JUDICIÁRIO Justiça de eleitoral Rondônia vê abuso em operação da PF e invalida provas obtidas na casa de ex-prefeito Publicada em 20/08/2021 às 14:24 Por 5 votos a 1, o Pleno do Tribunal Regional Eleitoral acatou o pedido dos advogados do ex-prefeito de Guajará-Mirim, Antônio Bento, e de sua esposa, a prefeita Raíssa Bento, anulando as provas obtidas pela Polícia Federal, na residência do casal, na campanha eleitoral de 2020. As provas agora deverão ser desentranhadas do inquérito, mantendo-se inalteradas as demais provas recolhidas nas buscas realizadas pela operação policial em outros locais da operação. Segundo os juízes eleitorais, a diligência previa a busca e a apreensão apenas no escritório de Antônio Bento, e não na residência. Na ação, o ex-prefeito pediu a anulação de todas as provas coletadas na operação e acusa os federais de abuso policial. A operação visava a coleta de provas contra Raíssa Bento por abuso de poder econômico nas eleições em que ela acabou se elegendo prefeita da cidade. Segundo o relator do processo, juiz federal Marcel Stival, a operação policial foi realizada dia 14 de novembro de 2014, em decorrência de investigações da Polícia Federal que “indicam a ocorrência de atos com potencialidade para ter causado o desequilíbrio daquele pleito municipal, consistente na distribuição gratuita de combustível e gás de cozinha como forma de arregimentar eleitores e simpatizantes da candidata à prefeitura de Guajará Mirim”. CONFIRA: TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE RONDÔNIA ACÓRDÃO N.137/2021 RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA PJe n. 0600947-83.2020.6.22.0001- GUAJARÁ-MIRIM/RO Relator: Juiz Marcelo Stival Recorrente: Antônio Bento do Nascimento Advogado: Marlúcio Lima Paes – OAB/RO n. 9904 Advogado: Antônio Bento do Nascimento – OAB/RO n. 5544 Advogado: Francis Hency Oliveira Almeida de Lucena – OAB/RO n. 11026 Recorrente: Raíssa da Silva Paes Advogado: Marlúcio Lima Paes – OAB/RO n. 9904 Advogado: Antônio Bento do Nascimento – OAB/RO n. 5544 Advogado: Francis Hency Oliveira Almeida de Lucena – OAB/RO n. 11026 Advogada: Divanilce de Sousa Andrade – OAB/RO n. 8835 Recorrente: Movimento Democrático Brasileiro de Guajará-Mirim Advogado: Marlúcio Lima Paes – OAB/RO n. 9904 Advogado: Antônio Bento do Nascimento – OAB/RO n. 5544 Advogado: Francis Hency Oliveira Almeida de Lucena – OAB/RO n. 11026 Recorrida: Delegacia da Polícia Federal em Guajará-Mirim Eleições 2020. Recurso em Mandado de Segurança. Busca e apreensão. Diligência. Residência. Ilegalidade. Ilicitude das provas obtidas. Desentranhamento. Inquérito. Escritório de Advocacia. Possibilidade. Partícipe dos fatos. Falta de discrição. Ausência. Não trancamento. Inalteradas as demais provas recolhidas. Prosseguimento das investigações. Ordem parcialmente concedida. I. A diligência de busca e apreensão em uma residência não indicada no mandado judicial a pretexto de obter provas para uma investigação apresenta caráter de ilegalidade em sua execução, descumprindo os limites contidos na ordem judicial, os quais obedecem ao comando constitucional. II. Quanto à realização de busca e apreensão no escritório do advogado, partícipe dos fatos, sem a presença de representante da Ordem no acompanhamento da operação, deve-se considerar, primeiramente, que a jurisprudência dos Tribunais brasileiros é pacífica no sentido de que o escritório de advocacia não é impenetrável à investigação de crimes, podendo nele haver ingresso para cumprimento de mandado de busca e apreensão, desde que haja decisão fundamentada de magistrado competente e os objetos visados sejam capazes de constituir elemento de corpo de delito nos termos do art. 234, §2º, do Código de Processo Penal (Precedentes do STJ - RMS 27.419/RS). Ostenta, assim, inviolabilidade relativa. III. Não foram alvo de buscas e nem apreendidos nenhum documento ligado a atividade profissional de advocacia do recorrente, apenas documentos relacionados à campanha eleitoral e à atividade do comércio de combustíveis, que foi alvo específico das buscas. Portanto, inaplicável