Texto.: Vinicius Canova
Fotos.: Gregory Rodriguez
Porto Velho, RO – A altura, envergadura e as feições sisudas apresentadas pelo procurador da República Reginaldo Trindade enquanto fala podem passar a impressão errada sobre o mineiro cortês, de fala mansa e de discurso ainda carregado no sotaque que trouxe lá de Uberaba às ‘Terras de Rondon’.
A reputação extraoficial do membro do Ministério Público Federal de Rondônia (MPF/RO) também corrobora com o perfil desconhecido do homem reconhecido por muitos como incansável caçador de corruptos, reputação que ele próprio admite, embora não se sinta especificamente um ‘carrasco’ de políticos.
Aliás, além de assuntos dos mais diversos, Trindade conta com detalhes como, em determinado período de sua vida, passou da condição de caçador à caça quando uma reportagem nacional ‘colocou em xeque’ sua credibilidade profissional, explorando-o como um verdadeiro criminoso.
“Fui caçado como um animal, uma obra viva por pessoas que queriam nos destruir de qualquer forma. E a Revista Veja foi só um instrumento disso”, brada.
Nesta sexta edição de RD Entrevista, seção publicada exclusivamente pelo jornal eletrônico Rondônia Dinâmica, o procurador aborda ainda: as declarações do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) sobre pretensões de acabar com reservas indígenas; relação com o senador Ivo Cassol (PP); como ficou sua relação com o povo Cinta Larga após ter sido detido por dias na aldeia indígena e muito mais.
Procurador da República diz não ter inimigos
Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)
Perfil e trajetória
Reginaldo Pereira da Trindade nasceu no dia 22 de junho de 1974 em Uberaba, Minas Gerais. Atualmente, aos 42 anos, é casado – desde 1998 – e tem dois filhos praticamente adultos. Chegou à Rondônia por volta de 1984, quando tinha apenas dez anos de idade, acompanhando a família. O pai, que trabalhava com construção de usinas hidrelétricas, veio à época contribuir com a edificação da antiga Usina da Samuel. Reginaldo Trindade está no Estado há mais de 30 anos e se considera mais rondoniense do que mineiro. Quando passou no concurso do MPF, em 2004, tinha a opção de assumir o cargo em sua cidade natal, mas optou por ficar em Porto Velho, atuando como procurador em Rondônia. Cursou Direito na Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e é pós-graduado pela mesma instituição em Direito Constitucional. Assim que encerrou a graduação, passou no concurso para promotor do Ministério Público do Estado (MP/RO), lá atuando de 1997 a 2004, ano em que largou a antiga instituição para assumir o posto no MPF/RO onde prestou e ainda presta relevantes serviços no combate à corrupção e também voltados às causas indígenas.
Rondônia Dinâmica – O senhor poderia explicar de uma maneira sucinta e coloquial quais são as atribuições de um procurador da República?
Reginaldo Trindade – O MP, como um todo, não apenas o Federal, mas o Estadual também, defende os mais altos interesses da sociedade. Então a gente pode dividir a atuação do MP em dois leques distintos: um leque criminal, onde o MP tem um papel de promover a acusação penal pública. Ou seja, se a pessoa mata alguém, se rouba, se furta, sequestra, se apropria de um dinheiro público, então tudo isso é crime e deve ser processado pelo MP, Estadual ou Federal. Este é o primeiro viés de nossa atuação. O outro viés é um viés não penal, não criminal, que busca defender todos aqueles interesses, os mais altos interesses da sociedade, como por exemplo: defesa da criança e do adolescente; do idoso; dos índios; do patrimônio público; do meio ambiente; do consumidor, enfim, todas essas áreas que dizem respeito a todos nós da sociedade. Tudo isso é protegido pelo MP. Grosseiramente falando, o MP Estadual cuida das causas locais, de interesse que não exista previsão de interesses federais; e o MPF cuida dos interesses que envolvam situações de cunho federal, de instituições e por aí vai. Por exemplo, defesa do patrimônio público, se houver um recurso, dinheiro desviado de origem federal, incumbe ao MPF proteger e tomar as providências devidas. E se for dinheiro do Estado ou Município, cabe ao MP Estadual as devidas providências. Cada MP atuando perante às Justiças respectivas, o Poder Judiciário do Estado e a Justiça Federal, esta no caso do MPF.
RD – O senhor é considerado defensor incansável dos povos indígenas no Brasil. Como começou o interesse pela luta em favor das etnias e por que, em especial, os Cinta Larga?
RT – Não surgiu de uma hora para outra. O interesse foi amadurecendo. O que aconteceu? [Questões de] Povos indígenas, especificamente, incumbe ao MPF. Então, via de regra, o MP Estadual não tem atuação nesta área, pois é definida especificamente aos membros do MPF pela própria Constituição. Então enquanto fui promotor meu contato foi ‘zero’ com questões indígenas. Quando assumi o cargo no MPF, em 2004, então treze anos atrás, éramos apenas quatro procuradores em Rondônia. Quatro procuradores para responder pelo Estado inteiro em todas as áreas possíveis. Meio ambiente, consumidor, defesa do patrimônio público, questões criminais, indígenas e etc., etc. e etc... Então eram apenas quatro procuradores. Assim, era pra não funcionar mesmo de forma nenhuma! Então nós teríamos de dividir o trabalho. Sempre tive uma atuação muito forte, quando era promotor de Justiça, na defesa da probidade administrativa, combate à corrupção e pretendia continuar atuando nesta matéria. E esta é uma matéria que, geralmente, as pessoas gostam de atuar, os procuradores gostam. Então o que ocorreu? Dos quatro procuradores, esta é uma matéria que estava em disputa, havia ao menos outro procurador que queria atuar nela também e, a causa indígena, curiosamente, era o ‘patinho feio’, ou seja, ninguém queria atuar [na área]. Eu particularmente não havia manifestado interesse nem pelo sim e nem pelo não. Mas os colegas que estavam na carreira já tinham atuado e queriam ‘passar a bola’, por assim dizer. O que ocorreu? Eu fiquei no setor de Defesa da Probidade e assumi também a questão indígena. E assumi de coração. Não tinha problema nenhum, apesar desse meu viés de ‘caça’ a corruptos e infratores, também tenho um viés humano, que é muito forte em mim. E então comecei trabalhando no MPF no combate à corrupção e na defesa dos povos indígenas, nestas duas áreas gigantescas em todo o Estado de Rondônia! Então você imagina, não havia a mínima condição de atuar, era para não funcionar mesmo. Por volta de 2005 a 2006, começamos a receber mais procuradores, então fomos redividir as atribuições, reduzindo a carga [de trabalho]. Curiosamente aconteceu o inverso a partir daí. Na realidade estava extremamente dividido, porque estas eram, e sempre foram, as duas área da minha vida, as duas grandes questões que sempre gostei. Depois inverteu a situação: eu queria continuar trabalhando pela questão indígena, mas, de coração partido, aceitei repassar a atribuição do combate à corrupção. Só que assumiu um colega que não queria a área de combate à corrupção de forma alguma, mas queria muito trabalhar na defesa dos povos indígenas. E aí ficou aquele dilema e todos os colegas que aqui estavam tentaram convencer o novato que me deixasse na questão indígena por uma série de razões, a principal é que eu já estava atuando, já tinha a confiança das comunidades e pretendia permanecer. Então esse estado definitivo, de permanência em período maior, é muito importante quando se fala na questão indígena. Então esse colega não aceitou de maneira alguma e eu não me senti confortável de forçar minha permanência porque, alguns anos antes, havia ocorrido o mesmo comigo e fiquei exatamente onde queria. A forma de equacionar isso qual foi? Permaneci apenas no combate à corrupção, o colega assumiu a defesa dos povos indígenas e destacou-se, na defesa dos povos indígenas, a defesa do povo Cinta Larga. Por quê? Porque é uma questão extremamente grave, que poderia conduzir à morte de várias pessoas – já havia ocorrido a morte dos vinte e nove garimpeiros em abril de 2004 – e era um tema que, até então, mais tinha trabalhado. Então já vinha desenvolvendo um trabalho e assim ficou: não perdi totalmente o contato com os povos indígenas. Isso ocorreu por volta de 2006, 2007 mais ou menos, e fomos trabalhando. E quanto mais trabalhávamos, mais enxergávamos o tanto que era difícil o problema, o tanto que o governo era insensível, e o quanto a ignorância permeava a sociedade e o quanto havia por fazer. Quanto mais a gente trabalhava, mais dificuldades apareciam e, por mais paradoxal que possa parecer, mais me identificava com a causa. E assim estamos até hoje: é um amor assim que só cresce pela defesa do povo indígena, tentando mudar o cenário da mais absoluta restrição, privação de direitos mais essenciais dessas pessoas.
