Por Aurimar Lima/Secom
Publicada em 05/11/2020 às 13h11
Recentemente, em Porto Velho, com a flexibilização oportunizada pela fase 4 do Plano Todos por Rondônia, que contempla a abertura comercial ampliada com prevenção contínua contra a Covid-19, a Coordenação do Programa de Controle da Hanseníase da Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa) retomou as atividades de exposição do trabalho das artesãs acometidas pela doença, seguindo todas as medidas de segurança solicitadas pelas autoridades sanitárias.
As biojoias ou ecojoias, como são chamadas, têm ajudado centenas de pessoas acometidas de Hanseníase a serem inseridas no segmento do empreendedorismo, além de ser uma terapia que contribui fortemente para a melhora da autoestima, inclusão social e reabilitação socioeconômica de pessoas acometidas pela doença.
A Agevisa, junto à OnG NHR Brasil assumiu a responsabilidade pela formação dos artesãos e por organizar espaços para exposição dos produtos. A parceria com a organização acontece desde o ano de 1994 e em 2017 passou a integrar o projeto de reabilitação socioeconômica, que já ofereceu no Estado os cursos de gastronomia e confecção de biojoias. A coordenadora da Agevisa, Albanete Mendonça, informou que os interessados em adquirir ou divulgar os trabalhos das artesãs podem entrar em contato pelo telefone 3216 5285.
Com o projeto, o Governo do Estado atende pacientes nos municípios de Ariquemes, Ji-Paraná, Monte Negro, Ouro Preto do Oeste e Porto Velho. A Agência realiza realizou em 2018 e 2019 oficinas de aperfeiçoamento e inclusão de novas pessoas acometidas de Hanseníase. As Unidades Básicas de Saúde são portas de entrada para o tratamento e simultaneamente integram-se ao trabalho.
Rondônia tem 15 grupos de autocuidado, mas segundo a coordenadora estadual da Agevisa existe a proposta governamental para que o trabalho seja ofertado em todos os municípios.
ART’S BIOHANS
Em abril de 2019, cerca de 30 pacientes acometidos de Hanseníase participaram do primeiro curso de biojoias promovido pela parceria entre a Agevisa e a OnG NHR Brasil, que culminou com a realização de uma exposição no saguão do hotel.
Peças confeccionadas pelos pacientes de Hanseníase tem como matéria-prima sementes, madeiras, grãos entre outros decorrentes da natureza
No final desse curso, a empreendedora, Luciene Kaxinawá, da Invest Amazônia, conheceu o trabalho das pacientes e tornou-se cliente. Luciene retornou o contato , aderiu à comercialização do produto e fará uma exposição no Estado de São Paulo, onde parte da venda será destinada às artesãs para investirem em novas peças e na renda familiar.
Após o longo período de isolamento, ainda que não estagnaram a produção, as artesãs voltaram a expor as peças confeccionadas especificamente pelos pacientes de Hanseníase, e que tem como matéria-prima sementes, madeiras, grãos entre outros decorrentes da natureza.
TERAPIA NO ISOLAMENTO
A amazonense Maria da Silva Lima, de 67 anos, foi uma das expositoras que retornou do isolamento com uma vasta produção de biojoias. Ela conta que no período de restrição a confecção de peças ajudou muito a reduzir o nível de ansiedade. Foram oito meses sem sair de casa, entretanto estava produzindo e vendendo por meio de um aplicativo de conversa virtual.
Ela mora na zona sul de Porto Velho há 32 anos, é viúva, mãe de quatro filhos (uma filha adotiva e portadora de necessidade especial mental). A produção e venda da biojoia auxilia na renda familiar, oriunda da aposentadoria no valor de um salário mínimo.
Há dois anos ela fez o curso e já tem peças vendidas para empreendedores de Portugal. Antes da mudança de estilo, Maria fazia peças de miçangas e vendia no bairro, para a família e na Policlínica Osvaldo Cruz, onde fazia fisioterapia e acompanhamento da doença.
