![Opinião - Que seja logo por; Adriel Diniz](/uploads/0vy9ar8dlzo0pu0.jpg)
Por Adriel Diniz
Publicada em 24/03/2020 às 09h15
São nessas horas que descobrimos que não somos feitos de aço. Do olhar rijo e sem tempo que passa pelas paisagens remotas da cidade labirinto, convertem-se lágrima e suor. Vivemos numa guerra, cujos frontes de batalha estão ensimesmados em cada soldado. Suas armas? A mente e a fé. Pensamentos que vão e se soltam pela cabeça como se tudo estivesse girando, sem parada para que os desavisados possam descer.
Pelas telas e 'teletelas' vão se descobrindo as faces e facetas de pessoas cujo senso de solidariedade e humanismo estão doentes. Não se afeiçoe à praticidade de encarar a morte e a dor que se espalham pelo globo. Não se admita pensar que seu carrinho de mercado lotado de comida irá alimentar a sanha do egoísmo e livrar a si e aos seus do desastre da falta de empatia.
Vamos colher as flores que brotam nesse matagal de incertezas. Aparem as arestas desinformadas, as teorias e contra teorias. Depois que a chuva passar vamos discutir quem deixou a janela aberta, mas agora não, por favor, não! Agora precisamos amar. Dar amor a quem conhecemos e a quem nunca veremos.
Precisamos cantar nas janelas de nossas almas para ter a esperança contagiante de volta ao olhar das crianças. Vamos dar as mãos, simbolicamente, para que ninguém se perca na solidão e na solidez desses dias. Que não nos falte a coragem de rezar para que tudo se amaine. Que nos sobre a razão para encontrar sobriedade nesse mundo embebido de pavor e ódio.
Largue um pouco o celular e segure-se a si mesmo. Curta cada pedaço de si e encontre fortaleza na estreiteza de viver sob o julgo de um inimigo voraz e traiçoeiro, que leva as vidas e destrói a paz dos que sobrevivem. Como anúncio de uma trombeta terminal, espalham pelos celulares a desordem, o humor-negro, o zombar de si e da desgraça. É nossa natureza brasileira desesperada para sorrir.
O que os memes não mostram é que cada sorriso despenteado pelo vento de más notícias, guarda no canto dos lábios a incerteza de quando tudo isso vai passar. Se vai passar.
Não sou cientista, médico ou enfermeiro. Não tenho dinheiro para comprar o que precisa para todos. Mas tenho sonhos e amor os quais lhes ofereço. Tenho medo também. Precisamos partilhar tudo que nos sobra. E isso que se aperta no peito não é só a tristeza de ter que parar, é a incerteza de não saber como volta, se volta, quando será?
Somos feitos daquilo que acreditamos.
Por isso eu vejo o dia feliz em que as pessoas sairão de seus casulos como borboletas que se tocam nas praias, à beira dos rios. Sairão como crianças e as crianças, incrédulas, verão os meninos saírem de dentro dos pais para sorrir de si e abraçar a vida. Cada segundo dos dias de guerra são contados com batidas de coração. E aí, quando pudermos ver no olhar do médico a tranquilidade que remedia o desespero, estaremos curados do mal que já existia em sigilo em cada um de nós.
Vamos nos espalhar pelos cantos vadios das cidades silentes. Entraremos de mãos dadas, numa ostentação de toques e retoques de amor. Sentaremos sobre esse passado vivido para contar histórias do tempo em que a Terra parou, entre um gole e outro cerveja e bem querer. Estaremos mais fortes, sem dúvida, mas sem a couraça de aço que nos vestimos para encarar essa vida louca, que parece sem sentido quando olhada de dentro de casa, nos dias de quarentena.
E a saudade de quem não se foi será convertida numa medalha desbotada no peito dos que foram imolados pela doença e daqueles que padeceram da falta de amor. Estaremos deitados sob as estrelas do tempo, como que a adivinhar as horas, de modo bem preguiçoso. Vamos sorrir dos medos e ter histórias para anos e anos de encontros de família. No trabalho vamos dar valor dobrado à ajuda que o colega do lado pode dar. Não voltaremos a ser o que éramos, porque toda pausa faz o coração se acalmar. Que seja logo. Que seja logo.
Adriel Diniz é jornalista.