Por Veja
Publicada em 18/08/2021 às 14h20
Uma delegação liderada por Anas Haqqani, figura proeminente dentro do Talibã e parte da equipe de negociação do grupo militante, se reuniu com figuras importantes de fora do grupo em Cabul nesta quarta-feira, 18, incluindo o ex-presidente afegão Hamid Karzai. O encontro se dá em meio às tentativas do grupo de montar um governo no Afeganistão e junto às acusações de agressões contra mulheres, crianças e manifestantes.
Karzai, presidente do país de dezembro de 2001 a setembro de 2014, vem liderando esforços para garantir uma transferência pacífica de poder após o Talibã tomar Cabul no último domingo, se declarando sobre todo o Afeganistão.
Fotografias divulgadas pelo Talibã também mostram que dentro da delegação não pertencente ao grupo também estavam Abdullah Abdullah, chefe do Conselho Superior para Reconciliação Nacional no antigo governo, e o parlamentar Fazal Hadi Muslimyar.
Até o momento não houve nenhuma declaração de nenhuma das partes sobre resultados da reunião. À rede americana CNN, o porta-voz do escritório político do Talibã no Catar, Suhail Shaheen, afirmou que o grupo militante está comprometido com um "governo islâmico inclusivo", mas não afirmou se Abdullah ou Karzai fariam parte dele.
O encontro acontece um dia depois da primeira entrevista coletiva do Talibã desde que tomou o poder. Na terça-feira, o grupo transmitiu uma mensagem de reconciliação e unidade em um país no qual declarou uma "anistia geral", o fim das drogas e a permissão para que as mulheres trabalhem.
"Não queremos que ninguém saia do país, este é o seu país, esta é a nossa pátria comum, temos valores em comum, uma religião em comum, uma nação. Há uma anistia geral, então não haverá hostilidades", afirmou o principal porta-voz talibã, Zabihulla Mujahid, que pela primeira vez em décadas apareceu publicamente.
Depois das cenas de caos no aeroporto de Cabul desde a entrada dos talibãs na capital no domingo, Mujahid, em tom de reconciliação, disse que ninguém deveria ter medo de ficar no Afeganistão, mesmo que tivessem lutado contra eles ou trabalhado com o inimigo durante os 20 anos de guerra.
"Perdoamos todos em prol da estabilidade no Afeganistão. Todas as partes, de A a Z, foram perdoadas", anunciou o porta-voz, que apesar da contundente vitória disse que o grupo chega ao poder sem "arrogância".
Ceticismo
Embora o grupo tente se mostrar mais moderado em relação ao período em que governou o país, de 1996 a 2011, o movimento ainda é visto com muito ceticismo pela comunidade internacional e pelos moradores mais velhos do Afeganistão, que se lembram das visões islâmicas ultraconservadoras que estiveram em vigor.
Em declaração conjunta, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Austrália, Colômbia e Canadá, entre outros, afirmaram que "mulheres e meninas afegãs, como o resto do povo afegão, merecem viver em segurança e dignidade", citando que "qualquer forma de discriminação e abuso deve ser evitada".
"Estamos profundamente preocupados com as mulheres e meninas afegãs, seus direitos à educação, trabalho e liberdade de movimento. Pedimos àqueles que ocupam posições de poder e autoridade no Afeganistão a garantir sua proteção", acrescentou a declaração.
Em entrevista à rede de notícias Tolo News, um membro da comissão cultural do Talibã disse que o novo governo não quer que as mulheres sejam vítimas, mas sim que estejam na estrutura governamental de acordo com a lei sharia, sem dar detalhes de como a lei islâmica será interpretada.
O grupo começou sua investida para retomar o controle do Afeganistão em maio, após o início da retirada das tropas estrangeiras do país, sobretudo americanas. No último dia 11, o serviço de inteligência dos EUA apontou que os extremistas poderiam tomar a capital em 90 dias, porém a sua queda ocorreu mais rápido do que o esperado.
Após conquistar uma série de capitais provinciais na última semana, os fundamentalistas sitiaram Cabul no último domingo, movimento que fez com que o presidente Ashraf Ghani partisse para o Uzbequistão com sua esposa e dois assessores próximos. Poucas horas depois, o grupo entrou no Palácio Presidencial e fez um pronunciamento à mídia afirmando que tem o total controle sobre o país.
Na última segunda-feira, 16, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que Washington “jamais teve o objetivo de construir um país” no Afeganistão e reiterou que ainda defende veementemente sua decisão de retirar as tropas americanas do país, mesmo que o colapso tenha sido mais rápido do que o esperado.
Um dos líderes do Talibã afirmou que o grupo irá esperar a retirada total das forças estrangeiras antes de criar uma nova estrutura de governo. A China já se disse pronta para ter relações amistosas com os extremistas, ao mesmo tempo que Irã e Rússia já fizeram aberturas diplomáticas.