ao caso, a prerrogativa do § 6º, do art. 7º, da Lei n. 8.906/94, porquanto o causídico foi alvo da medida coercitiva não na condição de advogado e no exercício dela, mas de partícipe dos fatos. IV. Havendo apenas matéria jornalística não está caracterizada a falta de discrição da ação da polícia judiciária. V. Ordem parcialmente concedida apenas para reconhecer a nulidade do procedimento de busca e apreensão no que se refere à diligência no endereço residencial dos recorrentes e, por conseguinte, declarar nulos todos os elementos de informação obtidos por meio dessa medida naquela moradia, devendo ser desentranhadas do inquérito, mantendo-se inalteradas as demais provas recolhidas e preservada a possibilidade de prosseguimento das investigações ou da ação penal, se já iniciada, quanto ao resultado das demais buscas realizada pela operação policial. ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia em conhecer do recurso nos termos do voto do relator, por maioria, vencido Juiz João Luiz Rolim Sampaio e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do relator, à unanimidade. Porto Velho, 27 de julho de 2021. Assinado de forma digital por: Juiz MARCELO STIVAL Relator RELATÓRIO O SENHOR JUIZ MARCELO STIVAL: Trata-se de recurso em mandado de segurança interposto por ANTÔNIO BENTO DO NASCIMENTO, RAISSA DA SILVA PAES e pelo partido político MDB – MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Zona Eleitoral de Guajará-Mirim/RO que indeferiu a petição inicial de mandado de segurança impetrado pelos recorrentes em face de ato supostamente ilegal e abusivo praticado pelo Delegado de Polícia Federal Luiz Henrique Correa da Silveira, ao cumprir ordem de busca e apreensão expedido por aquele juízo (id. 4735637). O juízo a quo entendeu que as argumentações e documentos trazidos aos autos pelos impetrantes não foram suficientes para a constatação do direito invocado, especialmente porque exigem maior dilação probatória, incompatível com o rito do mandado de segurança, além de constatar que o objetivo dos requerentes é, ainda que por via reflexa, anular a decisão judicial que determinou a busca e apreensão e, com isso, invalidar eventuais provas coletadas. Narram os recorrentes que a Autoridade Policial acima indicada agiu com abuso de autoridade ao dar cumprimento à decisão judicial de busca e apreensão em procedimento que trata sobre suposta prática de abuso de poder econômico pela então candidata Raíssa da Silva Paes e outros durante a campanha eleitoral naquele município. Aduziram, no mérito, a existência de direito líquido e certo a ser amparado na via do mandado de segurança. Requereram, liminarmente, a suspensão dos atos de investigação decorrentes da busca e apreensão, bem ainda a devolução e restituição de todos os bens e documentos apreendidos. Afirmam que houve violação ao direito líquido e certo a um devido processo legal no cumprimento de mandado de busca e apreensão porquanto apontam que na decisão não houve autorização para busca domiciliar. Informam que os policiais teriam adentrado a residência dos requerentes Antônio Bento do Nascimento e Raissa da Silva Paes, inclusive causando dano material à porta de acesso. Sustentam que não foi observado o art. 7º, § 6º da Lei n. 8.906/94 – Estatuto da Advocacia, em razão da ausência de representante da Ordem no acompanhamento do cumprimento da busca e apreensão no escritório e na residência do Advogado Antônio Bento do Nascimento. Asseveram que o Juízo sentenciante “equivocou-se ao pensar que o MS era contra ato ou decisão judicial, invocando entendimento sumulado para não apreciar o mérito da ação constitucional. E ainda encampou as ilegalidades, ao decidir que todas as buscas foram cumpridas mediante ordem judicial.” Interpostos embargos de declaração (id. 4735737), o juízo sentenciante não vislumbrou defeito quanto à omissão, contradição ou obscuridade, e não acolheu os embargos (id. 4735787). Em despacho no id. 4760287, este relator determinou a notificação do Delegado de Polícia Federal Luiz Henrique Correa da Silveira para prestar informações, as