Entrevista

Dona Francisca da Junina Flor da Primavera

 O movimento folclórico de Porto Velho conta com várias mulheres dirigindo grupos de Quadrilha Junina e Boi Bumbá, dentre essas tantas, escolhemos Dona Francisca presidente da Junina Flor da Primavera para homenagear no Dia Internacional da Mulher. Ela nos fala sobre, como é dirigir um grupo folclórico que participa dos vários festivais que acontecem em Porto Velho inclusive, o maior de todos, que é o Arraial Flor do Maracujá.

Ontem (7) pela manhã, fomos até a residência da Dona Francisca na Zona Sul de Porto Velho, que segundo ela, a partir de março, se transforma no Barracão sede da Quadrilha. “Até o mês de agosto, nossa casa vive cheia de brincantes do nosso grupo, aliás isso acontece durante o ano todo, só que nesse período, é mais constante”. Acreana de Cruzeiro do Sul onde aprendeu a admirar as danças folclóricas. “Lá a dança da quadrilha é chamada de Caipira”, dona Francisca após algum tempo morando em Porto Velho e em especial na Zona Sul, assumiu a direção do grupo que foi criado pelo maranhense Antônio José e família em 1986.  “Desde de 2014, estou a frente do grupo que é conhecido como A Princesinha da Zona Sul”

ENTREVISTA

Zk – Só para começar impactando. Qual o tema da Flor da Primavera em 2020.

Francisca – Vamos para o Flor do Maracujá para

ganhar o título, desenvolvendo o tema; SABEDORIA POPULAR. Vamos explorar a sabedoria que Deus nos deu, falando de rezadeira, curandeira, parteira, danças e costumes, é a verdadeira Cultura Popular.

Zk – Quem é a dona Francisca?

Francisca – Meu nome é Francisca da Silva de Souza natural de Cruzeiro do Sul (AC). Estou aqui em Rondônia há 34 anos. Logo que casei em Cruzeiro meu esposo achou de vir em busca de dias melhores, já que aqui estava no auge do garimpo, apesar de ele nunca ter trabalhado no garimpo, isso foi em 1986. Moramos na mineração Jacundá e depois viemos em definitivo para Porto Velho. Só aqui no Caladinho já temos 32 anos.

Zk – Antes de se envolver com o movimento folclórico a senhora fazia o que?

Francisca – Participava das ações da igreja católica, cheguei a ser Ministra da Palavra, era da Pastoral, trabalhava com grupos de idosos. Cheguei a militar em Partidos Políticos, depois me decepcionei. Nunca fui candidata, era apenas militante, trabalhei por quatro anos com o deputado federal Eduardo Valverde. Fiquei trabalhando com grupos de idosos durante uns sete anos, porém, a gente não tinha espaço próprio a gente se reunia no salão da igreja (Capela de Santo Antônio – no Caladinho) e o pároco não gostava porque a gente agregava idoso de todas as religiões, inclusive da Umbanda.

Zk – Como foi sua infância em Cruzeiro do Sul?

Francisca – Foi igual a de todas as crianças dos anos de 1960. Eu nasci em 1965 filha de mãe solteira. Minha mãe foi uma guerreira, pois enfrentou tudo inclusive, aqueles que a aconselhavam a abortar, dizendo que ela não teria condições de manter uma criança e mesmo assim, ela jamais desistiu da gravidez da qual eu nasci, ela morreu aos 75 anos. Teve mais 8 filhos depois de mim. Passamos por muitas dificuldades e vencemos graças a Deus. Estudei lá em Cruzeiro, mas, terminei o ensino Médio aqui em Porto Velho em 2001 no Colégio João Bento.

Zk – E o amor pelo folclore?

Francisca – Isso vem desde a infância. Lá em Cruzeiro do Sul tinha a dança, só que eles não chamam de Quadrilha e sim de Dança Caipira. Existia dois grupos: O Vermelho e o Azul e eu cheguei a ser Rainha do Grupo Azul, isso em 1988/89 quer dizer, aprendi a gostar da dança de quadrilha desde lá. Meu filho mais velho o Cleberson que está com 38 anos, foi Caçador da Flor da Primavera e minha filha mais nova Beatriz é a Noiva da Quadrilha a do meio Aline só acompanha. Inclusive, foi a Beatriz que me fez assumir essa Quadrilha, pois, mesmo eu gostando, não tinha coragem de me envolver muito e ela insistiu tanto que assumi em substituição ao seu Antônio José.

Zk – Qual a história da Flor da Primavera?

Francisca – A Flor da Primavera nasceu em 1986, assim contam os fundadores liderados pelo Antônio José uma família que veio do Maranhão que ao chegar aqui junto com sua mãe e demais familiares, resolveu criar o grupo para preservar os costumes de sua terra natal. Em 1988 ela foi campeã no Flor do Maracujá. Ele ficou a frente do grupo por 27 anos e acho que cansou, até porque, resolveu voltar pro Maranhão e então o sobrinho dele que é o nosso Lampião o Marques Henrique chegou pra mim e disse, “Não vamos deixar a Flor da Primavera Morrer porque ela é tradição aqui na Zona Sul”. Em 2014 resolvemos tomar a frente do grupo. Quando assumi a Quadrilha estava bem desacreditada.