Atribuições e trabalho
RD – Além das atuações em prol dos povos indígenas, quais são as outras áreas de ofício sob sua incumbência e quais os trabalhos do senhor que, de acordo com seu entendimento, mais se destacaram como membro do Ministério Público Federal?
RT – Olha, tivemos vários momentos interessantes, mas se fosse pra destacar uma atuação, diria que foi em defesa do povo Cinta Larga. É uma coisa assim paradoxal, muito estranha, porque a gente trabalhou muito, mas conseguiu muito pouco, infelizmente. Mas jamais me dediquei tanto a uma causa como me dediquei à causa do povo Cinta Larga, jamais! E provavelmente jamais me dedicarei tanto a uma causa, pelo menos no meu trabalho. Então... Se o Temer permitir [risos]... Devo passar aí mais de duas décadas para me aposentar, conseguir meu ‘pijama’. Estou há treze anos nesta causa. E a gente fez muito. Conseguimos muito pouco, quase nada. Isto é extremamente frustrante, mas, por outro lado, desafiador. E a gente sonha em fazer muito. Temos duas ideias que a gente considera que poderão tirar os índios dessa condição que, se for implementado um terço do que tenho em mente, irão revolucionar a questão indígena no País, talvez até no Mundo. A gente sonha muito alto mesmo. Para isso [ocorrer], a gente vai precisar de tempo. E tempo, entre uma ideia e outra, não é menos do que dez ou quinze anos. No final de tudo, ao fim da vida, dificilmente terei me dedicado tanto a uma causa quanto como foi e está sendo em relação à questão indígena.
RD – O juiz Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Velho, disse que Rondônia está na vanguarda do combate à corrupção por conta de seus diligentes órgãos de controle e também da celeridade judicial. O senhor concorda? Por quê?
RT – Sim e não. O Poder Judiciário rondoniense, e aqui estou me referindo em principio só ao Tribunal de Justiça, a Justiça Local, ao sistema, não apenas ao TJ, mas também ao MP Estadual. De fato, eles são exemplos, paradigmas de excelentes instituições do País, isto é fato, temos números que comprovam isso, dados, enfim, já foram premiados várias vezes, então há muita coisa concreta para comprovar isso. A Justiça Federal em Rondônia, por outro lado, aliás não apenas em Rondônia, mas como um todo, tem muito o que avançar, não apenas no combate à corrupção, mas na resposta efetiva às causas que aparecem. A demora ainda é muito grande, demoram muitos feitos e não apenas em primeiro grau, mas também em segundo grau, no Tribunal Regional Federal em Brasília. Então a Justiça Federal em Rondônia é um reflexo dessa Justiça Federal que acontece no País inteiro. Diria assim: temos alguns passos ainda para evoluir na melhor prestação jurisdicional. Em relação aos órgãos de controle em geral, MP, Estadual e Federal, policias, Tribunais de Conta, Controladorias em geral, particularmente a Controladoria-Geral da União, enfim, esses órgãos todos têm desenvolvido um trabalho interessante em Rondônia, mas... O coração pesa por dizer isso, a gente tem muito que avançar ainda. Muito mesmo! Atuações como a que realizamos em 2012, quando desbaratamos uma verdadeira quadrilha que havia na Prefeitura de Porto Velho, foi uma ação assim, não vou dizer isolada, única, mas extremamente rara. E isso é muito ruim, porque os órgãos têm de ter mais diálogo. Temos os nossos problemas, mas se somarmos esforços podemos chegar a resultados melhores. O fato é que na prática isso não acontece com a constância desejável. Então eu diria que o juiz foi bem feliz na afirmação dele, mas isso não é, no meu modesto entendimento, não espelha com exatidão o que acontece. É um combate interessante, bom, mas que pode, com certeza, melhorar e ser aperfeiçoado.
Dinheiro público escoado pela corrupção
RD – Em termos de recursos federais, é possível ter ideia de quanto foi escoado pelo ralo da corrupção e através de atos de improbidade administrativa praticados por gestores em Rondônia nos últimos 10 anos?
RT – Infelizmente receio que não tenhamos esses dados, nem por estimativa. A corrupção, de uma forma geral, faz com que uma quantidade imensa, gigantesca de dinheiro público seja desviada. Coisa na casa dos bilhões, se não me engano. Mas esse é um número global, do País inteiro, um número estimado. No caso do Estado de Rondônia desconheço qualquer estudo ou levantamento que tenha sido feito a respeito desse número.
De caçador à caça
RD – Em abril de 2008 a revista Veja, de circulação nacional, publicou reportagem sobre “suposto sequestro de altas autoridades cometido por índios cintas-largas, de Rondônia, no fim do ano passado”, ou seja, dezembro de 2007. De acordo com o registro, restaram sequestrados um membro do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, um procurador da República, que seria o senhor, e outras três pessoas A publicação foi além ao relatar que “além de ser fajuto, o tal sequestro armado pelos índios contou com a conivência do procurador Reginaldo Trindade, um dos pretensos reféns”. O senhor teria agido assim, ainda segundo a revista, para facilitar e agilizar o atendimento de reinvindicações dos Cintra-Larga ante o então presidente da FUNAI Márcio Meira. Dito isto, pergunto: a Revista Veja errou ou estava certa na reportagem que publicou?
RT – Errou de uma forma assim bem baixa, bem leviana, bem maldosa mesmo! Na verdade essa reportagem apenas iniciou uma fase que considero a mais complicada, turbulenta da minha vida profissional. Fui caçado como um animal, uma obra viva por pessoas que queriam nos destruir de qualquer forma. E a Revista Veja foi só um instrumento disso. Como tiveram vários outros instrumentos, inclusive locais, principalmente os locais, que foram usados para esse fim. Ela [Revista Veja] foi extremamente leviana, distorceu completamente os fatos, tanto é verdade que fora condenada a me pagar por danos morais. Essa causa está pendente, salvo me engano com recurso lá no Supremo Tribunal Federal (STF). Então a própria Justiça, a Justiça Estadual, já disse que a Revista Veja errou ao afirmar isso. Então, o funcionário da ONU havia me convidado para participar desse trabalho, que seria uma oficina para preparar os índios para lutarem pelos seus direitos no âmbito internacional. Eram oficinas de capacitação dos índios, do povo Cinta Larga. E me dirigi até lá sim. O presidente da FUNAI iria participar também desse trabalho todo, só que, em cima da hora, ele se recusou a ir. Aí os índios, que já vinham amargando uma série de dissabores, de desgostos não apena à FUNAI, mas ao governo em geral, quando souberam que o presidente da FUNAI não iria resolveram deter todos que lá estavam, incluindo o funcionário da ONU, alguns membros da FUNAI de Ji-Paraná e Cacoal, salvo me engano, então foi isso que ocorreu. Essa história de que eu sabia do sequestro, de que eu estava junto com os índios, isso aí é tudo... Isso não existe de forma alguma! Eu fiquei sim detido de sábado até uma terça-feira, então foram três ou quatro dias detido contra a minha vontade pelo povo Cinta Larga. Então, essa versão, a versão que estou contanto, foi reconhecida na Justiça e a Veja há de pagar assim que os recursos todos forem exauridos.
RD – Esse fato que ocorreu com o senhor e com as outras pessoas que estavam lá diminuiu sua paixão pela luta em prol dos povos indígenas?
