Por AFP
Publicada em 20/09/2021 às 08h58
Reino Unido e Estados Unidos tentaram neste fim de semana apaziguar sua aliada França, enfurecida com o anúncio de uma aliança estratégica entre esses dois países e a Austrália, que inclui a transferência de submarinos com propulsão nuclear para Canberra.
"O presidente [Joe] Biden pediu para falar com o presidente da República [Emmanuel Macron] e vai acontecer uma conversa telefônica nos próximos dias", disse o porta-voz do governo francês Gabriel Attal no domingo.
"Queremos explicações" sobre algo que "parece ser uma grande quebra de confiança", acrescentou Attal à BFMTV.
A decisão da Austrália de quebrar um contrato para a compra de submarinos franceses em favor de navios com propulsão nuclear norte-americana gerou indignação em Paris.
Macron convocou os embaixadores franceses em Canberra e Washington para consultas, em um gesto sem precedentes.
O vice-primeiro-ministro australiano, Barnaby Joyce, assegurou nesta segunda-feira que seu país "não precisa mostrar afinidade e afeto" pela França, porque tem "dezenas de milhares de australianos que morreram em solo francês ou protegendo solo francês" nas duas guerras mundiais.
- Encontro anulado -
Estados Unidos, Austrália e Reino Unido anunciaram na quarta-feira uma aliança estratégica para conter a China, incluindo a venda de submarinos nucleares norte-americanos para Canberra, que tirou os franceses do jogo.
Em resposta, uma reunião agendada para esta semana entre a ministra da Defesa francesa, Florence Parly, e seu colega britânico, Ben Wallace, foi cancelada a pedido da França, de acordo com uma fonte do ministério francês.
Horas depois, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson garantiu que "esta associação não pretende ser exclusiva (...) Não é algo que deva preocupar, em particular aos nossos amigos franceses".
Johnson ressaltou ainda que os dois país têm "uma relação muito amigável" de "imensa importância" e declarou o amor "impossível de erradicar" que seu país tem pelos franceses.
Mais cedo no domingo, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison rejeitou as acusações francesas de que seu governo mentiu sobre a compra dos submarinos.
"Não me arrependo da decisão de colocar o interesse nacional da Austrália em primeiro lugar. Nunca me arrependerei", disse ele.
Os submarinos de propulsão nuclear são mais autônomos do que os de propulsão convencional (diesel e eletricidade) previstos no contrato com a França.
Por sua vez, o ministro da Defesa australiano, Peter Dutton, afirmou no domingo que seu governo foi "franco, aberto e honesto" com a França sobre as preocupações com o acordo, que ultrapassava o orçamento e estava anos atrasado.
"Nunca soubemos das intenções australianas. Suas afirmações são imprecisas", respondeu Parly durante uma viagem oficial ao Níger.
No sábado, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, disse que o caso gerou uma "crise séria".
"Houve uma mentira (...), uma duplicidade (...), uma grande quebra de confiança" e um "desprezo" por parte dos aliados da França, comentou o ministro francês.
Até mesmo a Coreia do Norte reagiu à nova aliança, observando que "são atos extremamente indesejáveis e perigosos que afetarão o equilíbrio estratégico na região Ásia-Pacífico e desencadearão uma corrida armamentista nuclear", segundo a agência de notícias oficial KCNA.
- "Bússola estratégica" -
A França assinou um contrato de 56 bilhões de euros (US $ 67,2 bilhões) em 2016 para vender à Austrália 12 submarinos convencionais, que foi descrito como o "contrato do século" por sua magnitude e importância estratégica.
Le Drian considerou que a crise decorrente da quebra desse contrato irá influenciar a definição do novo conceito estratégico da Otan, embora não tenha mencionado um afastamento da Aliança Atlântica.
"A Otan iniciou uma reflexão, a pedido do presidente da República (Macron), sobre os seus alicerces. A próxima cúpula da Otan em Madri será o culminar do novo conceito estratégico. Obviamente, o que acaba de acontecer terá a ver com essa definição", avançou.
"Mas ao mesmo tempo é preciso que a Europa se dote de uma bússola estratégica, e isso ficará sob a responsabilidade da França no primeiro semestre de 2022", acrescentou o ministro, citando a presidência francesa da União Europeia até 1 de janeiro.