Por Agência Brasil
Publicada em 20/06/2020 às 09h02
Um esquema complexo de corrupção em atividade desde 2012, na área da saúde do Rio de Janeiro, comandada pelo empresário Mário Peixoto, provocou danos que superam R$ 500 milhões aos cofres públicos do Estado e de prefeituras municipais. O esquema foi desmontado no mês passado, após o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) deflagrarem a Operação Favorito, com o cumprimento de cinco mandados de prisão preventiva, 42 mandados de busca e apreensão em 38 endereços e 11 intimações para prestar depoimento à Justiça Federal.
Como resultado da ação, a força-tarefa da Lava Jato denunciou, agora, 17 pessoas pelos crimes de lavagem de dinheiro, pertinência a organização criminosa (orcrim) e obstrução à investigação. Além do líder da organização, foram denunciados Vinícius Ferreira Peixoto, Paulo César Melo de Sá, Alessandro de Araújo Duarte, Cassiano Luiz da Silva, Luiz Roberto Martins, Márcio Peixoto, Marco Antônio Peixoto, Juan Elias Neves de Paula, Osvaldo Elias Neves de Paula, Zali Silva, Adelson Pereira da Silva, Matheus Ramos Mendes, Marcos Guilherme Rodrigues Borges, Gilson Carlos Rodrigues Paulino, Fábio Cardoso do Nascimento e Andreia Cardoso do Nascimento.
De acordo com os procuradores da República no Rio, “o esquema criminoso que perdurou durante anos é de difícil detecção, haja vista a quantidade de interpostas empresas utilizadas, a movimentação de altos valores em espécie, a utilização de “laranjas” e a atuação sistemática da organização criminosa na destruição de provas e na realização de alterações societárias para o distanciamento dos reais proprietários das empresas do grupo, e somente foi desbaratado mediante a utilização de técnicas especiais de investigação, como interceptação telefônica, telemática, afastamentos de sigilos fiscal e bancário”.
O empresário Mário Peixoto comandava, por meio de terceiros, a contratação de organizações sociais e pessoas jurídicas por ele controladas pelo Estado do Rio de Janeiro. Por isso mesmo, na cota da denúncia, o MPF requer o reforço da prisão preventiva dele e de Alessandro Duarte, tendo em vista as informações de que ambos souberam da operação na véspera da deflagração e avisaram aos demais integrantes da organização criminosa, conforme diálogos identificados no aparelho celular apreendido.
Funcionamento
Os procuradores escreveram na denúncia que para atingir as vantagens e fins desejados, a organização criminosa adotou uma estrutura ordenada de divisão de tarefas em quatro núcleos de atuação distintos. No núcleo econômico: composto por Mário Peixoto (principal atuante), seus irmãos Márcio Peixoto e Marco Antônio Peixoto, seu filho Vinícius Peixoto — juntos integram e administram as pessoas jurídicas por meio das quais foram praticados os delitos de peculato, corrupção e lavagem de dinheiro.
Segundo os procuradores, o núcleo administrativo é composto por Luiz Roberto Martins (presidente formal do IDR), Adelson Pereira (ex-funcionário da Atrio Rio Service e presidente da Organização Social Associação de Saúde Social Humanizada) e Gilson Carlos Rodrigues (ex-funcionário da Atrio Rio Service e ex-vice presidente da Faetec), os quais, na qualidade de funcionários públicos, praticavam atos administrativos no interesse da organização criminosa.
No núcleo financeiro operacional atuavam Alessandro de Araújo Duarte (homens de confiança na gestão das empresas de Mário Peixoto), Juan Elias de Paula (contador das empresas do grupo criminoso), Osvaldo Paixão, Zali Silva (funcionários encarregados da movimentação de valores em espécie), Marcos Borges e Matheus Mendes (pessoa de confiança da família Peixoto e “laranja” nos quadros societários da Atrio Rio e outras empresas do grupo);
Do núcleo político faziam parte os ex-deputados estaduais Paulo Melo e Jorge Picciani, já denunciados e condenados pelo crime de pertinência a organização criminosa, na Operação Cadeia Velha, julgada pela Primeira Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2).
Na denúncia, o MPF detalha os crimes de lavagem de dinheiro já identificados envolvendo a Organização Social IDR e dez empresas subcontratadas, que totalizam o montante de R$ 176 milhões; os crimes de lavagem de dinheiro envolvendo transferências de recursos da empresa Atrio-Rio para as empresas patrimoniais GML Gestão de Ativos, MV Gestão de Ativos e MVC Gestão de Ativos, no montante de mais de R$ 50 milhões, bem como o custeio de despesas pessoais de Mário Peixoto pela Atrio; os crimes de lavagem de dinheiro envolvendo transferência de recursos da empresa Atrio-Rio para as empresas de consultoria AD Consultoria e CLS Marketing e Serviços, no valor superior a R$ 17 milhões; os crimes de lavagem de dinheiro, por meio de saques de valores em espécie de R$ 12 milhões, realizados por funcionários da Atrio-Rio das contas da empresa; o crime de lavagem de dinheiro relacionado à ocultação de R$ 1,5 milhão em espécie por Luiz Roberto Martins, ex-presidente do IDR; o crime de pertinência à organização criminosa e o crime de obstrução à investigação de organização criminosa.
Operação Favorito
No mês de maio, foi deflagrada a Operação Favorito, desdobramento das operações Descontrole, Quinto do Ouro e Cadeia Velha, que investigaram crimes envolvendo Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputados estaduais do Rio de Janeiro. Além do cumprimento dos pedidos de busca e apreensão e prisões, a Lava Jato pediu também o sequestro dos bens dos envolvidos. Em relação ao principal empresário envolvido, pelos crimes já detectados, foram estimados danos materiais e morais em valores de até R$ 647 milhões. As investigações referiam-se a desvios em contratos na área da saúde envolvendo organizações sociais e contaram com interceptação telefônica e quebras de sigilo telemático, dentre outras.
Autorizações
Desde fevereiro deste ano, as prisões já estavam autorizadas pelo juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Um mês depois, em março, foi requerida a suspensão do cumprimento dos mandados em razão do agravamento do cenário de pandemia de covid-19.
Novas provas
Assim, com o prosseguimento das interceptações telefônicas e telemáticas, foi possível colher provas de que a organização criminosa persistiu com as práticas criminosas mesmo durante o agravamento da pandemia, inclusive se valendo da situação de calamidade que autoriza a contratação emergencial e sem licitação para obter contratos de forma ilícita com o poder público. Além disso, constatou-se, através de diálogos interceptados em março e abril, que a organização criminosa vinha destruindo provas e realizando ações de contrainteligência. Diante disso, com o intuito de interromper os crimes em andamento e conter outros danos aos cofres públicos, a PF e o MPF requereram ao juízo que fossem cumpridos os mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão já expedidos, bem como autorizadas novas medidas em relação a investigados e fatos que surgiram no curso das investigações.