Por RFI
Publicada em 10/06/2020 às 15h24
Um escândalo na gestão da crise da Covid-19 em asilos de Madri põe em risco o governo da capital espanhola. Um protocolo determinado pelo governo regional impedia a transferência de idosos suspeitos de terem o coronavírus para os hospitais no momento mais crítico da pandemia. Uma discriminação que os condenava a uma morte quase certa.
O escândalo veio à tona com o vazamento de e-mails publicados pelo jornal "El País". As mensagens revelam que o governo regional ordenou protocolos para asilos e hospitais que excluíam idosos do atendimento hospitalar.
Entre os “critérios de exclusão”, alguns estavam relacionados ao nível de dependência ou demência senil das pessoas mais velhas.
O secretário das Políticas Sociais da região, Alberto Reyero do partido Ciudadanos, alertou o colega da pasta da Saúde, Enrique Ruiz Escudero do Partido Popular, da possibilidade de muitos idosos morrerem “em condições indignas” em casa de repouso durante o pico da pandemia.
Ele alertou também que “haveria discriminação com sérias consequências legais” se os protocolos incluíssem a negação de ajuda a pessoas com deficiência de qualquer idade.
Apesar da Presidente do governo da região de Madri, Isabel Díaz Ayuso, admitir que essas instruções foram remetidas por erro, os documentos enviados em março aos asilos e hospitais mostram que os protocolos para manter pacientes com coronavírus nas residências existiam e foram aplicados "para evitar o colapso do serviço de saúde de Madri".
A ordem de não transferir idosos para hospitais desencadeou uma investigação judicial promovida pelos familiares dos falecidos e associações que exigem que o governo de Madri seja responsabilizado criminalmente.
De acordo com os familiares, a denúncia foi registrada pelos supostos crimes de homicídio culposo, omissão do dever de ajudar, prevaricação e tratamento degradante, entre outros. A denúncia já está no Supremo Tribunal da Espanha.
Covid-19 afetou principalmente os idosos da capital espanhola
De acordo com dados da Secretaria de Políticas Sociais de Madri, mais de 6 mil idosos morreram com coronavírus ou com sintomas compatíveis com a doença em asilos da região de Madri desde o início da crise do coronavírus.
De acordo com esses dados, 88% das mortes ocorreram até 17 de abril, no período em que os hospitais se recusavam a internar idosos procedentes de asilos. A partir de abril, quando o colapso nos hospitais diminuiu, as pessoas mais velhas voltaram a ser admitidas.
A região de Madri é também a que acumula o maior número de investigações pelo Ministério Público em asilos, quase a metade de todo o país. De acordo com a promotoria um total de 82 processos de investigação criminal foram abertos em centros geriátricos da região.
Tensões no governo de Madri
Madri é governado pelo conservador Partido Popular, graças ao apoio do partido também conservador Ciudadanos. Mas a tensão entre as duas formações só aumentou depois desse escândalo revelado precisamente pelo partido Ciudadanos, aliado do governo.
Em maio, foi destituído o diretor da coordenação sócio-sanitária na região, Carlos Mur de Viu, que foi quem encaminhou os e-mails com os protocolos para hospitais e asilos descartarem a hospitalização de idosos com covid-19.
Ele foi demitido depois que a diretora de Saúde Pública, Yolanda Fuentes, renunciou por não concordar que Madri estivesse em condições de relaxar o isolamento social.
Agora o cargo de coordenação sócio-sanitária da região metropolitana da capital é ocupado por Javier Martínez, um dos geriatras que redigiram os protocolos encaminhados aos hospitais e asilos.
Balanço de mortes de idosos em toda a Espanha
De acordo com dados oficiais, na Espanha cerca de 20 mil idosos morreram em casas de repouso com Covid-19 ou sintomas compatíveis com a doença.
A maioria das mortes ocorreu em Madri, Catalunha, Castilha e Leão e Castilha-La Mancha. Ainda de acordo com esses dados, os que morreram em asilos equivaleriam a 71,6% do total registrado oficialmente pelo Ministério da Saúde.
Desde o início da pandemia, os asilos tornaram-se um dos principais focos de coronavírus. As equipes sanitárias estavam sobrecarregadas e sem recursos para o atendimento médico. O Exército colaborou nas tarefas de desinfecção das casas de repouso e encontrou residentes mortos que moravam nesses centros.
A Espanha já está na fase final de confinamento. O estado de alerta deve acabar no dia 21 de junho. O balanço do coronavírus na Espanha confirma a tendência de queda da pandemia, com mais um dia sem o registro de novas mortes devido à doença.
O número total de óbitos no país permanece pelo terceiro dia consecutivo em 27.136, e na última semana foram registradas 50 vítimas fatais.