quais foram apresentadas no id. 5072937, pontuando a regularidade do cumprimento da busca e apreensão determinada pelo Juízo da 1ª Zona Eleitoral de Guajará-Mirim/RO. No id. 6233687, indeferi liminarmente o pedido de tutela de urgência requerida. Vieram aos autos parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, no id. 6846037, manifestando-se pelo não provimento do recurso. É o relatório. VOTO O SENHOR JUIZ MARCELO STIVAL (Relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 1 – PRELIMINARES Os recorrentes sustentam, em preliminares: i) cabimento, competência e tempestividade; ii) aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, do devido processo, da ampla defesa e do acesso à Justiça; iii) omissão – uso da Súmula 267 que impede o manejo de MS contra decisão judicial; iv) exigência de prova absoluta e violação ao princípio da primazia do julgamento de mérito e v) omissão por adotar julgado sem correspondência com o caso e pelo uso de conceito jurídico indeterminado. No entanto, tais matérias imiscuem-se com o mérito recursal, pois o objetivo a ser alcançado com o presente recurso é o julgamento do mérito do mandado de segurança, a fim de ser viabilizado o processamento do writ no primeiro grau de jurisdição eleitoral, tendo em vista o indeferimento da petição inicial naquele juízo a quo. Em razão disso, analisarei todos os itens junto ao mérito, e rejeito tais preliminares, de plano. 2 - MÉRITO Cinge a presente impetração a respeito da imputada ilegalidade da busca e apreensão realizada em 14 de novembro de 2020 para instruir eventual ação judicial para responsabilização por abuso de poder econômico praticado durante a campanha eleitoral por Raíssa da Silva Paes, candidata eleita a Prefeita de Guajará-Mirim, juntamente com seu marido Antônio Bento, a Vice-Prefeita eleita Marinice Ganemann, Paulo de Carvalho Gomes e Celestino Lessa de Lima, porquanto teria havido excessos no cumprimento de referida ordem. Os autos do Processo Cautelar n. 06009333-02.2020.6.22.0001 (id. 4734787), em cujo bojo foi decretada a busca e apreensão (id. 4734787), tratam sobre suposta prática de crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE) e de abuso de poder econômico durante a campanha municipal em Guajará-Mirim nas eleições 2020. As investigações da Polícia Federal indicam a ocorrência de atos com potencialidade para ter causado o desequilíbrio daquele pleito municipal, consistente na distribuição gratuita de combustível e gás de cozinha como forma de arregimentar eleitores e simpatizantes da candidata à prefeitura de Guajará Mirim. Apurou-se a prática de atos incompatíveis com a atividade comercial, notadamente o fato de que o combustível era fornecido apenas e tão somente mediante a assinatura do recebedor em “bloco comum” ou, ainda, a entrega de botijas de gás em troca de “pequeno pedaço de papel”, destacando, o Juízo prolator da decisão, que a movimentação de bens e pessoas até então verificada pela investigação preliminar contradizia a prestação de contas parcial apresentada pela candidata, fato que indicaria evasiva de informações à Justiça Eleitoral. Os recorrentes argumentam que (i) na decisão não houve autorização para busca domiciliar; (ii) não foi observado o art. 7º, § 6º da Lei n. 8.906/94 – Estatuto da Advocacia, em razão da ausência de representante da Ordem no acompanhamento do cumprimento da busca e apreensão no escritório e na residência do Advogado Antônio Bento do Nascimento; iii) a ordem judicial foi cumprida sem discrição e iv) foram apreendidos documentos que não estão relacionados às finalidades da diligência. É cediço que os direitos fundamentais, insculpidos na nossa Constituição da República, não são absolutos, podendo sofrer limitações em determinadas circunstâncias. Diante disso, no caso em tela, uma das exceções ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio prevista no texto constitucional é a busca domiciliar por determinação judicial, desde que devidamente executada durante o dia (CF, art. 5º, XI c/c art. 240, §1º, CPP). As medidas de busca e apreensão