‘Em busca de um símbolo’, por Antônia Inocência

‘Em busca de um símbolo’, por Antônia Inocência

Antônia Inocência

Eu nunca morri de amores por Porto Velho, embora more aqui há mais de 36 anos. A cidade não presta e é uma desgraça só. Inabitável, inóspita, suja, sem água tratada, sem arborização, quente, sem mobilidade urbana e sem esgotos, o lugar se localiza numa curva de rio e nem devia existir.

Na verdade, a capital dos rondonienses nunca prestou em todos os seus mais de cem anos de existência e hoje ostenta o nada invejável título de “a pior dentre as capitais brasileiras” para se viver. Sem qualidade de vida e sem a menor perspectiva de oferecer aos seus sofridos habitantes qualquer índice aceitável de IDH, a cidade é um daqueles lugares horrorosos para onde só vem quem tem negócios ou então quem teve a infelicidade e o supremo azar de aqui nascer. Sem símbolo que a represente bem, busca-se inutilmente algo que possa ter essa função.

Fala-se que as Três Caixas d’Água são o símbolo maior da “capital do lodaçal”. Já disse outro dia que se for, mau gosto pior não há. O trambolho velho, enferrujado e inútil pode perder a qualquer momento esse ridículo status. Poucos ainda têm coragem de lhe admirar. Aquela geringonça feia e desajeitada pode cair a qualquer momento, vencida pela ferrugem e também pela feiura que lhe adorna. Por isso, qualquer porcaria pode ser o símbolo dos simplórios porto-velhenses.

As preferências matutas se viraram agora para outra imundície também feia, desajeitada e copiada. São oito letrinhas mal colocadas ao lado de um patético sol lá pelas bandas do inacabado Espaço Alternativo, obra eleitoreira que até agora só serviu para eleger políticos ruins. A “sinistra coisa” está lá servindo para a alegre matutada fazer selfs e fotos para postar nas redes sociais.

Tomara que não tenha sido o poder público a criar e ainda ter que pagar por aquela idiotice. Porém, vi muitas pessoas elogiando aquilo fingindo nem perceber que o referido espaço fora tirado da população e até agora, muitos anos depois, não tem sequer data para ser entregue à comunidade que o usa para fazer suas caminhadas, já que a “cidade das hidrelétricas” não tem um só recanto de lazer. Se for mais uma busca a outro símbolo para a cidade, é melhor deixar as “Três Marias” mesmo, pois já estamos acostumados ao horror.

Como é totalmente despolitizado e alheio à realidade que o cerca, o cidadão comum daqui se contenta com pouca coisa. É preciso, portanto, desculpar os idiotas que elogiam essas bobagens que lhe são oferecidas. Esperar o quê de quem só tem Guayaramerín na Bolívia como única experiência internacional?

Ainda bem que não colocaram ali a infame e surrada frase “Eu te amo, Porto Velho”. Seria um acinte, uma pilhéria, uma mentira mesmo. Quem em sã consciência amaria uma cidade que “abunda em merda”? Quem haveria de amar uma currutela cujo pretenso símbolo foi colocado na saída e não na sua entrada? Vi esta frase, escrita em inglês, em várias cidades da Europa. I love Munique! I love Paris! I love Veneza!

É um deslumbre amar qualquer uma destas limpas e civilizadas localidades. Mesmo Curitiba ou Gramado fazem jus à placa. Tomara que tirem imediatamente “aquele negócio” dali. Chega de passar vergonha com tanta matutice e coisas bregas. Já não basta a fedentina e a carniça que temos de aturar diariamente andando pela cidade? O único monumento que deveriam erguer para representar Porto Velho seria um saco de lixo podre e cheio de tapurus ou então a estátua do Jeca Tatu, já que somos 500 mil matutos num canto só.

Autor / Fonte: Antônia Inocência

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