RT – Olha... Eu confesso que a minha primeira reação ainda lá na aldeia foi de indignação, porque me considerava extremamente injustiçado. Porque naquela época, foi em 2007, já considerava que havia feito muita coisa. Muita não, né? Mas tudo que eu poderia ter feito, dadas todas as limitações e dificuldades, mas considerava que havia feito tudo que estava em meu alcance para tentar ajudar aqueles índios. Me senti traído. Me senti assim... Me tiraram o chão. Me senti assim... Traído mesmo por eles. Mesmo assim depois eu tive o que considero a grandeza de perceber que eles só fizeram aquilo, adotaram aquela atitude absolutamente excepcional, extraordinária, porque estavam e continuam até hoje numa situação excepcional e extraordinária. Então superei isso já na mesma época e saí de lá dizendo que não abandonaria a causa, como de fato até hoje não abandonei. Então isso não serviu de forma alguma assim para reduzir o interesse que eu tinha pela causa. Talvez, no fundo, tenha servido para, quem sabe, solidificar uma relação de confiança. Porque depois disso voltei várias vezes à aldeia, tive várias reuniões com eles e jamais houve qualquer ranço ou revanchismo. Fui lá e voltei em perfeita situação de segurança, nada fiz contra eles, então nossa relação de trabalho permanece absolutamente hígida, pura.
O perseguidor
RD – O senhor é temido por boa parte da classe política de Rondônia, procurador. Alguns o acham intransigente, outros, como o senador Ivo Cassol, o tacham inclusive de perseguidor. O senhor se sente uma espécie de “carrasco” dos políticos?
RT – Não. Eu me sinto uma pessoa que busca perseguir pessoas que mereçam ser perseguidas e não apenas políticos. Qualquer pessoa que chegue aqui, que tenha cometido alguma coisa irregular, será processada por nós. Ela só não será processada se, ao final da investigação, descobrirmos que ela é inocente e nós nos convencermos disso. Ou se por alguma razão que está alheia à minha vontade, alheia a essa minha determinação de fazer o que precisa ser feito, por exemplo, temos aí centenas de investigações ao nosso curso. Infelizmente, nem todas elas nós conseguimos deslanchar a ponto de gerar ações e condenações na Justiça Federal. Então, a pessoa só não será processada se for inocente e nós nos convencermos disso, ou por alguma outra razão alheia à nossa determinação. Nós não temos... É porque as pessoas não entendem. As pessoas acham, e normalmente os políticos, alguns políticos, exploram isso, porque para elas não interessa tratar as questões no plano do Direito, da Justiça e do ‘preto no branco’, do que é certo e do que é errado. Porque [para essas pessoas] não compensa. Uma pessoa que lesou os cofres públicos, sobre a qual pairam evidências manifestas de que ela fez alguma coisa errada, para ela não compensa ficar discutindo os fatos porque ela vai perder! E aí o que acontece? Algo muito comum é você esquecer os fatos, deixar os fatos de lado e atacar o acusador, porque o acusador é um ser humano, é um homem falível, tem suas paixões, seus erros, enfim. É mais fácil você tentar desconstruir um homem do que um fato, uma evidência. Porque uma evidência está ali: tem testemunhas, documentos e até perícia demonstrando aquilo. Então esse é, geralmente, o caminho que essas pessoas, algumas dessas pessoas, adotam. Mas assim: a gente aceita isso, considera ‘ossos do ofício’. Faz parte, não interfere de forma alguma no nosso trabalho, não é ‘fulano’, ‘beltrano’ e ‘ciclano’ falar o que quer que seja de nós na imprensa ou onde quer que seja que irá determinar a nossa atuação. Nossa atuação é: a pessoa que errou há de pagar por isso. Nós vamos fazer de tudo para que ela pague por isso! Por quê? Será que é porque a gente gosta, porque temos algo contra? Não! É porque nós somos pagos para isso, é o papel do MP. Então, peço para não identificar a pessoa, mas já processei um vizinho meu de muro. Então nesses quase vinte anos de Ministério Público processei uma vez uma pessoa, um vizinho. E essa pessoa teve a hombridade de, jamais, me procurar na minha casa, jamais tomar nenhuma atitude. E é uma pessoa simples, uma pessoa que imagino ser de pouco estudo. E essa pessoa teve a hombridade de saber separar as coisas. “Não, aqui é o Reginaldo Trindade, o ser humano, a pessoa. Já aqui é o procurador da República, ou melhor, o Ministério Público Federal que está atuando e é o papel dele, faz parte do trabalho dele”. Curiosamente, os políticos sabem disso, sabem separar. Só que para eles, para alguns deles, não compensa separar. É melhor misturar tudo porque, quanto mais confuso, quanto mais você ‘lançar fumaça no vento’, mais dúvidas, por mais absurdo que seja, melhor. Porque pra eles compensa. O quadro da política é completamente diferente do quadro da Justiça, o contexto em que trabalhamos é ‘preto no branco’. Deveu? Paga! A pessoa cometeu um crime e nós conseguimos provar isso, ela irá pagar. Ela irá pra cadeia. Esse é o cenário da Justiça, ‘preto no branco’. Já o cenário da política não, ele não é tão firme, tão fixo assim. Ele tem aí ‘jogos de cintura’, frases de efeito, palanques, você não precisa provar nada. Você fala, você ‘atira ao vento’ e explora isso. E tem gente que explora isso muito bem. Infelizmente, para tentar chegar a algum lugar, por mais que as pessoas temam a nossa atuação, a atuação do MP como um todo, porque há vários outros colegas fazendo trabalhos excepcionais também, o receio não é suficiente para moldar comportamentos. Temos um cenário muito ruim no País. Porque por mais que operações sejam feitas, por mais que dezenas, centenas de ações sejam propostas, isso ainda não tem sido suficiente para moldar comportamentos. Em Rondônia e mesmo no País inteiro nós não vemos os políticos verdadeiramente respeitando a lei, a Constituição e as instituições de controle e isso é muito ruim. Temo que iremos levar muito tempo para criar uma cultura assim... Não de temor, mas de reverência à lei e ao que é certo.
RD – Falando em Ivo Cassol, há uma animosidade pública entre o senhor e o senador da República que se arrasta há muito tempo. Há algo de pessoal nesta história?
RT – De minha parte não há nada de pessoal, assim como jamais houve. Aliás, pelo contrário, se houvesse alguma coisa de pessoal eu já teria declarado isso nos processos em que atuei contra ele e me afastaria dos casos. Porque assim é conosco: quando o magistrado ou o membro do MP tem qualquer coisa de pessoal contra a pessoa que ele irá investigar, acionar ou julgar, se declara suspeito e se afasta do caso. No caso específico do senador e ex-governador Ivo Cassol, estive com ele algumas poucas vezes. Nos conhecemos quando ele ainda era prefeito de Rolim de Moura, isso há dezesseis anos atrás mais ou menos, 2001, naquela época eu era promotor de Justiça lá em Rolim de Moura, tinha acabado de mudar para lá. Naquela ocasião, se a gente se viu muito, digo assim... Pessoalmente em termos de reuniões, foram uma ou duas vezes, no máximo. Quando lá chegamos, já havia uma investigação em curso, a qual os colegas diziam que ninguém conseguia descobrir. Aliás, o que me falaram exatamente foi assim: “Olha, as empresas dele [Ivo Cassol] ganham todas as licitações na prefeitura, mas ninguém consegue provar isso”. E eu falei: “Ué, mas como? Cidade pequena... Empresas do prefeito ganham as licitações e não conseguem provar? Como funciona isso?”. Então pegamos essa investigação, deslanchamos ela e, ao final de dois anos mais ou menos, era final de 2003, ingressamos com oito ações de improbidade contra ele. Cópia disso tudo foi mandada ao MPF em Brasília, na Procuradoria-Geral da República, porque nessa época ele já era governador. O MPF chancelou, homologou entre aspas aquela investigação nossa, disse que ela estava conforme e denunciou. Ou seja, acusou formalmente no âmbito criminal o então governador Ivo Cassol perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O STJ pediu autorização para a Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE/RO), bem naquela época em que havia um embate terrível entre o então governador Ivo Cassol e o Poder Legislativo capitaneado pelo então presidente Carlão [de Oliveira]. A ALE/RO, por conta desse embate político, deu a autorização e aí o STJ recebeu, à unanimidade, a acusação. E todos os ministros STJ concordaram que havia subsídios para aquela investigação. Foi então instaurada a ação penal contra ele. Essa ação penal foi posteriormente deslocada ao STF, em razão dele ter sido eleito senador. Em 2013, se não me engano, em agosto de 2013, o STF o condenou, salvo me engano também à unanimidade, o senhor Ivo Cassol por aquela fraude lá em Rolim de Moura.
RD – Que começou com a atuação do senhor...
