Por Agência Brasil
Publicada em 09/09/2021 às 08h25
Cerca de 200 pessoas, de nacionalidade americana e de outros países, devem sair nesta quinta-feira (9) do Afeganistão, em voos charter que vão partir do aeroporto de Cabul. Ainda não se sabe se os estrangeiros que partem agora estavam entre as centenas de pessoas concentradas há dias no aeroporto de Mazar-i-Sharif, onde continuam seis aviões na pista, mas sem autorização para levantar voo.
A saída dos civis estrangeiros, que não conseguiram partir do Afeganistão durante a ponte aérea das últimas duas semanas de agosto – período durante o qual foram transportadas 124 mil pessoas –, foi anunciada por um representante do governo norte-americano.. A fonte, que pediu anonimato, disse que a partida foi autorizada pelos talibãs após pressão do representante especial dos Estados Unidos (EUA) Zalmay Khalilzad.
Esta será a primeira vez que voos internacionais são organizados a partir do aeroporto de Cabul, desde que os militares estrangeiros deixaram o Afeganistão no final de agosto, na sequência da tomada da capital pelos radicais islâmicos.
O anúncio foi feito dois dias após a apresentação do governo interino, que não correspondeu às expectativas da comunidade internacional. O governo interino afegão é composto principalmente por homens da etnia pashtun, incluindo suspeitos de terrorismo e radicais islâmicos. A composição do governo foi interpretada pelos governantes ocidentais como mais um sinal de que os talibãs não pretendem adotar uma atitude moderada, como prometeram antes da saída dos militares estrangeiros.
O anúncio da composição do novo governo afegão mereceu declarações de desapontamento da União Europeia e a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki afirmou que os talibãs não são membros respeitados da comunidade internacional.
Proibição de protestos
O ministro afegão da Administração Interna é procurado, por atividade terrorista, pelos Estados Unidos, que oferecem recompensa de US$ 10 milhões por Sirajuddin Haqqani. Pelo ministro dos Refugiados e Repatriamento é oferecida uma recompensa de US$ 5 milhões. Outros elementos do novo governo afegão estiveram detidos em Guantánamo.
A primeira medida de Sirajuddin Haqqani como ministro foi a proibição de protestos que não tenham sido devidamente autorizados pelo regime, caso contrário incorrem nas “mais graves consequências legais”.
Essa proibição surge depois de várias manifestações terem ocorrido em diferentes cidades afegãs, incluindo Cabul e Badakhshan, nessa quarta-feira, muitas lideradas por mulheres. O protesto na cidade de Herat, que reuniu centenas de pessoas, terminou com a morte de duas.
“Um governo sem mulheres é uma falha”, era uma das frases de um cartaz em Cabul. “O governo foi anunciado e não inclui mulheres nos gabinetes. Alguns jornalistas que cobriram os protestos foram detidos e levados para a polícia”, disse uma mulher citada pelas agências internacionais.
Pouco depois, o novo ministro dizia que era preciso ter uma autorização com 24 horas de antecedência, antes de convocar uma manifestação, de modo a evitar distúrbios e garantir a segurança.
Nesta quinta-feira, o vice-diretor da Comissão Cultural talibã, Ahmadullah Wasiq, declarou à televisão australiana SBS News que as mulheres afegãs não estão mais autorizadas a jogar cricket e, possivelmente, nenhum outro esporte.
“O Islã e o Emirado Islâmico não permitem que as mulheres joguem cricket ou outros desportos em que fiquem expostas”, explicou Ahmadullah Wasiq. Segundo ele, as mulheres “não precisam de desporto. Ficarão expostas e não seguirão o código de vestuário e o Islã não permite isso”, acrescentou, Para ele, os valores do Islã são devem ser aplicados mesmo que o país sofra “ameaças ou problemas”.
O Comitê Australiano de Cricket reagiu com a ameaça de desmarcar o jogo contra a equipa masculina. Contudo, na última terça-feira (7), após semanas de silêncio, o líder supremo Hibatullah Akhundzada declarou que o governo deve sobretudo fazer respeitar a lei islâmica. Akhunzada não se referiu em particular às mulheres.
Líderes antitalibãs
A ordem para o fim dos protestos também surge depois do anúncio da vitória sobre os opositores no Vale de Panchir, ao norte da capital. Contudo, Ahmad Shah Massoud e o antigo vice-presidente afegão anunciaram que ainda continuam na região e a resistir aos talibãs.
“Ahmad Massoud e Amrullah Saleh não fugiram para o Tajiquistão. A notícia de que Ahmad Massoud teria fugido de Panchir é falsa; ele está no Afeganistão”, disse o ex-representante do governo afegão no Tajiquistão, citado pelas agências internacionais.
“Estou em constante contato com Amrullah Saleh, que está atualmente no vale de Panchir e lidera o governo da República do Afeganistão”, declarou Zahir Aghbar, em Duchambé. Aghbar é muito crítico em relação à atuação do ex-presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, por considerar que ele facilitou os avanços dos talibãs pelo país.
Ex-presidente
Em mensagem no Twitter, o ex-presidente do Afeganistão explicou a fuga do país quando, em 15 de agosto, os talibãs avançavam sobre Cabul.
Ashraf Ghani considera que a saída do país foi a única maneira de evitar o confronto armado e de garantir a segurança dos habitantes da capital. “Saí por insistência da segurança do palácio que me avisou que, caso ficasse, corria o risco de deflagrar a mesma luta rua a rua que a cidade sofreu durante a guerra civil dos anos 90”, escreveu.
“Deixar Cabul foi a decisão mais difícil da minha vida, mas eu acreditava que era a única maneira de manter as armas em silêncio e salvar Cabul e os seus 6 milhões de habitantes”, afirmou.
Ashraf Ghani garantiu que “nunca foi sua intenção abandonar o povo” do Afeganistão. Negou veementemente as acusações “infundadas” de ter fugido “com milhões de dólares do povo afegão. Essas acusações são completa e categoricamente falsas”. A fuga de Ghani foi muito criticada por outros políticos afegãos e rapidamente se espalharam rumores de que teria levado quase US$ 170 milhões para os Emirados Árabes Unidos.
“A corrupção é uma praga que tem paralisado o nosso país ao longo de décadas, e a luta contra a corrupção tem sido o foco dos meus esforços como presidente. Herdei um monstro que não pode ser facilmente ou rapidamente derrotado”, acrescentou Ghani, de 72 anos, ex-funcionário do Banco Mundial.
O antigo presidente afegão se dispôs a ter suas contas familiares auditadas pelas Nações Unidas ou outras organizações independentes.