Porto Velho, RO – Os professores são a escória da humanidade. Não merecem respeito. Por sorte, sou o Governo do Estado e detenho poder de fazer o que quiser em relação aos supostos educadores.
A partir de agora acabou a moleza, os benefícios, os privilégios. Farei o possível e o impossível para dificultar; serei impiedoso, injusto, carrasco e molestador.
Nem a Gertrudes, no auge dos seus sessenta e poucos anos, mesmo com todas as doenças que a velhice traz como artrite, artrose, escoliose, LER, reumatismo, diabetes, pressão alta e baixa – oscilando de um polo ao outro em questão de minutos – escapará.
A velhinha miúda encolherá ainda mais quando descobrir que, mesmo morando em Porto Velho, terá de dar aulas de manhã, à tarde e à noite em Candeias do Jamari.
Acostumada à vadiagem ao acordar tarde todos os dias, lá pelas 06h, antes mesmo do preguiçoso galo Zé que mora em seu quintal, terá de estar de pé às 04h para se arrumar, caminhar até a parada de ônibus e esperar a condução que a levará em tempo hábil ao outro município. E que se lasque também: como concedi aumento aos secretários da Administração Pública não dou um centavo para o transporte. Se vire. Vá a pé. São só 30 quilômetros e é até melhor pra saúde...
Atrasou? Corte no ponto! Quero nem saber, pode mandar torar o salário.
– Ah, mas eu não posso. Não quero. Não é possível – esperneará em vão contra minhas determinações.
Sendo assim, não resta opção: vai lecionar em cinco escolas diferentes em cada rincão remoto de Porto Velho, de preferência o mais distante possível um do outro. Uma no Centro, outra nos confins da Zona Leste e a terceira em alguma ruela escura e esquecida da Sul. As que restam, obviamente na Norte e na Oeste, também estarão aguardando pacientemente as aulas da professora.
– Mas eu dou aula de espanhol e nessas escolas só têm vagas para ciências, matemática e geografia – contestará, mais uma vez sem sucesso.
Oras, é a mesmíssima coisa! O castelhano é originário do continente europeu (geografia); língua pátria do falecido cientista Joan Oró (ciências) e, olha só que engraçado, nós, brasileiros, estamos a 7.845 km de distância da Espanha – juro que calculei (matemática).
Então comigo não vai colar conversa fiada. Professor de educação física terá de ensinar física porque física é um vocábulo pertencente a ambas as formações e aparece nos dois diplomas, não quero nem saber. Não existe diferença visível entre eletroestática e um voleio bem dado na boca da área em direção ao gol.
Mas estou apressando o passo.
Antes de o tormento começar haverá ainda mais suplício, humilhação, desespero e terror nas dependências da Secretaria de Educação, principalmente na Lotação.
Vou distribuir duzentas fichas por dia, mas cada atendimento levará no mínimo uma hora. Por questões de segurança e a fim de proteger o governador de ser atacado com borrachas, pincéis marca texto ou mesmo com perigosíssimos apagadores de mira à distância, determinarei expressamente que após as 13h30 os professores deverão esperar até meia-noite com a bunda já quadrada e adormecida. Quem sair para curtir ar fresco, comer alguma coisa, tomar uma água ou mesmo usar remédios ficará de fora. Só lamento, regras são regras.
Farei tudo isso e muito mais enquanto o sindicato que representa a categoria olha passivamente o exercício arbitrário de minhas razões. Sim, a razão é minha. Ponto final!
Quem reclamar vai pagar caro. E sim, eu quero é que os professores se explodam!
Com amor, carinho e ternura,
Governo do Estado
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Obs. O texto é uma sátira crítica em relação ao Governo do Estado, instituição, e nada tem a ver com o governador. Ter de explicar isso talvez seja o sintoma mais forte indicando que, de fato, a educação não vai bem
Autor / Fonte: Vinicius Canova
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