RT – Sim... Por que eu quis fazer essa abordagem? Pra dizer que não havia nada de pessoal, porque se fosse algo pessoal, específica minha em relação a ele, de certo que a Procuradoria-Geral da República não teria chancelado isso, os ministros do STJ não teriam chancelado isso e nem o STF. E assim foi com várias outras iniciativas nossas. Então, por exemplo, tivemos aqui um caso em que consideramos o maior escândalo de compra de votos, maior escândalo de eleições em toda a história de Rondônia, que foi aquele que cassou o mandato do então senador Expedito Júnior (PSDB) e, posteriormente a isso, o senhor Ivo Cassol, na condição de governador, se valeu da estrutura que estava à disposição dele, particularmente a estrutura da Segurança Pública, para tentar enfraquecer as provas que foram produzidas contra, principalmente, o ex-senador Expedito Júnior. Então nós ingressamos com uma ação de improbidade, essa ação foi acolhida na Justiça Federal de primeiro grau e está pendente de recurso há muito tempo já no Tribunal Regional Federal. Por esses mesmos fatos ele também foi acusado, criminalmente, perante o STF. Então assim: são apenas dois exemplos que nós pinçamos em que não sou eu que estou dizendo. Nós conduzimos a investigação, instauramos e processamos, mas outros órgãos também dizem que é assim. E particularmente essa alegação de pessoalidade, de que é coisa pessoal, que é vingança ou sei lá o quê, isso já foi alvo de várias, mais de dez representações diferentes dele mesmo ou de outras pessoas que a gente acredita que tenham ligações com ele nos mais variados órgãos. Na Corregedoria do MPF; no Conselho Nacional do MP, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE/RO), então, ao menos nesses três órgãos, esse assunto foi suscitado várias vezes e todos, absolutamente todos eles disseram: “Não há nada de pessoal, tudo o que ocorreu é um trabalho institucional, papel dele, fez o que tinha de fazer mesmo”. Aliás, curiosamente, poucas pessoas sabem disso, mas em 2004 ou 2005, eu tinha recém ingressado no MPF, e o então governador Ivo Cassol pediu uma audiência com um colega, o doutor Sílvio Amorim. E aí o doutor Sílvio Amorim pediu que nós participássemos também. Participamos em quatro procuradores. Eu, doutor Sílvio Amorim, doutro Francisco Marinho e doutor Heitor Alves Soares. E aí o governador participou daquela reunião e, quando ele chegou e me viu, se assustou [risos] um pouco e aí, virou assim para mim e falou: “Doutor Reginaldo, há muito tempo eu queria fazer uma pergunta ao senhor. O que o senhor tem contra mim?”. E aí eu peguei e disse assim para ele: “Pois governador, há muito tempo estou querendo dizer uma coisa para o senhor. Eu não tenho nada, absolutamente nada contra o senhor. Tudo o que eu fiz foi o meu papel, foi o meu trabalho. Nós temos de fazer isso”. Então eu dei um exemplo que, provavelmente, ele entendeu bem. Porque lá em Rolim de Moura eu havia processado ele, enquanto prefeito, e havia processado também a Milene Mota, que era deputada estadual, foi deputada estadual e tinha feito uma coisa que, infelizmente, é uma ‘praga’ aqui em Rondônia, principalmente envolvendo parlamentares. O parlamentar assume uma cadeira na ALE/RO e, logo em seguida, arruma uma daquelas Casas de Apoio e, com aquilo ali, ele se eterniza no Poder. Começa a fazer caridade para Deus e o mundo, normalmente à custa do dinheiro público, bancando essas Casas. Enfim, o caso envolvendo a Milene Mota era basicamente esse: a Casa [de Apoio] dela lá em Rolim de Moura. Então eu tinha processado ele, mas também tinha processado a Milene Mota. Aí dei esse exemplo para ele: “Olha, governador, tanto não é pessoal que eu processei o senhor, mas também processei a sua desafeta”. Na época, eles estavam bastante brigados, a política lá estava completamente polarizada. Continuei: “Processei também a Milene Mota. Tá vendo? Não há nada de pessoal nisso”. Ou seja, que nem o procurador-geral da República fala: “Pau que bate em Chico também bate em Francisco”. Então quem merece apanhar aqui apanha mesmo e ponto final! Pelo visto ele não entendeu e, se entendeu, não deu a mínima porque isso foi em 2004 ou 2005 e, em 2007, ele me representou no TRE/RO, levantou a minha suspeição alegando coisas horrorosas a meu respeito; depois, em 2008, pessoas que estavam completamente ligadas a ele começaram a repercutir isso fortemente e aí todo mundo já conhece essa história. Essas pessoas todas foram processadas no âmbito da Justiça Estadual e todas, absolutamente todas elas foram condenadas a me indenizar por danos morais, inclusive o próprio senador Ivo Cassol. Então o senador Ivo Cassol foi condenado; o Rondoniagora foi condenado; a Folha de Rondônia foi condenada; a Veja foi condenada e a Revista Maxim foi condenada. E isso assim, mais de uma vez.
Concessão ilegal para extração de madeira
RD – Em 2013, os técnicos da FUNAI Valdir Gonçalves e José Nazareno de Morais o criticaram no Senado Federal informando que o senhor teria concedido autorização ilegal para que indígenas derrubassem árvores em seu próprio território. Segundo os técnicos, a ação “promoveu mais devastação da floresta amazônica e instigou outras etnias a pleitear o mesmo tratamento, como os zoró e os cinta-larga. Os suruís, de Rondônia, foram os primeiros beneficiados”. Questiono: como o senhor rebateria estas críticas, procurador?
RT – Eu rebato assim com muita tranquilidade. Na verdade, essas críticas, e isso ocorreu em 2013, são uma repercussão daquilo que enfrentei em 2008. Como disse anteriormente, a Veja foi só o pontapé inicial. Depois que a Veja alardeou isso, o Rondoniagora pegou e explorou isso fartamente. Aliás, a Veja colocou assim nas entrelinhas e aí o Rondoniagora veio e escancarou de vez. O Rondoniagora, por exemplo, teve a cara de pau, queria achar uma palavra mais bonita, mas não vem outra à cabeça, a cara de pau de dizer que eu tinha permitido que os índios garimpassem e até mexessem com madeira e, em troca disso, eu colocaria pares de máquinas no garimpo; em troca disso, eu conseguiria um perito em antropologia para fazer um estudo no caso deles no processo da morte dos vinte e nove garimpeiros, enfim, era um esquema [usa tom de ironia] assim que teria entre os índios e eu. Então assim... Isso é tão absurdo, mas tão absurdo, que é uma coisa cruel. Porque o Direito é ‘preto no branco’ e às vezes é mais difícil você combater o absurdo, ainda mais o absurdo dito assim de forma completamente leviana, irresponsável. É muito difícil de combater isso. Eu gastei ali, na época, na minha defesa, quase cento e cinquenta laudas para rebater isso. Mas rebati assim vírgula por vírgula. Então, por exemplo, essa alegação de que eu teria... Ah, e eles disseram isso em vídeos e reportagens que o Rondoniagora fez na época, enfim. Eles disseram que o David [Martin Castro], que era o funcionário da ONU que havia me convidado para ir lá [na aldeia dos Cinta Larga] em dezembro de 2007, disseram que ele era um antropólogo e que eu faria esse acerto com ele pra que fizesse o laudo antropológico no caso da morte dos vinte de nove garimpeiros. E assim... Isso é tão absurdo que eu jamais tive atribuição criminal em relação ao povo Cinta Larga e eu nem poderia cumular isso. Há uma orientação no sentido de que o procurador que defende os índios seja diferente do procurador que atua nas ações criminais contra eles, porque eles não entendem isso. Então assim... A gente foi desconstruindo isso, particularmente esses dois rapazes, o Valdir e o Nazareno, esses dois servidores foram processados por nós em 2005. Eram servidores completamente envolvidos com coisas erradas em relação não apenas ao povo Cinta Larga, mas também ao povo Suruí. Mexiam com diamante, mexiam com madeira, mexiam com tudo quanto é coisa. Madeira, sinceramente, não tenho certeza, não me lembro. Mas com diamante com certeza, certeza absoluta! Eles tanto estavam envolvidos que foram afastados e até presos. O Nazareno, por exemplo, ficou preso, salvo me engano, por cerca de um ano e foi solto por uma ordem do STF. E essas pessoas continuavam lá trabalhando com o povo Cinta Larga. E aí, o que ocorreu? Quando tivemos conhecimento disso eu falei: “Não, essas pessoas vão trabalhar aonde for, pode ser lá na Nova Zelândia, mas com o povo Cinta Larga eles não vão trabalhar mais”. Por que o que acontecia? Você ia lá, conversava dois ou três dias com os índios tentando pontuar uma linha de atuação e essas pessoas depois vinham e desconstruíam todo o trabalho [risos]. Porque para eles não interessa a coisa funcionar. Interessa a coisa ficar bagunçada, que daí o crime é mais fácil de praticar. Então pensei: “Não, eu vou tirar essas pessoas daqui”. Então propusemos uma ação para que a Justiça Federal determinasse o afastamento deles, a remoção compulsória deles e assim foi. Um foi para o Pará, e o outro para Tabatinga. Havia um terceiro também, que ficou mais ‘na dele’, que era o PC. Não lembro o nome dele, mas o PC foi para o Mato Grosso do Sul, enfim. Os três saíram porque não tinha como ficarem lá, estavam completamente envolvidos com coisas erradas. Então assim, fomos nós que afastamos. Então é óbvio que essas pessoas não morriam de amores por mim.
