Por RFI
Publicada em 17/08/2021 às 15h34
Em sua primeira coletiva de imprensa, nesta terça-feira (17), o Talibã tentou tranquilizar a população sobre o futuro do Afeganistão. Prometendo perdoar todos os inimigos, diante da preocupação da comunidade internacional, os líderes do movimento também declararam que mulheres não precisarão usar burca, poderão receber educação superior e ter uma carreira profissional "no respeito dos princípios do islã".
Os talibãs estão dispostos a respeitar os direitos das mulheres dentro do que determina a lei islâmica, garantiu o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, durante a primeira coletiva de imprensa dos insurgentes, em Cabul. Desde que tomaram a capital afegã, no domingo (15), o temor de um banho de sangue se instalou entre a população. Milhares fugiram do pais prevendo uma forte repressão do movimento integrado por célebres radicais islâmicos e jihadistas.
A comunidade internacional se preocupa especialmente com os direitos das mulheres que, nos últimos vinte anos, puderam estudar e trabalhar - algo impensável entre 1996 e 2001, quando o Talibã estava no poder. Desde domingo, as afegãs evitaram sair de casa. A televisão estatal transmite essencialmente programas islâmicos. Já os homens preferiram trocar as roupas ocidentais - popularizadas nos últimos anos - pela túnica tradicional.
Mas, segundo Suhail Shaheen, porta-voz do Talibã em Doha, no Catar, as afegãs podem ficar tranquilas. Elas não precisarão cobrir completamente os rostos porque "existem diferentes tipos de hijabs". No entanto, ele não indicou que tipo de véu será aceito pelo movimento.
"O Estado Islâmico do Afeganistão está disposto a oferecer às mulheres um ambiente seguro para trabalhar e estudar, e autorizar a presença das mulheres em diferentes estruturas [do governo], de acordo com a lei islâmica e nossos valores culturais", salientou um membro da Comissão Cultural dos Talibãs, Enamullah Samangani.
"Elas podem receber uma educação do primário à universidade. Anunciamos essa política durante as conferências internacionais, em Moscou e aqui em Doha", reiterou. Uma prova disso, segundo ele, é que as escolas nas zonas controladas pelos talibãs continuam abertas.
No entanto, muitos afegãos duvidam dessa possibilidade. Na época em que estiveram no poder, os talibãs impuseram uma versão ultrarigorosa da lei islâmica, impedindo as mulheres de qualquer atividade intelectual. O uso da burca, vestimenta que cobre o rosto e o corpo inteiro, era obrigatória em público e as afegãs só podiam sair de casa acompanhadas do "mahram", um acompanhante homem da família. Violências físicas e execuções de mulheres - inclusive por adultério - eram praticadas em praças e estádios.
"A guerra terminou"
Durante a coletiva de imprensa, os talibãs também garantiram que todos os adversários serão perdoados. "A guerra terminou. Todos aqueles do campo oposto estão perdoados, de A a Z", declarou o porta-voz Zabihullah Mujahid. "Não vamos buscar a vingança", garantiu.
Mujahid prometeu que os antigos membros das forças de segurança do Afeganistão serão anistiados e os cidadãos que trabalharam junto às potências estrangeiras desde 2001 não serão atacados. "Ninguém quer fazer mal a vocês, ninguém vai bater na porta da casa de vocês", declarou. Segundo ele, o Talibã também espera que as milhares de pessoas que querem fugir do país mudem de opinião e participem da reconstrução da nação.
O porta-voz indicou que os insurgentes irão formar um governo em breve, mas deu poucos detalhes sobre sua composição. Mujahid se limitou apenas a dizer que os líderes irão "estabelecer laços com todas as partes". "Não queremos repetir nenhum conflito, nenhuma guerra e queremos suprimir os fatores de conflito", completou, salientando que o Talibã não quer "inimigos internos, nem externos".
Um pouco antes das declarações, o número dois do movimento, Abdul Ghani Baradar, chegou de avião em Kandahar, no sul do país vindo de Doha. Para os analistas, no entanto, não há dúvidas de que a liderança do Talibã está atualmente nas mãos do mulá Haibatullah Akhundzada, um erudito, filho de um teólogo.
Os insurgentes dizem que ainda é cedo para tentar adiantar como o grupo vai assumir o poder. "Primeiro queremos que todas as potências estrangeiras deixem o país para que possamos estruturar nosso governo", afimou um representante do Talibã, sem se identificar, à agência Reuters.
Questionado sobre o que mudou entre o movimento que foi tirado do poder pela intervenção americana há vinte anos e o Talibã de hoje, Mujahid respondeu: "Se a questão está baseada na ideologia e crenças, não há diferenças. Mas se é em função da experiência, da maturidade e da perspicácia, sem nenhuma dúvida, há várias diferenças". "As etapas de hoje serão diferentes das etapas do passado, de uma forma positiva", concluiu.