Zk – Como é dirigir tanta gente?

Francisca – Não é muito fácil não, a gente quando ver, um grupo dizendo que vai colocar uma Quadrilha pra disputar no grupo de Acesso pensa logo nas dificuldades que eles vão ter que enfrentar, é difícil manter um grupo. A primeira coisa que acontece, é não ter mais tempo suficiente para sua família, na realidade, o grupo passa a fazer parte da sua família e os quatro meses de ensaio que a gente faz, a nossa casa deixa de ser nossa, passar a ser Casa e Barracão. Acho que a única quadrilha que tem barracão é a Rádio Farol. A casa de todo presidente de quadrilha é invadida e durante os meses de preparativos não se tem mais privacidade.

Zk – E haja despesa?

Francisca – Pois é, a gente vai gastando, vai gastando e o triste, é quando a gente ver as pessoas falando que ficamos com o dinheiro do grupo. É gratificante quando você ver aquela juventude que estava ociosa indo pra casa dormir feliz e não ficar mais na rua fazendo o que não deve. Os grupos  folclóricos congregam pessoas de todos os níveis sociais, tem os que estudam, inclusive fazem faculdade, tem os que trabalham e tem os que não trabalham, mas, que durante o período das festas juninas, que vai de março até o final de agosto são todos da mesma condição social. Num grupo ou pelo menos na Flor da Primavera, ninguém é melhor que ninguém, todos se respeitam.

Zk – Quem é o responsável pela criação do tema, figurinos e coreografia?

Francisca – A coreografia é desenvolvida pelo Roni Cleiton que está com a gente desde 2016, quando é época de quadrilha ele praticamente se muda pra cá pra casa. O tema a gente pesquisa junto, diretoria com coreografo e tem o Marques Henrique que pesquisa as músicas e monta; temos muito que gradecer o Silvio Santos que fez uma música muito bonita homenageando a Rainha da Zona Sul.

Zk – A Flor da Primavera já foi campeã em quais arraiais?

Francisca – No Flor do Maracujá, Flor de Cacto, Campeã no Arraial do Esperança (Comunidade no Sertão), Vice campeã no Arraial da Amizade e no Arraial do Candeias ano passado. Hoje nossa quadrilha é considerada uma das grandes do Flor do Maracujá sempre nos apresentamos brigando pelo título. que se Deus quiser vem este ano de novo.

Zk – A Flor da Primavera não é de colocar alegorias em suas apresentações no Flor do Maracujá. Por que?

Francisca – Realmente, não fazemos questão em colocar grandes alegorias, porque não temos barracão e eu não faço questão nenhuma de estar sujando as ruas com restos de alegorias. Temos muita preocupação com o meio ambiente.

Zk – Sabemos que faz muito tempo que o governo não repassa recursos financeiros para os grupos folclóricos. Como é que se faz para manter um grupo financeiramente?

Francisca – É uma corrida contra o tempo. A gente começa fazendo Din Din pra vender na quadra, faz rifa, faz frango assado e tudo que da pra arrecadar a gente vai fazendo e tem os amigos que colaboram também. Voltando a falar sobre o figurino! Nosso figurinista é o João Paulo que cria e costura, na costura também temos as nossas vizinhas dona Raimunda e a Socorro e minha irmã Artemísia que fica junto com o João Paulo e eu que de vez em quando costuro. O principal mesmo, é o João Paulo.

Zk – Por falar nisso, quanto um grupo como A Flor da Primavera chega a investir para chegar no Flor do Maracujá?

Francisca – Olha, não é pouco não, posso dizer que ultrapassa os R$ 35 Mil e isso porque a gente recicla muito. Os que colocam grandes alegorias ultrapassam os R$ 50 Mil.

Zk – Qual sua mensagem para as MULHERES que militam no mundo folclórico?

Francisca – Olha, as mulheres envolvidas com grupos folclóricos são verdadeiras guerreiras, pois a maioria  cuida de filho, de marido de casa e ainda tira um tempo para estar no folclore, principalmente nas quadrilhas, porque hoje na sociedade, as quadrilhas são discriminadas, eles olham assim para as quadrilhas juninas como se fosse um bando  que não tem o que fazer, isso é triste porque são jovens que estão começando na vida e os que discriminam, esquecem que eles também já foram jovens. É preciso mais consideração dessas pessoas para com aqueles que fazem parte dos grupos de quadrilhas juninas. Para minhas amigas as MULHERES que não desistam, somos e seremos sempre fortes para enfrentar toda e qualquer dificuldade que a vida nos proporciona. MULHERES são guerreiras! Salve a MULHER folclorista!