RD – Mas houve essa concessão ilegal para extração de madeira de sua parte?
RT – Nessa época, em 2006, até antes de começar o problema todo, participei de uma reunião com os Suruí em agosto ou setembro daquele ano, em que o assunto da madeira foi discutido. A questão estava assim: discutir alternativas para a exploração da madeira. Então os índios, o povo Suruí, o sofrido povo Suruí, queria abandonar de vez aquela atividade econômica irregular, inclusive, mas precisavam do socorro do poder público, da FUNAI, do governo e etc. E aí a gente participou da reunião e, trechos dessa reunião, foram gravados. Um dos trechos dizia, era um índio, inclusive o Almir Suruí, criticava a nossa postura porque, no entende dele, nós tínhamos de proibir imediatamente a comercialização da madeira. Quando, na verdade, nós não tínhamos a mínima condição, inclusive em termos de legitimidade porque não era papel nosso atuar nas questões criminais, como eu disse, sem falar que aquilo estava sendo costurado, articulado para acertar com o governo. Acertar com a FUNAI aquele plano para melhorias das condições do povo Suruí. Mas o que aconteceu? Tanto a nossa atuação quanto, principalmente, a fala do Almir Suruí, foram distorcidas, tiradas daquele contexto. Ele fez a crítica sim, que isso fique claro. Mas jamais quis dizer o que as pessoas estavam dizendo. E aí as coisas já começavam... Detalhe: nessa época, era 2006, eles foram processados em 2005, então já sabiam. Ali já se começou a arquitetar uma armação contra mim, porque logo em seguida eles fizeram um memorando dizendo assim: “Olha, o procurador autorizou a exploração da madeira, mas tem de ver isso mesmo, porque isso vai provocar um estrago ambiental terrível”. Como se dissesse assim, ele já disse, afirmando, constando num documento oficial da FUNAI.
RD – Que memorando era esse?
RT – Jamais tomei conhecimento desse memorando, nunca soube desse memorando. Em 2008, dois anos depois, quando começaram esses ataques todos contra mim, o memorando veio à tona. Veio uma videoreportagem do Rondoniagora dizendo assim: “Olha, o procurador autorizou a exploração da madeira”. E aí fizeram uma montagem. Nessa época a coisa ficou tão feia que o Rondoniagora anunciava de um dia para o outro: “Amanhã, tal hora, vai ao ar tal videoreportagem”. A primeira foi essa em relação à Revista Veja, sobre sequestro e envolvimento com diamantes e aí por diante. O que eles podiam, colocavam no ar. Aí fizeram essa reportagem e, no dia seguinte, lançaram: “Olha, amanhã tem mais. Amanhã vai ser sobre madeira”. E aí fizeram a outra vídeoreportagem. Queriam ver a minha ‘caveira’ mesmo! Essa ofensiva toda só parou, aliás, não parou porque até hoje ela não para, mas só diminuiu, vamos dizer assim, quando os colegas fizeram publicar uma nota dizendo que aquilo era um absurdo, que já estavam no encalço das pessoas envolvidas, que aquilo era uma armação e iriam processar e prender quem estava fazendo aquilo. Então essa ação afugentou e freou [as publicações]. Então, claro, depois nós fomos atrás e então vários outros jornalistas nos ajudaram. E outras pessoas também. Na época, por exemplo, a ex-senadora Fátima Cleide (PT) fez um discurso assim... Maravilhoso. Então, foi um momento assim muito difícil, mas também de muitas bênçãos. Aquele discurso foi um deles. Ela começava com uma frase de [George] Bernard Shaw que dizia assim, é de arrepiar: “A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos”. E aí a então senadora continuava o discurso. “Com esta frase gostaria de dizer que o procurador Reginaldo Trindade, desafiado pela pedra amolar da vida, continuará afiado. Isso porque ele é constituído do melhor material: é firme, é resistente, virtuoso, enfim”. E aí ela seguia dizendo: “Olha, ele vem sendo atacado pelo Governo de Rondônia, estão dizendo os maiores absurdos”, enfim, o discurso em si é maravilhoso, mas eu só consegui memorizar mal e porcamente essa parte inicial, que realmente fixou. Então teve esse discurso e me lembro de que houve um jornalista, famoso, inclusive, o Nassif, Luis Nassif, que tinha uma coluna que levantava os ‘podres’ da Veja, mas não recordo o nome. Aí um jornalista da Carta Capital, o Leandro Fortes, esteve aqui em Rondônia e soube dessas armações todas e veio aqui documentar isso. E aí fez uma reportagem e, quando soube... Na verdade ele veio mesmo para falar sobre o caso da compra de votos, se não me engano. Mas o fato é que ele veio, me abordou, eu contei tudo isso pra ele, ele andou investigando e soltou uma reportagem na Carta Capital. E aí ele ligou para o Luis Nassif dizendo: “Olha, tem um lance, um assunto lá em Rondônia que eu acho que vai te interessar aí pra sua coluna”. E aí tanto a reportagem do Leandro Fortes, da Carta Capital, quanto essa do Luis Nassif foram, assim, respostas espetaculares mesmo contra essas investidas todas. A partir daquele momento... A reportagem da Veja foi em abril [de 2008], aí maio começaram os ataques sistemáticos do Rondoniagora e logo em seguida eles arrefeceram, deram um tempo por conta dos colegas que ‘entraram no jogo’, porque viram que a coisa estava muito séria. Logo depois um inquérito administrativo foi aberto e, por conta disso, não digo arquivado, mas já havia uma sinalização da Comissão de que não havia nada errado e de que iria arquivar. Depois veio o discurso da senadora, as reportagens a meu favor e foram fazendo um contraponto em relação a isso [os ataques]. Então, para tentar fechar, essas duas pessoas repercutiram em 2013 aquilo que havia sido produzido em 2006, 2007 e 2008. Então elas pegaram aquilo e meramente repercutiram, inclusive nós conseguimos demonstrar, fazendo uma investigação sumária com o que estava disponível para nós, que havia sim muitas pessoas trabalhando para tentar nos destruir, sujar nossa honra. Essas duas pessoas estavam nessa. E estavam nisso por vindita, revanchismo, vingança mesmo! Por quê? Porque a gente havia conseguido afastá-las do ‘ganha pão’, da ‘galinha dos ovos de ouro’ delas. E elas jamais aceitaram isso e quiseram nos denegrir. Esses ataques foram tão rasteiros, tão mesquinhos, que o Rondoniagora chegou a ir lá a Espigão do Oeste e, no afã de conseguir provas de coisas erradas que eu jamais fiz, chegou a oferecer dinheiro para as pessoas. Uma das coisas assim que considerei abençoadas também nesse período foi o caso de uma pessoa lá, o motorista Mauro, não vou dizer o sobrenome porque é perigoso minha memória me trair, mas o motorista Mauro da Prefeitura de Espigão do Oeste, foi quem nos conduziu lá em 2007 quando fomos detidos [pelos Cinta Larga]. Então eles foram atrás desse motorista Mauro, que é uma pessoa extremamente humilde, para que ele dissesse que eu estava lá não para participar de palestras, mas sim para roubar diamantes, para negociar os diamantes. Eles foram atrás disso e ele falou: “Olha, eu não vi nada disso. Eu não vou dizer isso”. Chegaram a oferecer dinheiro para o motorista Mauro e ele, humilde, provavelmente necessitando do dinheiro, não aceitou de forma alguma.
