Por Rondoniadinamica
Publicada em 19/12/2020 às 09h45
Porto Velho, RO – Parece enredo de novela mexicana, mas aconteceu aqui mesmo em Rondônia. Por pouco, muito pouco, aliás, questão de algumas horas, inclusive, o Poder Judiciário não só liberta o quarteto preso na Operação Reciclagem como também o põe de volta no Poder.
Inacreditável!
Só para relembrar, em setembro deste ano foram presos pela Polícia Federal os então prefeitos: Marcito Aparecido Pinto (Ji-Paraná); Luiz Ademir Schock, conhecido como Luizão do Trento (Rolim de Moura); Gislaine Clemente (São Francisco do Guaporé); e Glaucione Maria Rodrigues Neri (Cacoal).
Daniel Neri, ex-deputado estadual e marido de Glaucione, também foi preso.
Lebrão, do MDB, o deputado flagrado metendo a mão – com o perdão da rima imprópria –, não chegou a ser preso em decorrência do foro por prerrogativa de função que lhe garante privilégios em termos de direitos perante à Justiça.
Pois é.
Na última sexta-feira (18), o desembargador Roosevelt Queiroz Costa, presidente das Câmaras Especiais Reunidas do Tribunal de Justiça (TJ/RO), proferiu dois despachos nos mesmos autos com intervalo de pouco mais de sete horas entre um e outro.
No primeiro, concedendo a liberdade a todos os réus, retirando-os da clausura infligida pela prisão domiciliar, e, como dito acima, “de quebra”, os conduzia de volta aos cargos na chefia da Administração Pública em seus respectivos municípios.
E é preciso repisar o seguinte: todos foram denunciados porque um empresário informou às autoridades um superesquema de propina envolvendo todas essas pessoas nas quatro cidades do interior citadas.
Nesses aproximadamente 440 minutos entre as decisões de Queiroz, a situação do primeiro despacho já havia reverberado tanto nas redes sociais quanto no noticiário local, gerando uma onda de revolta, indignação e até desprezo pela manifestação do Judiciário local.
A conclusão do desembargador foi a seguinte:
“Como colocado outrora, apesar de compreender que crimes contra a Administração Pública são graves, as condutas apontadas não foram cometidas com violência ou grave ameaça, de modo a impor a manutenção da segregação e o afastamento da vida em sociedade antes de decisão definitiva”, concluiu.
Em outra passagem, ele aproveita para dar sua visão acerca de “julgamentos” promovidos pela opinião pública:
“Ainda que a opinião pública possa julgar de forma diversa, não se pode consentir que a prisão processual se transmude em antecipação de aplicação da pena, sob risco de se desvirtuar sua finalidade, ferindo o princípio da presunção de não culpa, consagrado em nosso sistema pátrio”.
E prossegue:
“Nessa temática, inclusive, obtempero que estamos em uma sociedade cada vez mais interessada em justiça. No entanto, esse interesse o que é salutar não pode sobrepujar a decisão técnica e à luz dos elementos e o caso concreto sub examine. Os julgadores não podem se deixar influenciar por pressões externas”.
Ainda assim, a despeito de evocar considerações técnicas, soa perceptível a participação popular no brado que supostamente o fez mudar de ideia sobre a recondução aos cargos nas prefeituras, especificamente.
“Revendo os termos em que se deram os afastamentos das funções públicas e a exiguidade do prazo que restaria de mandato popular de cada qual (menos de duas semanas, sem contar o período de recesso nos órgãos públicos), devo retificar novamente, em tempo, minha posição”, anotou
E prosseguiu:
“Assim sendo, não há nenhuma necessidade da investigada Glaucione [o despacho se estende aos demais] retornar ao exercício do poder, tendo acesso irrestrito ao maquinário, documentos e o próprio pessoal que compõe o Executivo local”.
De fato, é necessário ressaltar, sob pena de regressarmos ao total eclipse dos avanços jurídico-civis, que, sim, a prisão processual não pode servir de cumprimento de pena prévio antes de uma sentença transitada em julgado que faça sacramentar o dolo dos réus, impondo, aí sim, as penas para serem executadas em momento próprio. E isto após a concessão dos direitos de exploração do contraditório e da ampla defesa.
Por outro lado, colocar as supostas raposas de volta no galinheiro seria, no mínimo, irresponsabilidade total diante dos elementos colhidos pelas investigações, ressaltando, sobretudo, que o caso inteiro se resume a eventuais condutas de corrupção passiva.
Sem saber, o próprio desembargador resumiu a participação social no imbróglio dos despachos voltados à Operação Reciclagem na primeira decisão:
“Em certos momentos, tem havido coincidências entre o que anseia a população e o que se decide no Judiciário; mas há casos em que isso não ocorre. São as conhecidas “pautas contra majoritárias””, escreveu.
E finalizou:
“Essa situação mostra que a opinião pública está mais instruída e evoluída. Todavia, repito, deve o julgador se mostrar técnico e envolvido, sobremaneira, com os fatos evidenciados nos autos”.
Quando proferiu a segunda, Roosevelt Queiroz Costa uniu instrução e evolução da opinião pública com o lado técnico realçado em suas veias de julgador, fulminando o direto dos prefeitos afastados de regressarem às suas antigas funções.
O quinteto está em liberdade, por ora, porém, se julgados e sentenciados de acordo com os termos da denúncia, Marcito Pinto, Luizão do Trento, Lebrinha, Glaucione Rodrigues e Daniel Neri, podem, sim, regressar à cadeia, aí sim para cumprir a devida pena caso aplicada pela Justiça.
CONFIRA O PRIMEIRO DESPACHO:
CONFIRA O SEGUNDO DESPACHO: