Pelo fim do AssédiUber

Pelo fim do AssédiUber

Situações envolvendo assédio e abusos sexuais contra mulheres e/ou crianças sempre me remetem ao velho questionamento sobre quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?

Porto Velho, RO – Já me questionei inúmeras vezes sobre como casos praticamente infindáveis de pedofilia envolvendo padres foram expostos em escândalos diversos pelo menos nas últimas duas décadas. Homens diferentes, países distantes uns dos outros, costumes diversos, enfim, não há um só elo que os ligue diretamente, exceto a Igreja Católica e, obviamente, o comportamento doentio e patológico geralmente acobertado pela instituição.

A indagação é inevitável: a Igreja e seus dogmas, a exemplo do celibato (embora o Papa diga que não está entre eles), têm o condão de transformar um ser humano em pedófilo? A resposta é não. A pedofilia é uma doença de causas inespecíficas e sua manifestação ocorre em diversos níveis: alguns portadores jamais chegarão a molestar uma criança, mas o desejo e os pensamentos irão atormentá-los diuturnamente impondo aos sujeitos uma luta moral interna travada até o fim de suas vidas. Essa parcela ínfima sofre até a morte, porém morre com dignidade.

Entretanto, conscientemente ou não, a fatia que escolheu dar vazão ao ímpeto libidinoso compreende a batina como instrumento mais eficaz para atrair menores, geralmente coroinhas, e usar da ascendência disciplinar para criar um ambiente de respeito, amedrontamento e subserviência até chegar no ponto em que estejam preparados para o ataque.

Essa é a linha que separa o enfermo do criminoso, pois o discernimento do pedófilo que externa sua vontade não é afetado pela doença. Ele certamente sabe o que faz e arquiteta tudo milimetricamente, incluindo, além disso, todos os panoramas possíveis onde seria pego ou não. Trabalhar sobre a vulnerabilidade das vítimas é outra manifestação de consciência plena acerca do ato.

Então quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? A Igreja ou o pedófilo? Certamente a resposta para a última pergunta é: o pedófilo. A Igreja é só o melhor ambiente para que doentes mal-intencionados exortem e pratiquem suas preferências sexuais. Refúgio, verdadeiro quartel em que, sabidamente, não há quem tenha interesse em expor as chagas de uma entidade e seus sacerdotes com status pretensiosamente sacrossanto.

Tá, e o que isso tem a ver com o título do artigo? Método, operação, logística e eficiência. Aqui em Porto Velho, Rondônia, o depoimento de uma passageira do aplicativo Uber retorceu minhas vísceras.

O motorista que a levou de um local para o outro resolveu assediá-la o caminho todo. A moça entrou em pânico e foi obrigada a inventar um marido que nunca existiu para que as investidas cessassem.

Homem só respeita homem (e eu diria hierarquia também em raríssimas ocasiões). Deixei isso claro em dois artigos que escrevi contando sobre os membros minúsculos da confraria do assédio, série que só não conclui por receio de que o afã cego por justiça acabasse se transformando em novas injustiças patrocinadas contra a vítima mais vulnerável no episódio todo.

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A confraria do assédio sexual em Rondônia – Parte II

Pois bem! O nome de uma empresa como o aplicativo Uber suscita confiança parcial no cliente; identificação, placa do automóvel, qualificação do condutor, tudo isso gera certo conforto preliminar na hora de considerar a utilização dos serviços. Mas um carro é uma jaula sobre rodas e qualquer assediador consegue enxergar a oportunidade de encurralar quem quer que seja quando bem entender. "Você está presa aqui comigo pelo menos até o final do trajeto", deve pensar.

Flertar com uma cliente durante atividade profissional além de antiético é verdadeira afronta à liberdade individual que, no caso de uma cidadã que está sendo conduzida e assediada do início ao fim, fora completamente violada.

Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo em maio do ano passado comprovou que a prática não é "privilégio" nosso.

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Passageiros da Uber relatam de roubo a assédio por motoristas de aplicativo

O Uber não pode acobertar nem permitir que isso ocorra. A omissão desencadeia o conforto ideal para que novos rompantes sejam deflagrados. A empresa não deve emprestar nome e credibilidade para saciar a vontade irrefreável de quem  vê as credenciais do aplicativo como a esteira perfeita para desfilar sua obsessão. Aqui não estamos falando de doença alguma como na situação dos clérigos, mas, da mesma forma, uma instituição é utilizada como guarida e chamariz de intentos bestiais remotos e incontroláveis. 

Como sempre, claro, a vítima tornou-se a inconveniente por "criar problemas onde não há". Que seja o fim do AssédiUber!


Natália Mourão autorizou a veiculação de seu nome / Reprodução-Facebook
 

Autor / Fonte: Vinicius Canova

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