Por AFP
Publicada em 29/11/2021 às 15h34
Desesperada, a mãe implora a um soldado que a deixe entrar no campo onde podem estar os restos mortais de seu filho, um dos 95 mil desaparecidos no México. Um osso bastaria para ter um pouco de sossego.
Técnicos forenses cavam a terra neste lugar acidentado de La Bartolina, um vilarejo no estado de Tamaulipas (noroeste), onde as autoridades encontraram meia tonelada de restos mortais desde 2017.
Mas, no que antes era um milharal, a mulher, que perdeu a pista do filho há quase um ano, encontra viaturas, fitas de isolamento e um militar que controla a entrada.
"Me responde! Você tem filhos? Não ia doer? [...]. Eu só gostaria que um osso do meu filho descansasse ao lado do meu marido, saber que é do meu filho", insiste a mãe. O soldado guarda o silêncio.
La Bartolina fica a poucos quilômetros da cidade de Matamoros (fronteira com os Estados Unidos), mergulhada na violência do narcotráfico e de outras gangues do crime organizado.
A Comissão Nacional de Busca (CNB), órgão oficial que coordena o rastreamento dos desaparecidos, classifica o local como "campo de extermínio" devido ao número de pessoas que ali foram assassinadas e cremadas.
A mãe - que evita dar seu nome - não tem certeza de que os restos mortais do filho estão neste lugar. Mas decidiu ir quando soube que um grupo de mães e parentes realizava buscas por conta própria em razão da "ineficiência" das autoridades.
Rota das drogas para os Estados Unidos e de imigrantes em situação irregular, Tamaulipas registra 11.835 desaparecidos, cifra só superada pelos 14.870 casos do estado de Jalisco (oeste). No total, o México tem 95.121 desaparecidos, segundo dados oficiais divulgados na sexta-feira durante a primeira visita ao país do Comitê da ONU contra o Desaparecimento Forçado.
O fenômeno dos desaparecidos e das sepulturas clandestinas não é novo no México ou na América Latina, onde as vítimas são dezenas de milhares por décadas devido a ditaduras, guerras de guerrilhas e crime organizado.
No entanto, o problema no México se agravou desde 2006, quando o governo do presidente Felipe Calderón (2006-2012) lançou uma ofensiva militar que não conseguiu subjugar os cartéis.
Desde então, o México registrou 300 mil assassinatos, a maioria atribuídos a organizações dedicadas a crimes múltiplos, como tráfico de drogas, contrabando de armas, sequestro, extorsão, contrabando de migrantes e roubo de combustível, conhecido como "huachicol".
"O crime organizado continua sendo a principal causa" da violência, diz Laura Atuesta, do programa de política de drogas do Centro de Pesquisa e Ensino Econômico (CIDE).
O desaparecimento de pessoas está "vinculado à corrupção das forças policiais ligadas ao crime organizado", destacou o subsecretário de Direitos Humanos do governo, Alejandro Encinas, em meados de novembro perante o Comitê da ONU.
Cerca de 75% das vítimas são homens e 25% mulheres, a maioria jovens, segundo a CNB. Muitos em situação de pobreza, que afeta 43,9% da população, cerca de 55 milhões de pessoas.
Nas zonas de conflito entre a polícia e os cartéis, meninas são sequestradas para o tráfico de pessoas, drama retratado no filme "Noche de fuego", da cineasta mexicana-salvadorenha Tatiana Huezo, apresentado nos festivais de Cannes e San Sebastián este ano.
- Carta ao cartel -
Um sol forte castiga La Bartolina. María Isela Valdez, de 58 anos, que chefia o grupo de mães em busca de seus filhos, está indignada com as forças de segurança que a impedem de entrar.
"Por que a Guarda Nacional, o Exército e a Marinha não estavam aqui quando foram trazidos, massacrados, torturados, enterrados e queimados?", pergunta a mulher, que procura seu filho Roberto, sequestrado na vizinha Reynosa em 2014.
María Isela lidera o grupo junto com sua filha Delia, de 38 anos. Em junho de 2019, a mãe se ajoelhou em frente ao presidente esquerdista Andrés Manuel López Obrador clamando por ajuda; Em julho passado, sua filha pediu em nota ao Cartel do Golfo - um dos que dominam a região - uma "trégua" para poder entrar em La Bartolina.