são, portanto, medidas coercitivas institucionalizadas (procedidas pelo próprio Estado) e que, naturalmente, violam direitos constitucionais, mas dentro dos próprios limites impostos pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional. E por ferirem a liberdade individual do investigado (ou acusado), o emprego há de ser procedido com especial cuidado, devendo a autoridade violar o menos possível os direitos do indivíduo, no momento do cumprimento da diligência; nada além do necessário para alcançar os fins perseguidos na instrução penal. Afirmam os requerentes que houve violação ao direito líquido e certo a um devido procedimento legal para cumprimento de mandado de busca e apreensão porquanto apontam que na decisão não houve autorização para busca domiciliar. Conforme verifica-se da decisão de busca e apreensão (id. 4734787), constam elencados as pessoas e os locais, todos estabelecimentos comerciais, onde deveria ser realizado o ato. Denota-se, portanto, que em nenhum momento consta expresso a ordem de busca domiciliar na residência dos investigados, cito à Av. Princesa Isabel, 2518, Bairro Santa Luzia, conforme foi informado como sendo o endereço residencial deles nos ids. 4735037, 4735137 e 4735237. Nas informações advindas do Superintendente da Polícia Federal em Guajará-Mirim nada foi mencionado quanto a busca e apreensão realizada no domicílio das pessoas físicas ora recorrentes. Por ser a casa, nos termos de preceito constitucional, o “asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI, da CF), somente nas hipóteses expressamente previstas em lei se admite exceção a tal princípio. Como exceções ao princípio geral, permite-se o ingresso na casa de alguém: 1) a qualquer hora, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestação de socorro; 2) fora de tais hipóteses, somente por meio de mandado judicial e durante o dia. O Código de Processo Penal disciplina a matéria a partir do art. 240, cujo parágrafo primeiro autoriza a busca domiciliar para: a) prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção. Tão importante quanto o dispositivo que elenca, em rol exemplificativo, os possíveis fundamentos para busca e apreensão, o art. 243 do CPP disciplina a forma sob a qual deve ser realizada a diligência, principalmente no ponto em que nos interessa, o inciso I, em que o mandado judicial deve “indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador”, não se admitindo o mandado genérico. O relatório de cumprimento de diligência, juntado no id. 4735537, fls. 47/51, está descrito toda a execução do procedimento policial, aparentemente, tendo cumprido todas as formalidades legais. No entanto, por constar expressamente que a finalidade era “cumprir mandado judicial no local de residência da Sra. Raissa da Silva Paes”, e ainda, que não houve autorização dos proprietários para a entrada dos policiais, tendo em vista a informação de que foi efetuada uma “entrada forçada na residência”, a diligência está contaminada pelo vício da ilegalidade desde seu nascedouro, porquanto tal local, à evidência, não constava no mandado judicial. Portanto, adentrar em uma residência não indicada no mandado de busca e apreensão a pretexto de obter provas para uma investigação apresenta caráter de ilegalidade em sua execução, descumprindo os limites contidos na ordem judicial, os quais obedecem ao comando constitucional. O procedimento executado nestes autos contraria a disposição legal que exige precisão no mandado de busca e apreensão, conforme tem entendido a jurisprudência dos tribunais deste país: 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (STF. RE 603616, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016) (grifei) Penal e Processual Penal. 2. Busca e apreensão em local distinto do definido no mandado judicial. 3. Autorização de meio de investigação em endereços de pessoa jurídica, mas o ato foi realizado na casa de pessoas físicas não elencadas no rol. 4. Ilegalidade que impõe o reconhecimento da ilicitude da prova. 