Por G1
Publicada em 23/01/2021 às 08h47
Nem aproximação do governo de Jair Bolsonaro com o ex-presidente americano Donald Trump impediu uma queda expressiva do comércio entre Brasil e Estados Unidos em 2020, em meio à pandemia do coronavírus.
Levantamento da Amcham Brasil com base nos dados do Ministério da Economia dá conta de que o intercâmbio comercial entre os países teve o pior resultado em 11 anos, desde o desenrolar da crise do subprime.
Além de uma pauta comercial baseada em produtos mais trabalhados, as barreiras tarifárias impostas por Trump, que não puderam ser revertidas, prejudicaram a indústria brasileira, segundo a entidade.
De acordo com dados oficiais, a corrente de comércio em 2020 — soma entre exportações e importações — foi de US$ 45,6 bilhões, redução de 23,8% em relação a 2019. Foram vendidos US$ 21,5 bilhões (-27,8%), enquanto as compras somaram US$ 24,1 bilhões (-19,8%). Houve, portanto, déficit de US$ 2,6 bilhões.
O resultado destoa da média da balança comercial brasileira. A somatória das movimentações foi de US$ 368,847 bilhões em 2020 contra US$ 401,4 bilhões em 2019, uma redução de 9%.
O Brasil exportou US$ 209,9 bilhões e importou US$ 158,9 bilhões, quedas de 6,1% e 9,7%, respectivamente. No agregado, houve superávit de US$ 50,9 bilhões.
"O setor siderúrgico foi muito afetado. Há restrições em vigor desde 2018, que tiveram efeito nos dois anos passados, mas foram ainda mais negativas em 2020", afirma Abrão Neto, vice-presidente executivo da Amcham Brasil.
Neto afirma ainda que produtos importantes da pauta, como petróleo e derivados, sofreram com quedas de preço durante a pandemia. São produtos de "maior valor agregado", que tiveram curso diferente da aceleração de comércio de insumos básicos, como alimentos exportados para a China.
"Acreditamos que os níveis voltarão ao patamar pré-crise em 2021", diz Neto.
O Brasil registrou aumento de exportações para os asiáticos, principais parceiros comerciais. Foram US$ 67,6 bilhões, contra US$ 63,3 bilhões em 2019. Dentre os 10 principais parceiros, as exportações caíram em sete. Apenas a Holanda (-31%) reduziu mais as compras do Brasil que os EUA. Chile e Japão tiveram reduções semelhantes.
Governo Biden
A projeção da Amcham sobre a retomada passa por um realinhamento de agenda depois do desgaste entre Bolsonaro e o novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Entusiasta de Donald Trump, o presidente brasileiro enviou nesta quarta-feira (20) uma carta ao americano, colocando panos quentes na relação. Em novembro, pegou mal a declaração de que "quando acaba a saliva, tem que ter pólvora" para lidar com eventuais barreiras comerciais contra o Brasil por conta de incêndios na Amazônia, como Biden indicou que faria.
No novo contato, o presidente brasileiro disse ser “grande admirador dos Estados Unidos” e que, desde de que assumiu o poder no Brasil, passou a “corrigir” o que chamou de “equívocos de governos brasileiros anteriores”, que, segundo o presidente, “afastaram o Brasil dos EUA”.
"Com o novo governo, a relação passa por uma reconstrução. É uma agenda diferente, com novas prioridades e novos interlocutores. Mas há espaço para buscar entendimentos. Depende de engajamento e boa vontade dos dois lados", diz Neto, da Amcham.
Como mostrou o G1 nesta semana, o fortalecimento da agenda climática e ambiental americana pode significar uma pressão maior para que o agronegócio brasileiro, um dos maiores exportadores do mundo, reforce medidas de combate ao desmatamento. O mesmo vale para os demais setores.
"A nova administração já afirmou com clareza que a área de preservação ambiental e sustentabilidade é prioridade doméstica e internacional. Tínhamos a área como um dos assuntos do diálogo bilateral, mas, neste ano, deve ter impacto transversal na pauta comercial", afirma Neto.
Prioridades
O Brasil é apenas o 19º maior importador dos Estados Unidos, mas os americanos são os vice-líderes em compras daqui, atrás apenas da China.
A aproximação de Bolsonaro e Trump não trouxe, até o momento, grandes louros ao Brasil. Mas especialistas alertam que parte dos acordos fechados terão algum efeito de médio a longo prazo.
"A facilitação de comércio é positiva, mas significa apenas que as agências reguladoras passam a conversar mais, as barreiras tarifárias e burocracias podem ser menores, mas não há resultados imediatos", afirma Verônica Prates, gerente de relações institucionais da consultoria BMJ.
De fato, o primeiro ano de mandato do presidente brasileiro não registrou melhora expressiva no comércio entre os países. A corrente de comércio em 2019 foi de US$ 59,8 bilhões, um aumento de apenas 3,6% em relação a 2018. Na balança comercial Brasil-EUA, houve déficit de cerca de US$ 360 milhões.
Para Neto, da Amcham, iniciativas como o acordo de salvaguardas tecnológicas (AST) para permitir o uso comercial do centro de lançamento de Alcântara, no Maranhão, podem render frutos. O acordo prevê que os Estados Unidos poderão lançar satélites e foguetes da base maranhense.
Ao mesmo tempo, Trump exigiu que Bolsonaro abandonasse o tratamento especial que o Brasil recebia na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca de apoio à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "clube dos países ricos". Trump deixou o cargo e não alterou a recomendação.
"A relação com os EUA é desigual. Não somos parceiros prioritários, do ponto de vista comercial ou político. Somos como irmãos menores que têm que fazer mais concessões para se manter na agenda", diz Verônica, da BMJ.
Para ela, a sensação de negociação fracassada se atenua porque o status de economia em desenvolvimento que o Brasil detinha na OMC seria contestado em algum momento. Mas, neste caso, houve erro de cálculo de quando (e para quem) entregar essa regalia.
"A questão é que, com o governo Biden, tudo recomeça. Muito provavelmente serão exigidas novas concessões, desta vez sobre preservação do meio ambiente", afirma a analista.