Por Globoesporte.com
Publicada em 18/04/2020 às 10h13
A fama de dificilmente deixar uma oportunidade passar sem aproveitá-la quase custou a visão a Michael Bisping. O ex-campeão dos pesos-médios do UFC, que já havia sofrido um descolamento de retina na derrota por nocaute para Vitor Belfort em São Paulo, em 2013, acabando por perder o olho direito (o ex-lutador usa uma prótese de vidro no local) por muito pouco não perdeu a visão do outro olho após o nocaute sofrido diante de Kelvin Gastelum em 2017. Em entrevista ao site "Submission Radio", o inglês contou detalhes e como percebeu que estava começando a ter problemas no "olho bom".
- Eu lutei contra Georges St-Pierre. Perdi a luta, e ele sabia que eu era cego de um olho, tanto que desferiu muitos golpes ali. Depois, voei para Xangai duas semanas depois para enfrentar Kelvin Gastelum. Fui nocauteado, e achei que tinha tido uma bela carreira. Mas, na festa pós-evento, eu estava sentado na boate, e a cada vez que eu olhava para a esquerda, via um flash de luz. Eu não sabia o que era aquilo. Olhei de novo, e novamente veio o flash. Toda vez que olhava para a esquerda o flash aparecia. Comecei a entrar em pânico. "Não acredito nisso. Descolei a retina do meu olho bom." Comecei a ter vontade de chorar na boate. Tomei mais alguns drinques e pensei. "Que m***! Vou ficar cego."
Bisping, que sempre mostrou bom humor, mesmo que as vezes recorrendo a tiradas ácidas, disse que consultou-se com seu oftalmologista assim que retornou da China, e disse que, mesmo muito preocupado com o que lhe aconteceria, brincou com o médico sobre a sua condição. Diante do diagnóstico de que seu olho estava sob risco, no entanto, decidiu aposentar-se.
- O voo de volta para Los Angeles era muito longo, e acordei durante a viagem e olhei para a esquerda. Lá estava o flash. Eu havia esquecido completamente dele... Quando desembarquei, liguei imediatamente para o meu oftalmologista, e ele me disse que precisava de um exame imediato. Fui até o seu consultório e disse que achava que a minha retina tinha descolado. Ele me examinou e avisou que pingaria um colírio e que eu ficaria sem conseguir ver nada por algum tempo. Sempre que eu fico preocupado com alguma coisa, eu mascaro a preocupação brincando. Respondi: "É bom eu ir me acostumando, certo?" O médico me disse que ainda não era esse o caso. E eu respondi: "Ainda não?? Meu Deus!" Eu estava em pânico. Resumindo, tive um deslocamento vítreo. O fluido vítreo e milhões de fibras conectam a íris à retina. Conforme vamos envelhecendo, eles se separam. Por ser lutador, a conexão havia sido danificada pela quantidade de traumas que a região sofreu durante a minha carreira. Por isso a retina havia descolado. Os flashes de luz foram as fibras deixando a retina. Ali eu decidi me aposentar. Não queria ficar cego.
O inglês também revelou que não estava nas melhores condições para lutar após a derrota para Georges St-Pierre, e que a sua maior motivação para voar para a China e subir novamente no octógono duas semanas depois foi uma só: dinheiro. Mesmo assim, o ex-campeão se arrepende de ter aceitado a luta.
- Anderson Silva havia caído no exame antidoping e Kelvin Gastelum precisava de um novo adversário. Eu havia treinado muito para a luta contra St-Pierre, e pensei: "Dane-se. Vou voar para lá e ganhar mais dinheiro." E fui. Mas dinheiro é uma coisa, e legado é outra. Não se compra um legado. Me arrependo de ter ido para a luta contra Gastelum. Eu não tinha nada o que fazer lá. Eu havia entrado em "overtraining" para a luta contra GSP, e não me preparei nada para enfrentar Kelvin. Descansei por um tempo e voei para a China com meus companheiros. Ele estava treinando para a luta da sua vida, e eu havia sido finalizado duas semanas antes. As condições não eram boas. Mas havia muito dinheiro na mesa, e eu sabia que estava no fim da carreira. Foi por isso que aceitei lutar, para dar uma vida melhor para a minha família. Não vou revelar os valores, mas era muito dinheiro. Decidi ir lá para embolsar essa grana absurda.
Ter a visão prejudicada desde 2013, segundo Bisping, tornou a sua carreira muito mais difícil, mas acabou fazendo com que ele percebesse que deveria buscar outras formas de trabalho, já que era evidente que a sua vida como atleta não duraria muito mais.
- Certamente isso impactou muito a minha carreira. Minha percepção de profundidade é inexistente. As pessoas sempre perguntam como eu lutava com apenas um olho, e eu sempre dou a mesma resposta: "Com muita dificuldade." Porque era mesmo muito difícil. Na verdade, pode ter sido uma bênção disfarçada, porque eu tive todos esses problemas em 2013, quando tudo isso começou a acontecer, e passei a perceber que não tinha mais muito tempo de carreira. Comecei a pensar em ter um meio de sobreviver fora do octógono, porque lutava sempre no modo "tudo ou nada". A qualquer momento eu poderia ter a minha licença para lutar revogada. Eu tinha que abrir portas. Comecei a trabalhar como comentarista, criei meu podcast, iniciei uma carreira de ator... fiz todo tipo de negócios em que pudesse me envolver fora do octógono. Não era o ideal - eu gostaria de ter dois olhos perfeitos - mas é como dizem por aí: nenhum problema é insolúvel.