RD – O senhor tem prova disso?
RT – Tenho. Eu tenho vários depoimentos. Tudo que estou falando aqui, que fique bem claro, tenho relatos, provas testemunhais, tenho, dependendo da situação, provas documentais, enfim, um dossiê gigantesco. Como te falei antes: só minha defesa, uma delas, foram cento e quarenta e tantas páginas. Todas baseadas numa infinidade de documentos. Índios dando depoimentos, instituições, pessoas, autoridades e por aí vai. O então presidente da FUNAI chegou a ser ouvido pela Polícia Federal. Ele foi ouvido e disse: “Não, eu fui lá, havia uma situação tensa e não havia nada de armação, era coisa séria mesmo”.
Vingança?
RD – Uma das sócias de um dos veículos que o senhor citou hoje é secretária municipal. Como gestora, ela pode espera vingança por parte do procurador Reginaldo Trindade?
RT – Não... De forma alguma, de forma alguma! Nós não agimos aqui com vingança contra ninguém de forma alguma. Isso não existe, não existe dentro do meu coração.
RD – Mesmo com tudo isso que o senhor relatou?
RT – De forma alguma, de forma alguma... Essa pessoa é uma como outra qualquer. Nós aqui não olhamos a ‘cara’ de ninguém que nós acusamos. Aqui em Rondônia nós temos os poucos amigos de verdade, poucos parentes, então em relação a estes, qualquer coisa que apareça, nós vamos manifestar nossa suspeição. Inimigos eu não tenho nenhum! Ninguém é meu inimigo. Não tenho nenhum inimigo. Tenho pessoas que nós já processamos e, se tiver de processar de novo, a gente vai processar. Mas daí a extrair disso uma vingança, não, de forma alguma. Ela pode ficar tranquila. Quer dizer, tranquila assim no sentido de que não vai haver vingança. Mas se houver fatos irregulares que tenha cometido e que isso envolva recursos federais, alguma questão federal, e se isso vier parar no meu gabinete, porque temos aqui vários gabinetes que agora atuam no combate à corrupção, ela eventualmente pode ser processada. Mas isso jamais será fruto de vingança, de forma alguma. Na verdade é assim: o que houve da nossa parte foi a saída que a lei me autoriza, que é o processo por danos morais. Aceitamos muitas coisas que falam a nosso respeito. Por quê? Porque vivemos numa democracia, porque as pessoas têm liberdade de expressão, porque nosso trabalho não é incólume, está sujeito a críticas. Mas muitas pessoas falam, nas próprias redes sociais ou comentando notícias, às vezes nas próprias notícias, coisas que não tem o mínimo sentido. Mesmo assim a gente não sai por aí processando Deus e o mundo não. No caso específico dessas pessoas todas que já falei tudo ocorreu da maneira que foi porque, assim, elas superaram todos os limites possíveis do aceitável, do razoável. Então, sinceramente, se eu não tivesse feito isso... Eu nem... Sei lá... Não me sentiria confortável. Porque era necessário que a Justiça, a Justiça do Estado, dissesse: “Vocês erraram e terão de pagar por isso”.
Bolsonaro e o fim dos índios
RD – O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidência da República, disse que, caso venha a ser eleito, irá acabar com todas as reservas indígenas e comunidades quilombolas do País. Como o senhor recebe esta declaração?
RT – Não sei nem como descrever o meu estado, o estado em que eu recebo essa declaração. No mínimo assim: uma profunda tristeza e consternação. Porque, para além de ser ou não de ser candidato a presidente, hoje ele é um deputado federal. E por mais assim ‘bocudo’ que ele seja, extremamente infeliz em diversas colocações, o que nós esperamos, o que a sociedade espera de uma pessoa que ocupe um cargo dessa relevância na República, é que pelo menos reflita antes de dizer [alguma coisa]. Então assim... É muito triste. Com muita tristeza que recebo isso. Isso [a declaração] no mínimo, no mínimo... Configura aí um crime. No mínimo! Porque ele está aí prometendo acabar com povos e terras indígenas do País. Então, sinceramente, espero que a Procuradoria-Geral da República adote as providências criminais contra ele.
Novos massacres em reservas indigenas
RD – Procurador, na última sexta-feira, dia 07 de abril de 2017, relembramos os treze anos do chamado Massacre da Reserva Roosevelt. A disputa por jazidas de diamantes em reservas indígenas de Rondônia ainda pode registrar episódios como este, que culminou na morte de 29 garimpeiros?
RT – Infelizmente, sim. Infelizmente, sim... Aliás, já tem alguns anos, três ou quatro anos talvez, que nós temos insistido, alardeado, que a situação envolvendo o povo Cinta Larga, a reserva Roosevelt, é tão ou mais grave do que era há treze anos, quando ocorreu o momento culminante até agora, que foi a morte dos vinte e nove garimpeiros. E por que estamos dizendo isso? Porque o mesmo contexto presente naquela época e que de que certa forma provocou a tragédia, está presente ainda hoje. Nós ainda temos: diamantes, pois a riqueza ainda está lá; temos um povo passando toda sorte de privações; um governo extremamente omisso e relapso e milhares de pessoas querendo roubar essas riquezas. Então esse cenário foi o cenário que praticamente levou, conduziu às mortes dos vinte e nove garimpeiros, e está presente ainda hoje. E hoje nós temos algumas circunstâncias que agravam muito, mas muito mesmo esse cenário. Por exemplo, naquela época havia um risco grande de embate entre índios e garimpeiros. De luta, de ataques de índios contra garimpeiros e garimpeiros contra índios. Hoje, além desse embate, nós temos outro que talvez seja até mais grave: o embate entre os próprios índios. Porque enquanto a maioria dos índios Cinta Larga quer ver o garimpo fechado e sair dessa situação irregular, tem ali uma meia dúzia, como sempre acontece, que quer ver o garimpo aberto. E esse embate pode transbordar em violência a qualquer momento. Hoje, a questão Cinta Larga sumiu dos noticiários, principalmente dos grandes noticiários nacionais ou mesmo internacionais. Então naquela época qualquer coisa que se falasse da questão Cinta Larga era notícia internacional. Hoje em dia, tirando algumas notícias esparsas que tem sido publicadas na grande imprensa nacional e internacional, você praticamente não escuta falar dos Cinta Larga. E quando escuta, geralmente escuta de uma forma tendenciosa, as pessoas falam: “Ah, aqueles índios que mataram os garimpeiros. Aqueles índios que são os assassinos, que são ladrões de diamantes e etc., etc. e etc.”. São informações distorcidas da realidade. Hoje, tudo, absolutamente tudo que não presta está presente na aldeia. Nós temos: drogas, prostituição, armas de fogo, pedofilia, tudo isso nós temos na aldeia. Então é o garimpeiro que casa com índia adolescente de treze ou quatorze anos só para ter acesso ao garimpo. É este o contexto. E o que é mais triste nessa história? O governo não está nem aí, está dando de ombros. O governo ou não sabe, ou, se sabe, finge que não sabe e a vida continua. Então esse cenário é muito ruim. É o cenário de passar privações extremas a ponto de ter de ceder para o crime organizado. É o cenário em que cada vez mais a esperança desses índios por dias melhores é testada. Então tudo isso é muito ruim e pode desaguar, mais cedo ou mais tarde, em novos conflitos. E se novos conflitos acontecerem provavelmente tombarão muitos índios. E aí a gente não sabe o que vai ser até mesmo do País. Imagine que hoje em dia em vez de vinte e nove garimpeiros acabem morrendo vinte e nove índios. O que verdadeiramente irá acontecer? O que irá sobrar para todos nós? E o governo não dá a mínima para isso, não está nem aí. E isso não é um mero cálculo maluco de minha parte.
RD – Algo ocorreu recentemente para que o senhor alimente esta preocupação?
