Por RFI
Publicada em 02/07/2020 às 14h47
O principal tribunal da Turquia examinou nesta quinta-feira (2) um pedido para transformar em mesquita a antiga basílica de Santa Sofia, em Instambul. A demanda do presidente Recep Tayyip Erdogan pode criar tensão com vários países.
O Conselho de Estado turco examinou o pedido feito por várias associações durante uma breve audiência e deve anunciar sua decisão dentro de 15 dias, informou a agência de notícias estatal Anadolu.
Sinal de que o caso preocupa no exterior, os Estados Unidos pediram, na quarta-feira (1°), à Turquia que não alterasse o status de Santa Sofia, também conhecida como Hagia Sophia.
Importante obra arquitetônica construída no século VI pelos bizantinos, que coroaram seus imperadores no local, Hagia Sophia é um Patrimônio Mundial da Unesco e uma das principais atrações turísticas de Istambul.
Convertida em mesquita após a tomada de Constantinopla pelos otomanos, em 1453, foi transformada em museu, em 1935, pelo líder da jovem República Turca, Mustafa Kemal, que desejava "oferecê-la à humanidade".
No entanto, seu status é regularmente objeto de controvérsia. Desde 2005, diversas associações têm recorrido aos tribunais para exigir um retorno ao status de mesquita, sem sucesso até o momento.
Durante a audiência desta quinta-feira, o promotor pediu a rejeição do pedido das associações, argumentando que a decisão de modificar o status de Santa Sofia "é uma questão do Conselho de Ministros e da Presidência", segundo Anadolu.
Erdogan, um nostálgico do Império Otomano, que busca atualmente atrair o eleitorado conservador em meio a uma crise econômica acentuada pela pandemia de coronavírus, defendeu várias vezes a reconversão em mesquita. No ano passado, o presidente definiu a transformação de Hagia Sophia em um museu "de um grande erro".
"Poderoso símbolo"
Desde a chegada de Erdogan ao poder, em 2003, as atividades relacionadas ao Islã se multiplicaram dentro de Hagia Sophia, com sessões de leitura do Alcorão e orações coletivas na praça em frente ao monumento.
Mahmut Karagöz, um sapateiro de 55 anos, sonha em um dia poder orar sob a cúpula de Hagia Sophia. "É uma herança de nossos ancestrais otomanos. Espero que nossas orações sejam ouvidas", disse ele.
Para Anthony Skinner, da empresa de consultoria Verisk Maplecroft, converter Hagia Sophia em uma mesquita permitiria a Erdogan satisfazer sua base eleitoral, irritar Atenas, com quem as relações são tensas, e se reconectar com o passado otomano. "Erdogan não poderia encontrar um símbolo tão poderoso quanto a Hagia Sophia para alcançar todos esses objetivos ao mesmo tempo", resume.
No ano passado, o Conselho de Estado já havia autorizado a transformação em mesquita da magnífica igreja bizantina de Chora, também em Istambul, uma decisão percebida por alguns como um teste para Hagia Sophia.
A decisão do Conselho de Estado "provavelmente será política (...), resultado de deliberações dentro do governo", estima Asli Aydintasbas, pesquisadora do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Para Aydintasbas, o governo deve pesar os prós e os contras, especialmente através do prisma das relações com a Grécia, a Europa e a administração americana de Donald Trump, para quem "a religião é um assunto importante".
"Aberta a todos"
Mesmo que a conversão de Hagia Sophia em mesquita não impeça turistas de todas as religiões de visitarem o local - muitos visitam a Mesquita Azul nas proximidades todos os dias - mudar o status de um lugar tão emblemático na história do cristianismo poderia causar tensão.
"Pedimos que as autoridades turcas mantenham Hagia Sophia como museu, como ilustração de seu compromisso de respeitar as tradições culturais e a rica história que moldou a República turca, e garantir que ela permaneça aberta a todos", declarou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.
O destino da Santa Sophia também preocupa a vizinha Grécia, que monitora de perto o futuro do patrimônio bizantino na Turquia. Mesmo na Turquia, há muitos que se opõem a essa decisão.
"Milhões de turistas a visitam todos os anos", ressalta Sena Yildiz, uma estudante de economia. "É um lugar importante para os muçulmanos, mas também para os cristãos e todos aqueles que amam a História", disse.