5. Ordem concedida para declarar a ilicitude dos elementos probatórios obtidos na busca e apreensão realizada no domicílio das pessoas físicas e suas derivadas, nos termos do acórdão. (STF. HC 144159, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 05/02/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-192 DIVULG 31-07-2020 PUBLIC 03-08-2020) (grifei) 5. A exigência de que os juízes e Tribunais observem as decisões do Superior Tribunal de Justiça afasta o requisito do perigo na demora em relação a pedido para fixação de parâmetros constitucionais para a expedição de mandados de busca e apreensão, tendo em vista a manifestação pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido que é “indispensável que o mandado de busca e apreensão tenha objetivo certo e pessoa determinada, não se admitindo ordem judicial genérica e indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência”. (STF. ADPF 635 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-254 DIVULG 20-10-2020 PUBLIC 21-10-2020) Diante disso, em sendo nula a busca e apreensão realizada em residência a qual não estava elencada no mandado judicial, são inválidas as provas obtidas especificamente nesta diligência, devendo ser desentranhadas do inquérito, não tendo cabimento o trancamento da investigação. Quanto à realização de busca e apreensão no escritório do Advogado Antônio Bento do Nascimento sem a presença de representante da Ordem no acompanhamento da operação, deve-se considerar, primeiramente, que a jurisprudência dos Tribunais brasileiros é pacífica no sentido de que o escritório de advocacia não é impenetrável à investigação de crimes, podendo nele haver ingresso para cumprimento de mandado de busca e apreensão, desde que haja decisão fundamentada de magistrado competente e os objetos visados sejam capazes de constituir elemento de corpo de delito nos termos do art. 234, §2º, do Código de Processo Penal (Precedentes do STJ - RMS 27.419/RS). Ostenta, assim, inviolabilidade relativa, consoante inúmeros precedentes, valendo destacar: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CHABU. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA RESIDÊNCIA SEM A PRESENÇA DE REPRESENTANTE DA OAB. ALEGAÇÃO DE INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. INOCORRÊNCIA. INVESTIGAÇÃO DE CRIME NÃO RELACIONADO COM A ATUAÇÃO PROFISSIONAL. ALEGADA GENERALIDADE DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PREVER TODOS OS MATERIAIS QUE SERÃO ENCONTRADOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. A decisão agravada deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. 2. A proteção do art. 7º, II e § 6º, da Lei 8.906/94, se dá em favor da atividade da advocacia e do sigilo na relação com o cliente - não como obstáculo à investigação de crimes pessoais - e estará sempre relacionada ao exercício da advocacia, como compreendeu o Supremo Tribunal Federal na ADI 1.127. (...) (STJ - AgRg no HC: 537017 RS 2019/0295765-4, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 17/12/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2020) A Lei 8.906/94 estabelece a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, o que não abrange sua residência, exceto prova de que exerceria seu trabalho em casa, em regime home office parcial ou total, o que de certo estenderia a abrangência da prerrogativa aos instrumentos de trabalho relativos ao exercício da profissão ali encontrados (art. 7º, II1), mas que para tal afirmação necessitaria de prova, que no caso não vieram aos autos. Por outro lado, na esteira do que afirmou o magistrado de primeiro grau, as fotos constantes nos autos não são suficientes para demonstrar de que existia identificação visível do local como sendo escritório de advocacia. A redação do inciso IV do artigo 7ª da Lei n. 8.906/94 se dá nos seguintes termos quando prevê como prerrogativa profissional: IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB. Em artigo esclarecedor, o Advogado Paulo Silas Filho explica: “O dispositivo não prevê que a OAB pode acompanhar a prisão em flagrante do advogado em todo e qualquer caso, mesmo porque não faria sentido a medida de acompanhamento