PM desabafa: 'Parece que a gente está numa fila esperando a nossa vez'

 

Flavia Louzada: Há 10 anos na corporação, cabo Louzada não esconde o medo de sair para trabalhar

 

 

RIO - Cabo da Polícia Militar do Rio, Flávia Louzada, de 36 anos, não esconde o medo de sair para trabalhar todos os dias. Há 10 anos na corporação, ela conta que sempre se despede da família como se fosse a última vez - ninguém em sua casa dorme até que ela chegue. A sua relação próxima com a violência começou cedo, aos 11 anos, quando sua mãe, uma professora, foi morta por um aluno em Vila Kosmos, na zona norte do Rio.

A tragédia, aliada à realidade de sua profissão, a fez criar, há seis anos, a ONG A Vida do Policial é Sagrada como Toda Vida É, que auxilia famílias de policiais mortos e PMs que tenham sido feridos em serviço. "Nós damos assistência a essas pessoas que, devido à burocracia, ficam abandonadas a própria sorte. É uma coisa que o Estado deveria fazer, e nós fazemos", diz Louzada.

De acordo com a policial, a ajuda envolve a doação de insumos hospitalares, próteses e até ajuda em funerais. "Esse ano mesmo, um policial teve a perna amputada no Complexo do Alemão, em serviço na UPP. Jogaram granada nele, e o Estado não teve nem como pagar a prótese, nós pagamos com doação. É complicado a gente trabalhar desse jeito, sabendo que, se a gente for alvejado e ficar ferido, nós é que vamos ter que arcar com a nossa recuperação", diz a policial.

Segundo a PM, que ficou conhecida por ser a única mulher que participou da ocupação do Alemão, o sentimento atual da tropa é de abandono, devido ao número crescente de mortes de policiais no Estado.

Braço amputado

"As pessoas costumam dizer que a Polícia é o braço armado do Estado. Eu digo que nós somos o braço amputado do Estado, porque o Estado nos virou as costas. Antes mesmo da crise não tínhamos a assistência que merecíamos. Se contarmos os paraplégicos, tetraplégicos ou amputados em serviço é como se tivesse um batalhão novo dentro da polícia formado só por eles", desabafa.

A policial também relata que hoje a PM do Rio "está sucateada", sem viaturas e sem armamentos em boas condições. "Para ser ter uma ideia da contradição, a cabine da PM em Copacabana, na zona sul, é blindada e as de dentro das UPPs não são, nem têm janelas nem banheiros. Como se trabalha numa condição dessas? A maioria dos policiais abatidos está em áreas de UPPs", afirma.

Ela destaca que a situação da PM não é só um problema da Polícia, como da sociedade. "Se nós que somos pagos para combater a violência estamos morrendo, como é que eu vou poder dizer para o cidadão que ele pode andar com segurança nas ruas ? Nós já tínhamos um efetivo aquém da necessidade, agora com as mortes fica menor ainda, fora os policiais que estão querendo sair por estas condições precárias de trabalho", diz.

Na semana passada, Louzada foi ao sepultamento de uma colega de turma, a PM Elisângela Bessa, morta em um assalto. E não foi a primeira.

"Eu pensei: será que amanhã sou que vou estar neste caixão? É a minha família que vai estar sendo consolada? Parece que a gente está numa fila esperando nossa vez. A gente sai de casa se despedindo como se fosse a última vez", conta.

Amor à profissão

Questionada sobre como os policiais conseguem driblar o medo se serem mortos e tiram forças para trabalhar, ela responde que é "pelo amor a profissão".

"Não é por dinheiro. Nosso salário sempre está atrasado. Não temos escala justa de descanso. A morte de um policial não deveria ser vista como algo rotineiro, é algo que não deveria acontecer. Não entramos para a corporação com o sonho de morrer. Nós não somos suicidas. Somos a última barreira entre o cidadão e o crime e, quando essa barreira é quebrada, vira um problema que todos devemos nos preocupar", disse.

Procurada para se manifestar sobre a morte dos policiais, a Secretaria de Segurança Pública do Rio não se pronunciou.

http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/parece-que-a-gente-est%C3%A1-numa-fila-esperando-a-nossa-vez/ar-AAqJKG9?li=AAggXC1

 

Autor / Fonte: Estadão Constança Rezende

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