Porto Velho, RO – O ex-governador João Cahúlla, que comandou Rondônia por apenas oito meses durante mandato-tampão em 2010 após o titular Ivo Cassol renunciar para disputar as eleições ao Senado, obteve na Justiça de Rondônia o direito de receber parcela significativa de pensão especial.
O pagamento será efetuado via precatório.
A pensão em questão é devida a todos os ocupantes do Palácio Presidente Vargas e respectivas viúvas até 2011, ano em que o deputado estadual Hermínio Coelho (PDT) apresentou Projeto de Lei acabando com o privilégio, tornando-se dispositivo legal efetivo após o governador Confúcio Moura (MDB) sancioná-lo.
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O próprio emedebista não tem mais direito à pensão. Segundo o parlamentar, até hoje o Estado gasta aproximadamente R$ 3,5 milhões dos cofres públicos com pensões a ex-governadores e família. Isso porque, embora a nova lei tenha revogado o pagamento, a norma anterior alcançou o status de direito adquirido, esbarrando na concepção jurídica de que um dispositivo legal não retroage para prejudicar.
O desembargador Renato Martins Mimessi, da 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO), deferiu o pedido de Cahúlla, mas não aceitou os cálculos apresentados pelo ex-governador nem os expostos pelo Estado. A base de cálculo estipulada foi fixada em R$ 21.244,52.
Confira a decisão na íntegra logo abaixo
DESPACHO DO PRESIDENTE
Número do Processo :
Vistos
João Aparecido Cahulla peticiona nos autos postulando cumprimento da Sentença proferida nos autos do presente Mandado de Segurança, reclamando pelo recebimento da pensão especial devida aos ex-governadores do Estado de Rondônia relativa ao mês de Agosto de 2011, considerando ter impetrado o presente MS em Julho de 2011, mas recebido a primeira parcela somente em Setembro daquele ano.
Intimado, o impetrante comprovou recolhimento do valor relativo a taxa de desarquivamento.
O Estado de Rondônia, em sede de impugnação à execução, insurge-se somente quanto ao valor exigido pelo impetrante, alegando haver um pequeno excesso e reconhecendo devida a quantia equivalente a R$ 22.742,24, frente aos R$ 24.411,94 cobrados.
Ressalta que referido excesso se deu pela não aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 pelo impetrante. Reconhece que o E. STF já declarou inconstitucionalidade parcial do referido dispositivo, contudo, sustenta que tal entendimento aplica-se exclusivamente à atualização de precatório, excluindo-se as condenações da fazenda pública ao cabo da fase de conhecimento.
Requer, nestes termos, exclusão do excesso de execução constatado, bem como arbitramento de honorários sucumbenciais sobre a diferença de valores.
Juntou planilha de cálculo.
É o relatório.
Decido.
Na espécie, reclama o impetrante pelo pagamento da pensão especial que lhe foi reconhecida relativa ao mês de Agosto de 2011, tendo o Estado de Rondônia reconhecido implicitamente o inadimplemento da parcela, porquanto se insurge exclusivamente quanto aos índices de juros e correção monetária utilizados pelo impetrante para atualização de seu crédito.
A controvérsia, portanto, concentra-se nos índices aplicáveis à espécie.
Neste particular, convém destacar que o E. STF, ao concluir o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 870.947, em que se discutem os índices de correção monetária e os juros de mora a serem aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública, definiu duas teses sobre a matéria.
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Luiz Fux, segundo o qual foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório. O entendimento acompanha o já definido pelo STF quanto à correção no período posterior à expedição do precatório. Em seu lugar, o índice de correção monetária adotado foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), considerado mais adequado para recompor a perda de poder de compra.
Quanto aos juros de mora incidentes sobre esses débitos, o julgamento manteve o uso do índice de remuneração da poupança, previsto na legislação invocada pelo Estado de Rondônia (Lei nº 9.494/97) para débitos de natureza não tributária, como é a hipótese do caso vertente.
A propósito, vejamos ementa do julgado em referência:
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto legal supramencionado.
2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29).
4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços.
5. Recurso extraordinário parcialmente provido.
(RE 870947, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 17-11-2017 PUBLIC 20-11-2017)
Com isso, sem razão o Estado de Rondônia, porquanto o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário acima aludido, é também extensivo aos débitos anteriores à expedição do precatório.
Na espécie, nenhuma das planilhas de cálculos apresentadas, seja pelo impetrante seja pelo Estado de Rondônia, atendem adequadamente a atual orientação do E. STF.
A planilha de cálculo apresentada pelo impetrante (fls. 289), não obstante utilizar-se corretamente do índice IPCA-E para atualização do crédito, aplica taxa de juros de 0,5% ao mês, o que não reflete fielmente a taxa de remuneração da poupança, de modo que a melhor solução ao caso é o encaminhamento do feito à contadoria judicial para escorreita atualização do débito, de acordo com os índices aqui fixados.
Face ao exposto, DEFIRO pedido do impetrante para determinar ao Estado de Rondônia o pagamento da pensão especial devida, cujo valor deverá ser apurado pela contadoria judicial, a qual observará os seguintes índices:
- Base de cálculo: R$ 21.244,52
- Índice de Correção Monetária: IPCA-E
- Índice de Juros: TR (aplicável à poupança)
- Termo inicial: 30.08.2011
Juntada memória de cálculo pela contadoria judicial, e transcorrido prazo sem impugnação, expeça-se o respectivo precatório.
Intime-se.
Porto Velho, 02 de Janeiro de 2018.
Desembargador Renato Martins Mimessi
Presidente da 2ª Câmara Especial
Autor / Fonte: Rondoniadinamica
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