no caso de um advogado preso por ter brigado num bar, por exemplo. A regra é clara, estando presente no inciso em comento duas situações diferentes em que a OAB poderá ser acionada em situações do tipo. A primeira delas é quando a prisão do advogado se der por motivo ligado à profissão. Tal hipótese se enquadraria no caso de um profissional que receba “voz de prisão” em audiência, por exemplo, por praticar suposto crime enquanto no exercício de sua profissão. Numa situação como essa, a presença de representante da OAB em todos os atos e formalidades da lavratura do auto de prisão em flagrante se trata de uma prerrogativa, sob pena de nulidade. A segunda situação prevista é quando o motivo da prisão não possuir ligação com o exercício profissional. Em todos os casos aqui possíveis, a legislação prevê que o advogado tem o direito de solicitar a comunicação expressa à seccional da OAB, mas nada além disso. O acompanhamento da OAB no ato da prisão em flagrante do advogado, portanto, está atrelado ao exercício profissional do detido. Somente assim a prerrogativa encontra uma justificativa idônea, tratando-se inclusive de medida justa e necessária nas situações que assim exigirem, a fim de que o representante da Ordem possa zelar pela regularidade do ato, observando-se ainda os fatores que ensejaram na ordem de prisão – se devidos de fato.”2 No caso do § 6º, cujo texto tem o seguinte teor: § 6 Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. (Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008) Conforme informou a autoridade policial, não foram alvo de buscas e nem apreendidos nenhum documento ligado a atividade profissional de advocacia do recorrente, apenas documentos relacionados à campanha eleitoral e à atividade do comércio de combustíveis, que foi alvo específico das buscas (id. 5072937). Portanto, inaplicável ao caso, a prerrogativa do § 6º, do art. 7º, da Lei n. 8.906/94, porquanto o Advogado Antônio Bento do Nascimento foi alvo da medida coercitiva não na condição de advogado e no exercício dela, mas de partícipe dos fatos. No que tange à alegação de que a ordem judicial teria sido cumprida sem discrição, tendo em vista um jornal local ter noticiado o fato, não vislumbro a ocorrência de estardalhaço ou “espetáculo”, expondo desnecessariamente os investigados durante o ato de abordagem e apreensão de provas, porquanto não houve aglomeração de pessoas para assistirem à abordagem policial. Apenas havendo a matéria jornalística, no meu entender, não caracteriza a falta de discrição da ação da polícia judiciária. Em verdade, este writ tem por objeto atacar e nulificar a decisão judicial que determinou a busca e apreensão cumprida pela Polícia Federal e, com isso, invalidar eventuais provas coletadas, conforme bem esclareceu o Excelentíssimo Senhor Juiz Paulo Jose do Nascimento Fabrício em decisão já proferida nos autos: "É que, na verdade, ressalta nítido que o objetivo clarificado nos pedidos acima transcritos é, ainda que por via reflexa, atacar e nulificar a decisão judicial que determinou a busca e apreensão cumprida pela Polícia Federal e, com isso, invalidar eventuais provas coletadas. Entretanto, a Súmula 267, do Supremo Tribunal Federal, proíbe a utilização de mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição. Portanto, à míngua de prova pré-constituída que aponte arbitrariedade ou ilegalidade na conduta da autoridade apontada como coatora no cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão, não há como reconhecer qualquer violação a direito líquido e certo dos impetrantes." A Súmula n. 22/TSE, cujo teor corresponde ao Enunciado n. 267 do Supremo Tribunal Federal, “não contraria ou limita a disciplina do mandado de segurança, uma vez que decisões judiciais devem ser impugnadas pelos recursos legalmente previstos, autorizada a utilização do writ nas hipóteses de teratologia, ilegalidade ou abuso de poder em face de direito líquido e certo, tal qual resguarda o art. 5º, LXIX, da Constituição Federal”. (AgR–Reconsid–Pet nº 0600112–47/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 