Por G1
Publicada em 06/11/2020 às 14h40
Em audiência pública na Câmara nesta sexta-feira (6) sobre alterações na lei de lavagem de dinheiro, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ricardo Liáo, e o diretor do Banco Central Maurício Costa de Moura defenderam que qualquer mudança na legislação siga as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi).
O Gafi é o principal órgão internacional de prevenção à lavagem de dinheiro, do qual o Brasil faz parte junto com mais de 180 países. Desde a década de 1990, o grupo publica um conjunto de 40 recomendações que servem como guia para que os países adotem medidas concretas de combate a esses crimes.
A reunião é coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo da Fonseca, que preside a comissão de juristas instalada em setembro para debater mudanças na legislação sobre lavagem de dinheiro. O Coaf e o Banco Central devem encaminhar sugestões das instituições à comissão até o dia 15 de novembro.
Em sua apresentação, Liáo elogiou as normas brasileiras na área que, segundo ele, já seguem as recomendações internacionais.
"É claro que é possível aprimorar as leis e os regulamentos, esse é o nosso propósito permanente, de estar sempre alinhado às novidades que o mundo nos oferece a cada dia, novas tecnologias, novos negócios, novas tipologias, e nós sempre atentos a identificá-las, persegui-las e mitigá-las", disse o presidente do Coaf. "Mas sempre, como eu digo, tendo como referência as recomendações do Gafi e os compromissos de acordo internacionais."
Costa, diretor de Cidadania e Supervisão de Conduta do Banco Central, argumentou que qualquer desalinhamento às recomendações do Gafi pode ter "implicações econômicas graves" para o Brasil.
"Reduz muito a atratividade do país ao investimento estrangeiro, o próprio risco do país aumenta muito, dificulta ainda mais nos retornarmos o grau de investimento, isso praticamente bloqueia nossa entrada à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], chamado clube dos países ricos, o que reduz o nosso reconhecimento mundial como país atraidor de investimentos”, disse o diretor do Banco Central.
Ainda segundo ele, se as mudanças não seguirem as recomendações internacionais, poderia haver um aumento no custo dos bancos estrangeiros para operar no Brasil, o que ocasionaria saída de capitais e falta de novos investimentos.
“Isso seria extremamente prejudicial, reduziria a quantidade de recursos disponíveis globalmente aos nossos projetos de infraestrutura e as necessárias privatizações que tem que ser feitas”, completou.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, que também participou da audiência, concordou que todo aprimoramento deve acolher as recomendações do Gafi.
“Não podemos aceitar que o sistema financeiro brasileiro seja meio para o crime organizado, para que ele se estabeleça e utilize o setor financeiro para as suas práticas criminosas, isso não interessa ao setor bancário”, disse.
Representante da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), Edson Fabio Garutti disse que as instituições que fazem parte do grupo veem com "grande preocupação" a revisão da lei sobre lavagem de dinheiro. Ele lembrou que o Brasil está atualmente preparando um documento solicitado pelo Gafi com esclarecimentos sobre o que é feito no combate à lavagem de dinheiro no país.
"O momento para revisar uma lei de lavagem deveria ser posterior ao Brasil ter construído sua resposta oficial ao Gafi", disse. "É delicado por conta da mensagem que pode transmitir ao Gafi sobre uma revisão justamente neste momento."
O ministro Reynaldo da Fonseca afirmou que o papel da comissão é "auxiliar e encaminhar uma sugestão de alteração" à legislação, mas que não haverá retrocessos.
"É revisão, não é modificação da lei, das conquistas, não há retrocesso, ao contrário, há aprimoramento", disse.
Ainda segundo o magistrado, alguns avanços tecnológicos demonstram a importância da discussão sobre a revisão da lei.
Autonomia do crime de lavagem
Na reunião, também foi discutido a possibilidade de o crime de lavagem de dinheiro necessitar de um crime antecedente para ser comprovado. Atualmente, a legislação prevê que a lavagem de dinheiro pode ser considerada um crime à parte, ou autônomo, no jargão jurídico.
Os representantes do Coaf, do Banco Central e da Febraban defendem que a lavagem seja mantida como um crime independente.
Sidney afirmou que qualquer alteração neste sentido seria um "retrocesso".
"Importantíssimo que a amplitude que foi dada [ao crime de lavagem de dinheiro], a definição que foi dada independente de crime antecedente permaneça. Realmente seria muito ruim que houvesse um retrocesso", disse o presidente da Febraban.
Costa afirmou que a inclusão da lavagem de dinheiro como crime autônomo, estabelecida na legislação de 2012, "tem sido eficaz" no combate à corrupção.
"Qualquer alteração que viesse a elencar crimes antecedentes ou a excluir algum criem como antecedente, que fosse o caso, seria considerado um relevante retrocesso", disse. "Nos colocaria de novo sob crítica do Gafi porque voltaríamos a uma fragilidade que já foi apontado na terceira rodada [de recomendações do grupo internacional].
Membro da comissão, Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da primeira região (TRF-1), negou que essa alteração tenha sido sugerida pelo grupo.
"Eu não vi em nenhuma das propostas que foram feitas no âmbito dessa comissão qualquer espécie de ajustamento que possa confrontar as preocupações levantadas hoje nas falas aqui trazidas", disse. "Do que eu identifiquei, o maior receio é que por exemplo era que se fizesse um recuo naquele avanço feito na legislação para tornar a lista aberta dos crimes antecedentes, mas essa proposta até onde eu sei nunca foi feita no âmbito aqui dessa comissão", disse.
Comissão
A comissão foi instalada no dia 23 de setembro e terá 90 dias para apresentar uma sugestão de projeto de lei a ser analisado no futuro pelos deputados. Esse prazo pode ser prorrogado.
Um dos objetivos do grupo é definir os limites do crime de lavagem de dinheiro para evitar decisões contraditórias da Justiça.
Segundo o ministro Reynaldo da Fonseca, serão criadas 16 comissões temáticas para trabalhar com aspectos específicos, como os crimes antecedentes. A relatoria-geral caberá ao desembargador Ney Bello.
No início de outubro, representantes do Ministério Público, auditores fiscais e de controle, delegados federais e servidores de carreiras típicas de Estado enviaram um ofício ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em que pedem maior participação no grupo.
No documento, as categorias argumentam que, dos 44 membros da comissão, 24 são advogados, 13 são do Poder Judiciário e sete são do Ministério Público.
Segundo as instituições, a composição não contempla “a participação paritária das demais carreiras responsáveis pela combate ao crime de lavagem de dinheiro e afins”.