Editorial – O que podemos aprender com a reviravolta e a brutalidade coletiva do caso Jéssica Hernandes?


Jéssica Moreira Hernandes: feliz, cheia de amigos e com futuro promissor interrompido

Atualizada às 11h30 do dia 11/09/2017 para inserção de informações

Porto Velho, RO – Fosse possível, abriríamos mão do texto para apresentar ao leitor outro personagem bestial que integra o enredo do cruel assassinato da jovem Jéssica Moreira Hernandes (foto), de apenas 17 anos, ocorrido em abril deste ano lá em Cerejeiras. Em vez de palavras, postaríamos um espelho para que você, caro (a) amigo (a) pudesse refletir ao ser refletido.

Sim, você mesmo (a). Você que, com toda a razão, não aguenta mais atrocidades, injustiça e impunidade, mas que, equivocadamente e na contramão das próprias exigências, renuncia à humanidade e à racionalidade que o distingue dos símios para encarnar o papel do carrasco.

Nos comentários postados em notícias e até mesmo nas redes sociais, os autoproclamados cidadãos de bem demonstraram – e ainda exemplificam – que ninguém está seguro se for acusado do que quer que seja, mesmo inocente. A Era do Justiçamento eclodiu contagiando o coletivo. A persecução penal que se dane!

Aliás, mentira nossa... Que se dane parcialmente, até que um colega, amigo, parente ou os próprios metidos a ceifadores sejam alvos de inquéritos, sentando ou não no banco dos réus posteriormente. Aí, claro, todos os louros das nossas leis criticadíssimas à disposição são evocados imediatamente: do contraditório à ampla defesa, como deve ser, em todas as instâncias possíveis.


A trama da tragédia do Cone Sul parecia simples: um homem aparentemente atormentado convoca o primo para uma empreitada criminosa armando arapuca à namorada, uma espécie de “Teste de Fidelidade” a fim de comprovar traição e deslealdade supostamente praticadas pela vítima.

Toda história fora narrada exclusivamente por Diego de Sá Parente após ser capturado pela Polícia Civil (PC/RO) e, sem quaisquer questionamentos, tomada a termo como se fosse cem por cento verdadeira, atribuindo a Ismael José da Silva – companheiro da adolescente, total responsabilidade pela arquitetura criminosa do evento, incluindo o assassinato em si, a desova do corpo e a ocultação do cadáver.


Ismael Silva, inocentado e livre, se declara à namorada no Facebook no fim do ano passado

Óbvio que a narrativa revoltou a comunidade. O massacre de uma menina completamente indefesa e com tanto ainda a viver suscitou ódio descomunal a ouvintes e espectadores da versão unilateral: era o momento de caçar e atear fogo às bruxas, ou, melhor dizendo, ao bruxo, Ismael da Silva, sentenciado à pena capital poucos minutos após assumir a condição de suspeito principal.

Se tivesse acesso a ele, provavelmente teria experimentado a morte da pior maneira possível, linchado e guilhotinado pela multidão sedenta por sangue.


Pois bem. Quase cinco meses depois do episódio tenebroso, na última sexta-feira (08) o juiz de Direito Jaires Taves Barreto, da 2ª Vara Criminal de Cerejeiras, absolveu Silva das alegações impostas expedindo imediatamente o alvará de soltura; o primo delator, Diego Sá, por outro lado, foi pronunciado e vai a Júri Popular.

O sangue na calça de Ismael

Conforme laudo pericial e reportagens divulgadas por setores da imprensa rondoniense, havia sangue humano na calça jeans que Ismael Silva usava no dia do crime; o fato foi exaltado e repassado como prova cabal de autoria, porém a amostra não convenceu o magistrado. Isso porque os resquícios do plasma estavam apenas nos bolsos frontais da calça jeans periciada, sendo praticamente impossível, tamanha barbárie desenvolvida na execução sumária, não haver respingos em outros locais da vestimenta, ou mesmo nas demais peças de roupa do rapaz – inclusive nos sapatos. O ofício desempanhado pelo servidor público, também segundo o juiz, justificaria o fato de machurcar-se de vez quando no local específico por conta das vistorias realizadas no órgão onde trabalha. 



Sangue é humano, mas não há precisão sobre data e nem a respeito de ser feminino ou não

Abaixo, Rondônia Dinâmica reproduz trecho da sentença de Taves que deixa claro o porquê da absolvição do ex-namorado. O magistrado exaltou, inclusive, o trabalho desenvolvido pelo Serviço de Investigação e Captura da PC/RO, “digno de aplausos”, de acordo com o prolator. Sabemos, infelizmente, que não há indícios ou provas suficientes a inocentar completamente o servidor público, já que seus próprios conterrâneos ainda querem porque querem sua execração moral e definhamento físico.


"Impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo" / Imagem: Reprodução

Tem de ser do jeito contado pelo primo e ponto final! Liberdade mesmo, nunca mais. Nós sabemos. Ele sabe.

Entenda

Reviravolta: juiz manda soltar acusado de matar adolescente em Cerejeiras; primo vai a júri 

Agora, se você faz parte do grupo que exigia e ainda exige a cabeça de Ismael numa bandeja e o resto de seu corpo a fumegar eternamente na churrasqueira da inquisição contemporânea, sentencie-se da clausura da vergonha à penitência da reflexão e regresse à sociedade posteriormente evoluído, se for possível.

Faça isso antes que a prisão perpétua da ignorância condene seu cérebro às altas voltagens da cadeira elétrica da estupidez.


Publique-se. Registre-se. Intime-se.
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A íntegra da decisão logo abaixo

Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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