos la liberdad de desplazamiento, la eleccion libre de la ocupacion y la igualdad de oportunidades (como la he especificado) va mas alla de eso, y no sera un elemento constitucional. De manera semejante, si bien un minimo social que provea para las necesidades basicas de todos los ciudadanos es tambiem un elemento esencial, lo que he llamado el “princípio de diferencia” exige mas, y no es un elemento constitucional esencial.
Nas palavras de Ricardo Lobos Torres, o mínimo existencial é como “um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”. Necessário à existência digna, o mínimo existencial passa a ser direito fundamental vinculado aos princípios constitucionais, sendo importante a lei para sua garantia.

O aumento de tributos por ato unilateral do Poder Executivo é incompatível com fundamentos elementares da Constituição Fedral como a legalidade, a dignidade humana; a razoabilidade, dentre outros.

Konrad Hesse, Juiz da Suprema Corte Alemã no seu clássico Força Normativa da Constituição, assim definiu tais situações: “A necessidade não conhece princípios”.

Autor / Fonte: Conselheiro federal por Rondônia, Breno de Paula

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