8.10.2019, DJe de 20.5.2020). Certamente, a intenção dos recorrentes é anular provas colhidas pela medida de busca e apreensão decretada judicialmente e cumprida pela Polícia Federal. Posto isso, à exceção do procedimento de busca e apreensão em residência a qual não estava elencada no mandado judicial, pela manifesta ilegalidade do procedimento, o qual deve obedecer aos ditames constitucionais, entendo que não cabe a este juízo a convalidação ou não das provas coletadas, uma vez que a ilicitude da prova deve ser avaliada em juízo competente, perante o qual as provas serão apresentadas para fim específico em ação cabível, sendo limitado a este juízo a análise de legalidade ou ilegalidade da medida. Destarte, não cabe a este juízo valorar a prova no que tange sua ilicitude, pois não se tem conhecimento se será efetivamente utilizada em alguma investigação ou ação judicial. Daí, seria necessário maior aprofundamento sobre o caso concreto, o que não é possível nesta via eleita, já que dependeria do resultado das investigações no juízo competente, bem como proposição de eventual ação criminal. Nesse diapasão, trago julgados do Tribunal Superior Eleitoral: Recurso em mandado de segurança. Investigação judicial eleitoral. Busca e apreensão. Ilegalidade. Não-demonstração. Magistrado. Exercício. Poder de cautela. 1. Não se evidencia a ilegalidade de ato que, em sede de investigação judicial, determina a busca e apreensão de provas a serem carreadas aos autos no intuito de subsidiar o convencimento motivado do julgador. 2. Nega-se provimento a recurso em mandado de segurança que não demonstra a negativa de prestação jurisdicional nem violação a preceito legal. (TSE - RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA nO508, Acórdão de 23/08/2007, Relator(a) Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, Publicação: Dl - Diário de justiça, Data 05/10/2007, Página 133 ) (grifei) Recursos. Mandado de Segurança. Ação Cautelar. Condutas capituladas no art. 41-A (captação ilícita de sufrágio) e no art. 73, § 10, (conduta vedada), ambos da Lei das Eleições. Matéria conexa. Julgamento conjunto das demandas. Eleições 2012. [...] Interposição de recursos dos candidatos e da coligação representada. Requerimento de nulidade da sentença monocrática, ao entendimento de que houve ilegalidade das interceptações telefônicas e demais provas produzidas, de existência de decisão extrapetita, de cerceamento de defesa e de que não houve uso da máquina administrativa. Ajuizada, também, ação cautelar e mandado de segurança. Deferimento do efeito suspensivo ao recurso, o qual garantiu a diplomação dos eleitos e a manutenção no exercício do poder executivo até a deliberação final. Matéria preliminar afastada. Observados os pressupostos legais para a medida interventiva de quebra de sigilo telefônico, com a respectiva abertura de processo administrativo. Aproveitada a interceptação realizada em feito criminal paralelo. Satisfeitos os requisitos do art. 2º, inc. III, da Lei das Interceptações. A natureza das condutas investigadas, as quais não comportam atividade em praça pública e a altos brados, revela que a quebra de sigilo dos meios de comunicação é a ferramenta mais adequada para coleta de provas. Não evidenciado cerceamento de defesa, abuso de poder e constrangimento ilegal. Deferida a busca e apreensão de documentos na prefeitura municipal, haja vista a inicial apontar a cedência de material de construção em troca de voto, por empresa de construção apoiadora do então prefeito. Plausível a apreensão de outros objetos não listados no mandado de busca e apreensão frente à descoberta fortuita ou encontro casual de provas que possam constituir corpo de delito de infração. Excesso de diligência não configurado. Quanto a ilegitimidade passiva dos representados, integram o polo passivo da demanda o candidato e qualquer pessoa que tenha praticado ou concorrido para a prática do ilícito. A coautoria ou a participação torna possível a inclusão de terceiro que não detém a condição de candidato. (TRE-RS. RE - Recurso Eleitoral n 