Por Geovani Berno
Publicada em 22/04/2020 às 08h50
Lembro-me do desejo em continuar a fazer teatro após uma rápida experiência na escola primária, em Santa Maria (RS) com a atriz Marilu Marin (in memorian) enquanto cursava a 8ª série do Instituto de Educação Olavo Bilac. O ano era 1985. Então já cursando o antigo 2º Grau na Escola Cilon Rosa veio o convite para fazer o curso de iniciação teatral do Grupo Presença, à época um renomado grupo comandado pelo meu querido Pedro Freire Junior (in memorian).
Fiz o curso e ingressei no grupo. Tinha tenros 15 anos quando fiz minha primeira apresentação em teatro adulto, para mim, à época, uma imensa responsabilidade. Especialmente por estarmos em um processo de transição, pois estávamos saindo de 20 anos de ditadura militar e entrando na redemocratização. Como havia até então vivido em uma família extremamente conservadora, passei alheio a minha infância e início da adolescência por este período ditatorial.
No entanto, ao ingressar em grupo comandado por uma pessoa extremamente politizada e que havia sido preso por duas vezes durante o regime, você começa a ver o mundo por outro prisma, por outra realidade. Aos quinze anos passei pela experiência de me apresentar para um censor da Polícia Federal (creia, uma figura sisuda, séria) que à véspera da estreia nos diria se podíamos ou não apresentar e qual a faixa etária recomendada. Após, era expedido um certificado de liberação, que deveria estar exposto à entrada juntamente com um cartaz com a faixa indicativa de idade.
Meu primeiro espetáculo foi uma provocação do Pedro ao sistema. Ele montou nada mais nada menos que “Moço em estado de sítio”, do Oduvaldo Viana Filho. Peça que já havia sido censurada pelo sistema. A segunda? “Eles não usam Black-tie” do Gianfrancesco Guarnieri. Ou seja, comecei bem. E com a politização iminente em um país que se preparava para a transição, elegia um presidente por via indireta e em breve reformularia uma Constituição, que seria chamada pelo grande Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã.
Para meu espanto, 35 anos após tantas conquistas, tantas lutas e vitórias, o povo brasileiro se vê, estarrecido, à possível iminência de uma volta ao passado, de um retrocesso cívico imenso, que é justamente se ver privado de suas liberdades constitucionais. Sinceramente, não consigo vislumbrar o país dando este passo para trás. Enquanto o mundo se livra de ditadores e opressores do povo, aqui se quer a volta ao passado. E o pior, a pedido de uma parcela considerável da população.
O que considero pior nisso tudo é que o próprio povo que deseja isso, até pouco tempo atrás pedia a saída de um governo que “namorava” com ditadores, investia em países comandados por governantes autoritários e que pela opressão se perpetuavam no poder. Por isso fica difícil entender esta parcela da população.
Pela ótica dessas pessoas, em governos militares não há corrupção (o que não está provado, pois quem seria louco de denunciar algo?). Ora senhores, se o problema é este, temos o sistema democrático e de direito que inibe tais práticas e se alguém for comprovadamente corrupto, responderá criminalmente por seus atos. É pelo voto e pela vontade popular que se modificam as coisas, mas nunca pelos retrocessos em conquistas adquiridas. Só se mexe se for para melhorar a vida de todos, o que não se justifica os pedidos de fechamento de Congresso (Câmara e Senado) e Superior Tribunal Federal.
Por isso conclamo a todos para pensarmos um país melhor, mas pelas vias democráticas. Nosso país não aguenta mais a derrubada de governantes por pensar diferente. Se o atual está ruim, que se critique, que se peça impedimento, mas tudo pelas vias legais, constitucionais. Sem golpes. E mais, a quem pede o retorno do AI-5, está no mínimo mal informado, pois foram editados 17 Atos Institucionais no país e (Deus nos defenda que não ocorra mais) se outro for publicado, será o AI-18.
Por isso, meu queridos amigos, quero continuar a produzir meus espetáculos, minhas propagandas, meus conteúdos sociais sem precisar passar pelo crivo moral e de pensamento de uma pessoa do “sistema” carregada de pré-conceitos, preconceitos e sabe-se mais lá o quê? Afinal, não vivemos, ainda, na visão do “Grande irmão” a nos espionar. Não podemos querer lutar por um país em que tenhamos um futuro melhor desejando voltar ao passado.
* Geovani Berno é Jornalista (DRT 1305-RO)