Por Rondoniadinamica
Publicada em 28/03/2020 às 10h23
Porto Velho, RO — Durante longo período de sua ainda jovial história, Rondônia ficou conhecido como estado onde a lei não alcançava seus violadores nos rincões mais distantes aos polos periféricos, socialmente falando, e isto em termos de repreensão via justiça; a partir da Operação Dominó, explorada à exaustão pela mídia, incluindo a nacional, essa concepção de impunidade foi mudando aos poucos, paulatinamente.
O conta-gotas de aplicação normativa gerou falsa sensação de isonomia, porquanto, por exemplo, o regramento sacramentado pela edicação do Decreto de Calamidade Pública assinado através das mãos do governador Coronel Marcos Rocha, do PSL, mantém sua validade só no papel. De modo geral, instalou-se a anarquia que, por ora, foi recepcionada de abraços abertos pela turba do Palácio Rio Madeira, e, até que se pronuncie a respeito, também com aval silente do coronel Mauro Ronaldo Flôres Corrêa, comandante-geral da Polícia Militar (PM/RO).
Corrêa, militar competente e reconhecido pelo trabalho contundente, responsável e de resultados práticos, foi mantido na função de mandatário na transição de poder entre o ex-governador Daniel Pereira e o atual, um dos poucos remanescentes em função de estratégia e confiança de lá para cá.
Ronaldo Flôres Corrêa, comandante-geral da Polícia Militar / Divulgação
Logo, levando em conta seu histórico e reputação, precisa dizer à sociedade se o Art. 11 do Decreto nº 24.887/20 -- o diploma legal relacionado à instalação da Calamidade Pública no Estado de Rondônia (com flexibilizações trazidas pelo de número 24.891) --, será cumprido ou não.
A transcrição:
"CAPÍTULO II DAS MEDIDAS EMERGENCIAIS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL [...]
[...] Art. 11 A Polícia Militar fica responsável por desfazer/dispersar aglomerações de pessoas, sendo permitido o uso da força necessária e proporcional para cumprimento do disposto neste Decreto".
Lembrando que o dispostivo específico não foi alterado pelo afrouxamento concebido por Rocha e seu estafe administrativo.
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A questão é que enquanto o Conselho Regional de Medicina (Cremero) trazia projeção preocupante de até 500 mil habitantes com COVID-19 já no início de maio, ou seja, quase um terço da população de Rondônia, a PM/RO escoltava a carreata de empresários e adjacentes em Rolim de Moura, quando, de acordo com a lei, deveria ter dispersado a aglomeração.
A "bomba biológica" deambulante, termo usado pelo prefeito Giorgio Gori, de Bérgamo, na Itália, para designar a partida entre Atalanta e Valencia, jogo válido pela Liga dos Campeões no dia 19 de fevereiro, é visceral para ilustrar a irresponsabilidade tanto de quem empreendeu o movimento, potencial vetor de proporções catastróficas do patógeno, quanto dos que o acompanharam sem aplicar a norma vigente.
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Ao apresentarem projeções "otimistas" e pessimistas, sem aspas, quanto à disseminação do Coronavírus em Rondônia, os pesquisadores Ana Lucia Escobar e Vinícius Ortigosa Nogueira, médicos e conselheiros do Cremero, se embasaram em dados científicos.
As fontes das informações expostas são, entre outras, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Associação Brasileira de Infectologia, o Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Sabará, e artigos internacionais.
A reportagem do G1 a respeito das indicações de Escobar e Ortigosa, sob autoria da jornalista Ana Kézia Gomes, traz, em minúcias, todas as referências de maneira didática e objetiva.
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"NÃO ESTAMOS PREPARADOS"
A fala pontual do pesquisador conflui com a preocupação da comunidade científica em relação à inanição do poder público:
"Estamos observando com muita preocupação a letargia do poder público estadual em prover seguranças e ações efetivas de enfrentamento a pandemia. Os números apresentados são preocupantes e não estamos preparados para eles", disse Vinícius Nogueira.
Com a desinformação em massa decorrente inclusive da postura contraditória dos governantes e das instituições controladas por eles, é difícil entender as publicações oficiais enquanto a realidade aponta situação completamente dissonante.
Na quinta-feira, 26, para se ter uma ideia vaga da questão, o Governo do Estado publicou matéria intitulada:
"Descumprimento do Decreto de calamidade pública em Rondônia pode ser denunciado à polícia".
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Por isso causou estranheza a quem viu o fato de uma guarnição ter acompanhado a marcha negligente na Zona da Mata, pois não se associam vontade de trabalhar nem discussões na seara econômica, ambos pleitos válidos, discutíveis e necessários, com desrespeito aos ditames legais em franco funcionamento, e ignorância voltada àqueles que dão de ombros à vida real. A ignorância, esta traduzida no sentido de liderar e promover concentração de gente represada no trânsito, contrariando todos os alertas apresentados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pode e deve acentuar os números.
Esse anarquismo pontual respaldado pela omissão das autoridades competentes, e isso não inclui apenas o Comando-Geral da PM/RO, mas também o Ministério Público (MP/RO), hoje comandado pelo procurador-geral de Justiça Aluildo de Oliveira Leite, precisa ser freado o quanto antes.
Lembrando que a projeção mais pessimista do Cremero, aquela de um terço da população infectada, não quer dizer, necessariamente, que haverá manifestação sintomática na maioria; significa, de antemão, que o contágio é perigoso, acelerado, e, lá pelas tantas, caberá à sorte de cada um dos acometidos desenvolver ou não o quadro agudo da enfermidade.
A Calamidade Pública deflagrada pelo governo Marcos Rocha completou neste sábado apenas 7 dias de aplicabilidade, metade da projeção inicial, enquanto os profissionais ainda tateiam o problema no escuro.
Ficam as perguntas: ainda existe lei aqui? E os órgãos que a fiscalizam, estão pelos rondonienses?
Bem, enquanto os questionamentos são respondidos, ou não, pode acontecer, no Rio de Janeiro um deputado estadual foi preso por participar de uma farra, desobedecendo a determinação do poder público.
POR FIM
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E aí é saber se Rondônia agirá como Estado sob a rédea de um estadista, composto por sociedade consciente, ou, em panorama diverso, dormirá em berço esplêndido na condição de currutela povoada de apedeutas e regida por um mazorqueiro. É com vocês.