RT – Em 2015, por exemplo, nós, em dois momentos diferentes, estivemos na iminência de um conflito dessa magnitude acontecer. Na primeira vez, nós tínhamos quinhentos garimpeiros lá dentro, a maioria deles armada e afrontando os índios, dizendo que não iriam sair e que ninguém iria lá a socorro dos índios. Então assim, a morte dos vinte e nove garimpeiros há treze anos ocorreu exatamente dessa forma. Baiano Doido começou a chamar os índios de preguiçosos, disso e daquilo, e deu o que deu, terminou como terminou. Ou seja, em 2015 aconteceu isso de novo, vários garimpeiros armados, e os índios não são de levar desaforo para casa e, por uma talvez até intercessão divina, nós não tivemos derramamento de sangue. Logo depois índios de Rondônia queriam fechar o garimpo e havia ali uma meia dúzia resistindo ao fechamento do garimpo. Novamente, nós estivemos ali na iminência de um novo conflito. Então assim: infelizmente, é um dia triste este, aniversário de um dos momentos muito ruins, provavelmente um dos mais trágicos e não diria que foi o mais trágico porque nós tivemos massacres na década de 60 e principalmente 70 que superaram, ao menos em número de mortos, o episódio dos vinte e nove garimpeiros em 2004. Mas indiscutivelmente é um momento muito triste, uma data muito triste e o que é mais grave: é uma data que pode ser revivida, que pode ocorrer de novo. Nós temos dito isso insistentemente nos últimos anos. E temos dito assim, com a maior clareza possível para que, pelo menos, Deus nos livre, mas se vier a acontecer, que o governo não venha com a pálida alegação de que não sabia, não tinha conhecimento e que ninguém levou a informação para ele.
RD – E de treze anos para cá, há algo a comemorar?
RT – Olha... Como eu falei, infelizmente nós trabalhamos muito e conseguimos muito pouco. Infelizmente mesmo... Mas assim: algum avanço a gente teve. O avanço principal que tivemos foi a partir de 2013, porque embora esse avanço não tenha redundado em melhoria efetiva ao povo Cinta Larga, tem servido para fixar as bases, as balizas em cima da quais nós poderemos ter um avanço significativo. A partir de 2013 nós criamos uma rede de articulação imensa com a sociedade e instituições, e essa rede se chama Grupo Clamor. Clamor significa “Cinta Larga, Amigos em Movimento pelo Resgate”. Essa rede congrega aí dezenas de pessoas em instituições e graças ao trabalho do Grupo Clamor e do próprio MPF, nós conseguimos deslanchar uma série de iniciativas. Então, por exemplo, fizemos a Caravana da Esperança, fizemos duas ações sociais grandes em defesa do povo Cinta Larga, celebramos mais de quinze parcerias com faculdades particulares aqui de Rondônia através das quais nós conseguimos mais de cem bolsas integrais de Ensino Superior aos índios... Então assim, as coisas estão acontecendo, mas acontecendo como, infelizmente, acontecem as questões sociais no País, de forma bem lenta e gradual. Atualmente, defendemos e depositamos nossas maiores esperanças em dois projetos diferentes. Um, a regularização da exploração dos diamantes. E o outro, o Plano de Educação ao Povo Cinta Larga. Com a regularização dos diamantes nós esperamos tirar os índios dessa situação de marginalidade, irregularidade e, com isso, quem sabe fixar modelos e paradigmas ao País inteiro, porque essa questão de exploração de minérios em terras indígenas é um nó que ninguém consegue desatar no Brasil todo. E, com o Plano de Educação, este sim, a saída principal e importante não apenas ao povo Cinta Larga, mas a todo e qualquer povo. Eu não conheço povo algum no mundo que seja educado e, mesmo assim, tenha de mendigar cesta básica de governo, morra por falta de educação, de saúde e segurança. Deposito mais esperanças no Plano de Educação. Por quê? Porque acredito na educação como maior e melhor instrumento de transformação na vida de um povo, seja indígena ou não. Por considerar a educação esse instrumento de transformação, é que deposito tantas esperanças de mudar completamente a vida desse povo através do Plano de Educação. Para ilustrar isso, posso dizer que eu mesmo sou uma prova do valor da educação, porque tudo o que consegui na vida foi através da educação: meu cargo, minhas realizações, enfim. Nós depositamos nossas maiores esperanças nessas duas estratégias. As duas estratégias nós estimamos que não renderão frutos em menos de dez ou quinze anos. Então por aí vocês têm uma ideia do tamanho da encrenca, do tamanho da confusão, das nossas dificuldades.
As críticas e os limites para a liberdade de imprensa
RD – Embora o senhor seja o procurador da República mais conhecido, geralmente por conta de declarações na imprensa, entrevistas e exposições em outros meios de comunicação, também já teve entreveros com jornalistas da região. Até que ponto uma autoridade está disposta a aceitar críticas e qual o limite para a liberdade de imprensa?
RT – Bem... Eu acho que toda a autoridade pública deveria estar sim bastante desarmada, com o espírito bastante tranquilo para receber e eventualmente até aceitar críticas das mais diversas possíveis, às vezes até as críticas injustas. Por quê? Porque isso faz parte da democracia. Então nós já tivemos aqui... E nem vou falar de comentário ou mesmo as redes sociais, porque nesses lugares, definitivamente, as pessoas não refletem, é como se estivessem numa mesa de bar. Então a pessoa vai pro Facebook fazer comentários e tudo mais. Não vou descer a esse nível. Vou falar só da imprensa mesmo: já vi algumas reportagens aqui extremamente injustas, que a situação era ‘assim’ e ela [a reportagem] falou ‘assado’. E mesmo assim a gente nem respondeu. Algumas vezes nós soltamos algumas notas e respondemos “Olha, é assim, assim e assim” e outras vezes nem isso nós fizemos, nem chegamos a processar, nada disso! Faz parte... Faz parte. Até porque às vezes essas críticas, ainda que injustas, servem para abrir os nossos olhos. “Olha... Espera lá. Estão falando isso, então vamos ver o que está acontecendo. Será que a gente não pode melhorar? Será que estou verdadeiramente correto?”. Vai ver o outro [veículo de comunicação], embora colocando de uma forma ‘atravessada’, de uma forma enviesada, talvez até maldosa mesmo, está certo e tenha razão. Então assim, eu acho que toda e qualquer autoridade pública deveria receber dessa forma, com espírito desarmado. Sabendo que atua em benefício não dele próprio, mas do bem comum, atua em áreas em que o interesse da sociedade, o interesse público é muito grande, e que ele precisa aceitar essa críticas. Essa é uma situação. Mas essa é uma situação para os casos normais, vamos colocar normais entre aspas, até porque vai saber o que é normal ou o que é patológico. Mas há situações que transpõem essa normalidade, que são os casos que eu já citei aqui exaustivamente. Caso que não existe uma situação e aí o repórter e o veículo de comunicação, ou quem quer que seja, querem plantar uma situação, oferecer dinheiro para testemunha dizendo: “Olha, você depõe, você fala isso, assina embaixo disso”. Então essas são situações já berrantes, que não têm nada a ver com imprensa, nada a ver com liberdade de imprensa. Isso é crime! E ocorre através do instrumento da imprensa, coisa que eu poderia fazer aqui, um juiz pode fazer, um médico pode fazer. É fazer coisa errada se prevalecendo da função, do cargo que ocupa. Então isso não tem nada a ver com imprensa ou liberdade de imprensa. Tem a ver com honestidade, ética, enfim, e isso não é só dos jornalistas. Quem dera, oxalá que isso só partisse dos jornalistas. No MP tem gente que age assim, na magistratura tem gente que age assim, na OAB, na Medicina, na Engenharia, infelizmente. Todos esses lugares são compostos por seres humanos. Então o limite não apenas para a liberdade de imprensa, mas à liberdade em geral da qual todos nós desfrutamos no País, é a responsabilidade [fala pausadamente]. A liberdade não tem qualquer sentido, nem deveria ser considerada sozinha, sem a ‘irmã gêmea siamesa’ dela, que é a responsabilidade. Então se houver liberdade, tem de haver responsabilidade também.
RD – O senhor escreve artigos de opinião e alguns deles foram, inclusive, publicados no site oficial do MPF/RO. Em junho de 2013, o senhor publicou um artigo intitulado “A encruzilhada dos viadutos e o martírio da capital”, falando sobre a gestão anterior, ou seja, naquela época a do ex-prefeito Roberto Sobrinho, do PT, e a herança recebida pelo sucessor Mauro Nazif (PSB). À época, o senhor relatou que o MPF fez sua parte para que os viadutos fossem concluídos, algo que até hoje não ocorreu. O que mais se pode esperar dessa novela, como o senhor mesmo nominou?
