Por Assessoria
Publicada em 22/10/2020 às 11h22
“Tout va très bien”. Citando Lenio Luiz Streck e o livro parisiense, Festa Continuou, que trata da vida cultural de Paris durante a ocupação nazista, relembro a canção popular Tout va très bien, Madame La Marquise (“tudo vai bem, Madame La Marquise”
Perplexo acompanho a notícia de que o Ministério Público do Estado de Rondônia, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRO), em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal e aos Crimes Contra a Ordem Tributária (GAESF/MPRO) e a 6ª Promotoria de Justiça da Comarca de Cacoal, contando ainda com apoio da Polícia Civil e a Secretaria de Estado de Finanças (Sefin), deflagrou na manhã desta quinta-feira (22/10) a Operação Salvo Conduto.
Há “suspeitas” de que o grupo criminoso, composto por empresa do ramo de leilões e pessoas físicas, tenha se beneficiado de uma decisão judicial para sonegar impostos.
Nesse contexto desafiador e claramente multidisciplinar, precisamos repensar as atuais normas e o seu papel na responsabilização de indivíduos por crimes contra a ordem tributária.
Por mais que o Direito Penal e o Direito Tributário caminhem em paralelo, o momento atual conectou as duas ciências e trouxe provocações que precisam ser analisadas e valoradas em conjunto.
Ora, o fato gerador do ICMS na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte para outro estabelecimento do mesmo titular não deveria incidir o ICMS, desde agosto de 1996, o STJ firmou posicionamento pela não incidência do imposto nessas operações, conforme verbete da Súmula 166⁄STJ que impede o lançamento de ICMS sobre mero deslocamento de mercadoria entre mesmo contribuinte, verbis:
Súmula 166⁄STJ: Não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
Sendo ratificado este entendimento em 2010 pelo STF nos autos do RExt 267.599 de relatoria da Min. Ellen Gracie. Apesar do advento de Lei Complementar n° 87 de 13 de setembro de 2013, Lei Kandir e a Lei Ordinária do Estado de Rondônia n° 688 de 27 de dezembro de 1996, o STF manifestou-se sobre o assunto novamente de forma favorável ao contribuinte, através de decisão proferida em Ag. Reg. No Recurso Extraordinário 765.486 Santa Catarina de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski.
Portanto, antes de presumir a ocorrência de crime contra a ordem tributária todos devem ficar atentos se ocorre ou não a materialização do fato gerador da obrigação tributária.
No caso concreto é evidente que não ocorre. Não há que se falar em crime contra ordem tributária se inexiste o próprio fato gerador da obrigação fiscal.
De um lado, há contribuintes que administram de maneira eficiente o seu passivo tributário e utilizam estratégias agressivas de planejamento tributário.
Mas planejamento tributário não é crime!
De outro lado, as autoridades fiscais e, posteriormente, a Fazenda Pública extrapolam suas condutas ao arrepio das garantias, valores e direitos assegurados pelas Constituição Federal.
Dai a crescente criminalização de condutas que, muitas vezes, sequer dão origem a obrigação tributária.
É o realismo jurídico versus realismo social com utilização indevida do direito penal para alcançar outros objetivos.
Tout va très bien!