E foi na Policlínica Oswaldo Cruz que uma assistente social convidou a artesã para participar do curso de gastronomia oferecido pela Agevisa, em parceria coma ONG NHR, onde na conclusão do primeiro curso foi convidada para fazer o segundo de biojoia.
“Eu gosto muito de artesanato, bordo, faço trabalho com fitas e manuais. Eu gostei muito do curso e continuei a produzir. Viajei para fazer coleta de matéria-prima no município de Monte Negro, e aprendi a beneficiar, com máquinas oferecidas pela ONG. Participo da coleta, à venda. No começo eu achava difícil, mas depois passei a amar o trabalho, é como uma terapia”, disse Maria.
MUDANÇA DE VIDA
Maria guarda uma história triste da juventude no Amazonas, que virou alegria em Rondônia. Ela descobriu que estava com Hanseníase aos 22 anos, jovem ainda, porém casada, e com um pequeno comércio na cidade de origem.
Artesã, Maria da Silva Lima, de 67 anos de idade
“A doença acabou com minha vida na juventude, não podia chegar perto de ninguém, apesar de fazer o tratamento. O comércio faliu por conta do preconceito. Ninguém queria comprar de uma pessoa acometida de Hanseníase. Perdemos tudo e viemos morar em Porto Velho, era uma forma de mudar a nossa história de vida. Ninguém ficaria sabendo da doença”, relatou.
No ano de 1987 ela começou a frequentar a Policlínica do Governo do Estado, apesar de estar com a saúde bora era necessário o acompanhamento. “Agradeço a Deus e aos profissionais que aceitam trabalhar nesta área, porque muitos fogem do contato”.
A vida de Maria mudou em Rondônia. O atendimento por meio do serviço público abriu o leque de possibilidades e crescimento profissional. Depois que fez o curso, Maria conheceu o tão sonhado mar, viajou para expor em Pernambuco, onde participou de um evento organizado pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). Vendeu tudo em três dias e ainda conheceu as praias de Recife e a cidade histórica de Olinda. “Antes, o preconceito me afastava das pessoas”, finalizou.
SOBRE A DOENÇA
A Hanseníase é uma doença infecciosa, transmissível e de caráter crônico, que ainda persiste como problema de Saúde Pública no Brasil. Seu agente etiológico é o Mycobacterium leprae, um bacilo que afeta principalmente os nervos periféricos, olhos e pele. A doença atinge pessoas de qualquer sexo ou faixa etária, podendo apresentar evolução lenta e progressiva e, quando não tratada, pode causar deformidades e incapacidades físicas, muitas vezes irreversíveis.
Rondônia apresenta indicadores epidemiológicos que expressam a magnitude da Hanseníase no Estado. A Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde preconizam que uma área é considerada sob controle quando há o registro de 10 ou menos casos da doença a cada 100 mil habitantes.
Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan ) no ano de 2019, Rondônia teve registrado 491 novos casos da doença, e os dados parciais registrados até a primeira semana de novembro deste ano (2020) computam 271 casos novos.
Em uma série histórica que registra nos últimos cinco anos novos casos da doença, Rondônia diagnosticou 471 casos novos em 2016; 517 casos novos em 2017; e 737 no ano de 2018, quando iniciou uma ação em parceria com o Ministério da Saúde para execução do Projeto Roda Hans – a Carreta da Saúde Novartis, o qual percorreu vinte municípios do Estado com equipe de profissionais para atendimento e ações de diagnóstico da doença.
A Agevisa tem acompanhado as notificações de casos de hanseníase e continua realizando o trabalho de acompanhamento das pessoas acometidas pela doença. “Estudos comprovam que há um declínio gradativo na incidência do agravo a nível mundial, porém verificamos que quando as ações são intensificadas, como a realizada em nosso Estado com a Carreta da Saúde, aumenta a detecção de casos”, afirmou a coordenadora do Programa de Controle da Hanseníase da Agevisa, Albanete Mendonça.