RT – Eu diria que não é nem uma novela, é uma tragédia grega. Na época me falaram uma frase, salvo me engano até usei no artigo, que “Porto Velho foi de um canteiro de obras para um cemitério de obras”, tamanha profusão de obras começadas e não terminadas ou mesmo mal terminadas. Os viadutos são apenas a face mais ‘negra’, só o cartão postal da feiura dessa administração que a gente teve, que foi na administração, vou dar nome aos bois, na administração do senhor Roberto Sobrinho (PT). Foram oito anos ‘negros’, talvez, provavelmente os oito anos mais ‘negros’ que tivemos na Capital em todos os tempos. Então assim, escrevi este artigo, gosto muito de escrever como disse antes, e nessa época aí, curiosamente, eu tinha a vã pretensão de escrever um artigo por semana ou por mês, não me lembro, não consegui [risos] de forma alguma, lastimo bastante por isso. Mas esse eu escrevi. E já, se não me engano foi em 2013, havíamos ingressado com algumas ações e, até então, naquela época, a gente tinha ou ali ou mais pra frente, proposto uma ação para obrigar os órgãos a concluir os viadutos. Tínhamos feito uma audiência pública, expedido recomendações e estávamos cumprindo com nosso papel. Algumas pessoas acabaram confundindo isso. Porque a gente acabou sendo meio que responsável pelos viadutos, eu não sei, acho que não é possível que alguém verdadeiramente acreditou que a gente é que iria construir os viadutos. Mas assim: quando você assume uma determinada responsabilidade e passa a tentar resolver aquilo, as pessoas acreditam verdadeiramente que você quer ajudá-las e vão atrás buscando essa ajuda. Então, com base nisso, as pessoas cobravam muito e tal e, em 2014, maio de 2014, houve uma separação na nova divisão do trabalho aqui no MPF/RO. O que aconteceu? Até então eu era o único procurador que atuava aqui em Rondônia no combate à corrupção e, a partir de maio de 2014, esse combate foi dividido em cinco procuradores, então cinco gabinetes diferentes. Feliz ou infelizmente, dependendo do contexto, a questão especifica dos viadutos não ficou no meu gabinete, foi para outro. Então, o que tenho acompanhado assim é só o que as pessoas acompanham em geral. Por exemplo, não precisa atuar na causa para saber que aquele viaduto ali do Trevo do Roque é muito esquisito, muito estranho. Acho que já rodei o mundo e nunca vi um viaduto tão estranho quanto aquele. Piores do que aquele são os que ainda estão por terminar. É muito triste isso, muito desalentador. Fico imaginando assim quem mora ali naquela região da Vila da Eletronorte, ou mais atrás, que depende de cruzar aquele bendito daquele projeto inacabado de viaduto. O sofrimento que não é. Fora várias outras obras que estão aí por terminar na cidade. A gente tem de orar e ter muita fé, muita fé mesmo. Aliás, uma das maiores obrigações do homem de bem neste País é ter muita esperança mesmo, jamais perder a esperança de que as coisas vão melhorar. Porque, caso contrário, meteremos os pés pelas mãos, jogaremos a toalha, deixaremos de fazer o que é certo e não é bem por aí. O País está no caminho certo, nós vivemos aí, se não me engano um dos maiores, senão o maior período de democracia no País e a democracia e a liberdade são nossos maiores valores. E assim que as coisas têm de acontecer e continuar. Se continuarmos a exercer liberdade com a democracia e nós melhorarmos significativamente nossos índices de educação, aí sim, aí nós caminharemos para um País melhor. Provavelmente nós não viveremos isso, talvez nem nossos filhos viverão. Mas quem sabe os nossos netos e bisnetos, não é?
Reginaldo político?
RD – Seguindo a tendência do que ocorreu em Porto Velho, com um ex-promotor de Justiça chegando à prefeitura, a população de Rondônia pode esperar Reginaldo Trindade concorrendo a algum cargo eletivo?
RT – Não, não... Eu não posso concorrer. Eu tenho uma restrição versando que qualquer membro do MP e da magistratura não pode concorrer...
RD – Mas seria depois de aposentado ou coisa que valha...
RT – No caso do prefeito Hildon, que ganhou de uma forma até surpreendente, ele era milionário e pôde abrir mão lá do cargo dele, não é minha situação. Depois da aposentadoria, só Deus sabe o que vai acontecer. Eu quero crer, se o Temer, algum dia, me deixar aposentar – no fundo jamais irei me aposentar, pois meu espírito é inquieto demais, estarei sempre aí com uma grande questão para ocupar meu tempo, minha mente e meu coração. Tenho vários planos, sonhos e posso inclusive aqui até declarar alguns. Tenho o sonho de escrever muitos livros. Gosto muito, mas muito mesmo de escrever. Hoje se você me perguntasse “O que você gostaria de fazer?”, assim, tendo de abrir mão de tudo e ficar só com uma coisa, ficaria para ler e escrever, disparados meus maiores gostos, maiores interesses. Tenho muita vontade de voltar a estudar, especialmente fora do País. E por aí vai... São muitos planos, muitos pensamentos. Tenho uma coisa que de uns três ou quatro anos está muito forte em mim, que me sinto assim muito devedor da sociedade, de tudo, de todos. E particularmente deste Estado, porque aqui construí minha vida, casei, consegui minha família maravilhosa e a profissão que sempre quis ter. Então eu devo muito a isso. Particularmente, já enfrentei tantos momentos muito complicados mesmo, tanto no trabalho quanto em questões pessoais e, graças a Deus, sempre consegui sair assim absolutamente por cima de tudo. Consegui amadurecer aqueles momentos ruins, que servirão apenas para moldar ainda mais o meu caráter. E me sinto muito devedor disso tudo. Então eu gostaria muito de ajudar as pessoas, a sociedade, as instituições, o Estado, enfim. Atualmente, considero que a forma pela qual eu posso fazer isso, a melhor forma, é através do meu trabalho. Embora eu tenha algumas iniciativas assim de benemerência, participando de alguns grupos que ajudam pessoas mais carentes, tenho me esforçado mais mesmo é no meu trabalho. Daqui a quinze ou vinte anos, sei lá, quando eu conseguir o meu ‘pijama’, não sei se vou enveredar para uma carreira pública, sinceramente. Minha visão e programação não chegam a tanto. O que posso garantir é que, cada vez mais esse sentimento estará presente dentro de mim. O sentimento de gratidão, de agradecer e de retribuir. Porque para mim, assim, não faz sentido você ser tão protegido como sempre fui protegido, porque mesmo naqueles momentos mais difíceis que enfrentei em 2008 e em outros momentos também de perdas pessoais, de problemas pessoais, jamais me senti assim verdadeiramente abandonado. É como se sempre houvesse aquela mão protetora me resguardando, velando por mim. E eu acho que isso não acontece à toa na vida das pessoas. E qual a razão? Não sou mais bonito do que ninguém. Sou uma pessoa como outra qualquer, um ser humano absolutamente falível. Qual a razão disso? Deve haver um significado e o significado que eu enxergo maior nisso é que preciso retribuir, fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar as pessoas. E, desse sentimento, que não é um peso, que fique bem claro, às vezes as pessoas podem pensar: “Pô, ele vai carregar essa ‘cruz’ pro resto da vida!”. Não, é uma coisa assim que eu faço com muita alegria, satisfação. Não há nada mais prazeroso, gratificante do que você ajudar as pessoas e ver nos rostos delas o retrato que diz: “Pô, ele me ajudou sem me exigir nada em troca”. Que coisa abençoada... Então é muito bom você poder olhar nos olhos das pessoas e perceber através de seus sorrisos que estão felizes porque foram ajudadas por você. É uma coisa que eu faço com muito amor mesmo. E eu espero que esse sentimento jamais me abandone. Jamais! Acho que não irá abandonar, pelo contrário, até então ele só tem crescido. Se essa ajuda virá através de um cargo público eletivo, se virá através de livros, de filmes, enfim, só Deus sabe. O futuro a Deus pertence. Mas, oxalá, eu continuo com meu espírito de determinação, de esforço, de acreditar que a gente, o ser humano pode fazer tudo que ele quiser fazer.
RD – Procurador, muito obrigado.
RT – Eu é que agradeço pelo espaço e por terem considerado o meu nome. Um abraço.
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Autor / Fonte: Rondoniadinamica
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