Por Breno de Paula
Publicada em 05/08/2020 às 10h54
Invoco mais uma vez a célebre expressão em alemão cunhada por Konrad Hesse: "Not kennt kein Gebot": “a necessidade não conhece princípio” para justificar a novel ideia tributária do governo federal.
O novo tributo denominado de Contribuição de Bens e Serviços apresentado pelo Ministro Paulo Guedes é inconstitucional.
Explico.
É de conhecimento de todos que o Poder Executivo Federal, por intermédio do Ministro da Economia Paulo Guedes apresentou o Projeto de Lei 3.887/2020, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em substituição ao PIS e à Cofins. O referido PL é a primeira etapa da reforma tributária proposta pelo governo federal.
Ao denominar o novo tributo de “Contribuição de Bens e Serviços” o projeto de lei deve ter - ou pelo menos deveria - obediência e coerência com a regra matriz constitucional das “Contribuições” prevista na Constituição Federal de 1988.
O referido PL não sobrevive ao primeiro “teste de constitucionalidade”.
Eis o que prescreve a Constituição Federal sobre as “Contribuições”:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
b) a receita ou o faturamento;”
Ou seja, a regra matriz da hipótese constitucional de incidência tributária prescreve que as Contribuições, no caso de venda de bens e serviços, poderão incidir sobre o “faturamento” e a “receita”.
Vejamos, agora, o que pretende o combalido projeto de lei apresentado, verbis:
“Art. 1o Esta Lei institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS.
Parágrafo único. A CBS incide sobre as operações com bens e serviços”
Vejam que o artigo 1º do PL que cria a CBS extrapola os limites da competência tributária atribuída pela Constituição Federal ao pretender tributar, via Contribuições, as “operações” com “bens” e “serviços”.
Ora, a Constituição Federal não permite que a União Federal tribute, via Contribuições, as operações com bens e serviços. Na verdade a Constituição Federal não lhe atribuiu competência tributária.
Nesse momento vale a pena trazer à baila as lições do Professor Roque Antônio Carrazza, verbis:
“Em matéria tributária, a Constituição brasileira, como já lhes acenei, foi extremamente pródiga, contém dezenas de princípios e centenas de regras que guiam a ação estatal de exigir tributos. Eu, pessoalmente, não conheço nenhuma outra Constituição no mundo que tenha decido a tantos detalhes em matéria tributária quanto a Constituição brasileira. No Brasil, com efeito, as pessoas políticas, enquanto tributam, enquanto criam abstratos tributos, se veem, por assim dizer, diante do seguinte dilema: ou reproduzem praticamente a Constituição, e, ao fazê-la, apenas recriam num grau de concreção maior aquilo que na Constituição já se contém, ou, na ânsia de serem originais, acabam resvalando para o campo da inconstitucionalidade. Enfim, no Brasil, as pessoas políticas, a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal encontram perfeitamente iluminado no texto supremo o caminho tributário que podem, de modo válido, percorrer. O que de fato é muito bom, na medida em que o tributo alcança dois valores que são muito caros a todas as pessoas, o valor 'liberdade' e o valor 'propriedade'.”
Competência tributária é a possibilidade conferida pela Constituição Federal aos entes federativos de instituírem em seus territórios determinados tributos. Diante dessa autorização constitucional, o ente pode, por meio de lei, instituir o tributo em seu território.
Na verdade a União Federal não tem real interesse em uma Reforma Tributária. Pensou tão somente em majorar a carga tributária.
Simulou algo para alcançar outra finalidade.
Mais uma vez, mais do mesmo.
*Breno de Paula: Advogado, Doutor e Mestre em Direito pela UERJ; Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia e Presidente do Instituto de Direito Tributário de Rondônia