Por G1
Publicada em 28/11/2020 às 08h59
Os gastos com a pandemia do novo coronavírus neste ano e o aumento que esses gastos representam nas despesas com juros da dívida pública nos próximos dez anos já correspondem ao valor estimado para toda a economia com a reforma da Previdência até 2030, segundo números do governo.
Nesta semana, durante audiência pública na comissão do Congresso Nacional que acompanha as medidas de combate ao coronavírus, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, informou que é estimado em R$ 615 bilhões o impacto da pandemia nas contas públicas neste ano em razão da perda de arrecadação e dos gastos extraordinários para combater os efeitos da Covid-19.
Além disso, segundo ele, também há o efeito do aumento do pagamento dos juros da dívida pública. Isso deve gerar despesas adicionais com juros de R$ 261 bilhões nos próximos dez anos, valor calculado pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Essas despesas com juros em dez anos, segundo o Tesouro, estão divididas em:
Juros motivados pela despesa com auxílio emergencial: R$ 143,3 bilhões
Juros motivados pelo auxílio federativo: R$ 26,8 bilhões
Juros decorrentes do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm): R$ 23 bilhões
Outros: R$ 68,5 bilhões
A maior parte (R$ 143,3 bilhões) dos gastos com juros refere-se ao pagamento do auxílio emergencial, cujo valor total estimado para 2020 é de R$ 322 bilhões.
Somado o impacto nas contas públicas previsto para este ano (R$ 615 bilhões) com a previsão de aumento das despesas com juros (R$ 261,6 bilhões em dez anos), o efeito da pandemia na dívida pública nesse período é de R$ 876 bilhões.
"O custo intergeracional, ao longo do tempo, calculamos em R$ 261 bilhões — custo do endividamento trazido pelas medidas da Covid ao longo dos próximos dez anos — ou 0,4% do PIB. A gente tem que se preocupar com o hoje e com o amanhã", declarou Waldery Rodrigues.
O valor se aproxima ao da última estimativa do Ministério da Economia para a economia a ser gerada pela reforma da Previdência Social até a próxima década (R$ 855 bilhões). Entre outros pontos, a reforma da Previdência definiu idade mínima de aposentadoria para homens (65 anos) e mulheres (62 anos); regras de transição para os trabalhadores da ativa; novas regras de acesso aos benefícios.
Segundo o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal (IFI), Felipe Salto, sem a reforma da Previdência, a situação das contas públicas brasileiras seria muito pior.
"A gente pode dizer que, sem a reforma da Previdência, aprovada ainda que tardiamente, as projeções para a dívida pública estariam mais altas. Certamente, estaríamos em uma situação pior", declarou Salto.
Segundo ele, a reforma vai começar a gerar "resultados visíveis" em médio prazo. "Todo mundo sabia que não seria um efeito imediato, mas foi importante para as expectativas e para a dívida", disse ao G1.
Aumento da dívida pública
Com o impacto das ações de combate ao coronavírus nas contas públicas, o governo prevê que a dívida bruta do setor público avance de 75,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 para 94,4% do PIB no fechamento deste ano — bem acima da média dos demais países emergentes, de pouco mais de 60% do PIB.
A estimativa do Tesouro Nacional é de que a dívida bruta siga crescendo nos próximos anos, alcançando a marca de 95,7% do PIB em 2023.
A Instituição Fiscal Independente avalia que o endividamento brasileiro deve atingir 100% em 2024, até lá, "dificilmente serão alcançadas as condições de sustentabilidade".
Em razão do forte aumento da dívida, o Tesouro Nacional analisou nesta semana que não há espaço para "medidas que dificultem o processo de consolidação fiscal e fragilizem a regra do teto de gastos", e defendeu avançar, ainda em 2020, com as PECs do pacto federativo, emergencial e dos fundos públicos, além dos marcos regulatórios de cabotagem (navegação entre portos do mesmo país), do gás e das ferrovias.
Para Felipe Salto, da IFI, está faltando liderança da área econômica do governo na condução dos projetos do pacto federativo e da emergência fiscal, que já estão no Legislativo, e também transparência sobre o futuro das contas públicas.
"Não adianta dizer: 'Fazemos a proposta e agora a bola está com Congresso'. Não é assim que acontece. O zelo macrofiscal está como o Executivo. Precisa transparência, mostrar que o orçamento do ano que vem vai ser pior que o projeto [devido a possíveis gastos com a Covid, como vacina e nova extensão do auxílio emergencial]. Se há um risco de rompimento do teto [de gastos], então tem que dar a solução", avaliou.
Segundo ele, também faltam indicações sobre um plano de médio prazo para conter o déficit público e controlar a dívida.
"Estão insistindo no discurso do teto, só que não estão tendo como fundamentar. O mercado faz as contas e fica preocupado [diante da possibilidade de o teto ser rompido]. Esse dilema 'ou é o teto ou acabou o mundo' é uma armadilha. Não dá pra ficar preso. E responsabilidade fiscal é divida pública equilibrada", afirmou.
"Se for pelo lado da receita [possível alta de impostos], é uma medida dura. Se não dá pra fazer tudo pelo lado do gasto, tem de mostrar como a receita vai ser modificada, revisar gasto tributário [benefícios fiscais]", complementou.