30810 - São José Do Ouro/RS ACÓRDÃO de 23/04/2013. Relator(a) DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 73, Data 25/04/2013, Página 2) Sobre os objetos apreendidos, já foram analisados na decisão liminar. CONCLUSÃO Ante o exposto, voto pelo conhecimento do recurso, e no mérito, pelo parcial provimento, apenas para reconhecer a nulidade do procedimento de busca e apreensão no que se refere à diligência no endereço residencial dos recorrentes ANTÔNIO BENTO DO NASCIMENTO e RAISSA DA SILVA PAES e, por conseguinte, declarar nulos todos os elementos de informação obtidos por meio dessa medida naquela moradia, devendo ser desentranhadas do inquérito, mantendo-se inalteradas as demais provas recolhidas e preservada a possibilidade de prosseguimento das investigações ou da ação penal, se já iniciada, quanto ao resultado das demais buscas realizada pela operação policial. 1. II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008) 2. FILHO, Paulo Silas, Acompanhamento da OAB na prisão em flagrante do advogado, acessado em https://canalcienciascriminais.com.br/acompanhamento-oab-prisao-advogado/ em 25 de fevereiro de 2021. VOTO PRELIMINAR O SENHOR JUIZ FRANCISCO BORGES FERREIRA NETO: Acompanho o voto do relator. VOTO PRELIMINAR O SENHOR JUIZ EDSON BERNARDO ANDRADE REIS: Acompanho o voto do relator. VOTO PRELIMINAR DIVERGENTE O SENHOR JUIZ JOÃO ROLIM SAMPAIO: Mais uma vez com as devidas vênias, entendendo que como o Mandado de Segurança não é de competência originária do Tribunal, o Tribunal não poderia fazer essa prova notificando a autoridade coatora, de maneira que, em sendo indeferida a inicial, eu voto no sentido de não adentrar no mérito e devolver a origem. VOTO PRELIMINAR O SENHOR JUIZ CLÊNIO AMORIM CORRÊA: Acompanho o voto do relator. VOTO PRELIMINAR O SENHOR DESEMBARGADOR ALEXANDRE MIGUEL: Acompanho o voto do relator. EXTRATO DA ATA Recurso Em Mandado de Segurança PJe n. 0600947-83.2020.6.22.0001. Origem: Guajará-Mirim/RO. Relator: Juiz Marcelo Stival. Resumo: Abuso - De Poder Político/Autoridade. Recorrente: Antonio Bento do Nascimento. Advogado: Marlucio Lima Paes – OAB/RO n. 9904. Advogado: Antônio Bento do Nascimento – OAB/RO n. 5544. Advogado: Francis Hency Oliveira Almeida de Lucena – OAB/RO n. 11026. Recorrente: Raissa da Silva Paes. Advogado: Marlucio Lima Paes – OAB/RO n. 9904. Advogado: Antônio Bento do Nascimento – OAB/RO n. 5544. Advogado: Francis Hency Oliveira Almeida de Lucena – OAB/RO n. 11026. Advogada: Divanilce de Sousa Andrade – OAB/RO n. 8835. Recorrente: Movimento Democrático Brasileiro de Guajará-Mirim. Advogado: Marlucio Lima Paes – OAB/RO n. 9904.Advogado: Antônio Bento do Nascimento – OAB/RO n. 5544. Advogado: Francis Hency Oliveira Almeida de Lucena – OAB/RO n. 11026. Recorrido: Delegacia da Polícia Federal em Guajará-Mirim. Decisão: Recurso conhecido, por maioria, nos termos do voto do relator. Vencido o Juiz João Luiz Rolim Sampaio. No mérito, recurso parcialmente provido, nos termos do voto do relator, à unanimidade. Presidência do Senhor Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia. Presentes o Senhor Desembargador Alexandre Miguel e os Senhores Juízes Marcelo Stival, Francisco Borges Ferreira Neto, Edson Bernardo Andrade Reis Neto, João Luiz Rolim Sampaio e Clênio Amorim Corrêa. Procurador Regional Eleitoral, Bruno Rodrigues Chaves. 55ª Sessão ordinária do ano de 2021, realizada no dia 27 de julho. Assinado eletronicamente por: MARCELO STIVAL 18/08/2021 16:21:48 https://pje.tre-ro.jus.br:8443/pje-web/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam ID do documento: 7536087 21080315200715600000007352635 Fonte: Rondoniadinamica Leia Também Premiê do Haiti, Ariel Henry, promete realizar eleições 'o quanto antes' Prefeitura se prepara para iniciar imunização de maiores de 12 anos contra o Coronavírus Grécia constrói muro de 40km para barrar entrada de refugiados Dezessete novos casos de Covid-19 foram confirmados no município no intervalo de 24 horas Unicef: efeitos de mudanças no clima podem afetar 1 bilhão de crianças Twitter Facebook instagram pinterest