Depois da carta, de protestos no escritório do promotor e negociações para conseguir segurança, Delia e sua mãe conseguiram centrar lá. "Estamos aqui para que a autoridade faça o seu trabalho, porque se sairmos, eles não farão nada", disse Delia à AFP, após obter autorização para que os membros do grupo esperassem sob uma tenda para obter informações sobre os resultados.
O dia corre lento e exaustivo, com temperaturas de até 40°C mal atenuadas pela leve brisa que sopra de um corpo d'água.
Enquanto espera, cobras podem ser ouvidas deslizando por entre árvores e arbustos espinhosos. A área também é sitiada por criminosos.
O segundo dia de trabalho terminou mais cedo do que o esperado devido a confrontos entre policiais e pistoleiros em Matamoros.
As investigações levarão até um ano.
- Guerra contra as drogas -
"As famílias [...] continuam enfrentando um sistema que não lhes dá uma resposta", admite Karla Quintana, chefe do CNB.
Apesar de apontar avanços, Quintana lembra que, no México, 98% dos crimes ficam impunes e existem milhares de corpos não identificados nos necrotérios porque as promotorias estão lotadas.
"O grande problema são as promotorias", diz Quintana, que, no final de setembro, revelou a descoberta de outro "campo de extermínio" perto de Nuevo Laredo (Tamaulipas).
Ao final da visita de sexta-feira, o Comitê da ONU denunciou um ambiente de "impunidade", bem como de "ineficácia" e "discrição" nas buscas.
Cem pessoas desapareceram durante os dez dias de permanência do Comitê no México, segundo um integrante da delegação.
O presidente López Obrador reconhece que o problema dos desaparecidos é o "legado mais doloroso" que seu governo, que teve início em dezembro de 2018, enfrenta.
Desde março de 2019, "foram 2.300 dias de buscas realizadas pela Comissão Nacional de Busca, juntamente com os familiares", segundo a Subsecretaria de Direitos Humanos.
Em geral, esses desaparecimentos despertam indiferença na sociedade mexicana, acostumada a conviver com a violência. Em contraste, o caso de 43 alunos da escola rural de Ayotzinapa, no estado de Guerrero, no sul, causou grande indignação dentro e fora do México.
Eles desapareceram na noite de 26 de setembro de 2014, após serem detidos por policiais aliados de traficantes de drogas, e apenas os restos mortais de três deles foram identificados. O motivo do crime, ocorrido quando os estudantes estavam em um ônibus para participar de um protesto, também não está claro.
Segundo uma das hipóteses, o veículo estaria carregado com drogas do cartel Guerreros Unidos, sem que os jovens soubessem.
- Morta na busca -
A AFP também observou as buscas na cidade de Hermosillo (Sonora), onde, todas as semanas, Milagros Valenzuela se arma com pás e picaretas para encontrar seus irmãos Alejandro e Marco Antonio, desaparecidos em 2015 e 2019, respectivamente.
Nesses dias, ela e o grupo que lidera são vigiados pela polícia. O medo é mais do que fundado: em julho, sua colega Aranza Ramos, de 28 anos, que procurava seu marido Brayan Celaya, foi morta a tiros em sua casa na vizinha Guaymas. Não se sabe se o assassinato está relacionado ao trabalho de busca da jovem.
O escritório de Direitos Humanos da ONU pediu ao México que investigasse o caso.
As mulheres se encontram no início da manhã em um posto de gasolina em Hermosillo. Uma delas, que procura o filho desaparecido há quatro anos, vê nos dias de buscas uma terapia contra a depressão; outras recarregam as baterias com camaradagem e humor.
"E para que é isso?", pergunta um policial que as acompanha, apontando uma picareta. Todas desatam a rir. Mas o bom humor rapidamente dá lugar à frustração.
"O mais difícil é ir com a esperança de encontrá-lo e voltar para casa de mãos vazias", confessa Milagros.
Seu grupo pede publicamente aos criminosos que não sumam com os corpos. "Se já tiraram a vida deles, por que os enterram? Por que os queimam?". "Infelizmente, as autoridades dizem que sem corpo não há crime".
Ir com proteção policial não as livra de riscos. Num segundo dia de buscas, Milagros tem certeza de que em um campo próximo pode ter corpos em razão da presença de urubus.
Mas os agentes alertam sobre tiroteios no município vizinho de Pitiquito, que deixaram quatro mortos.
A promotoria de Sonora garante que acompanha os esforços de busca desde a criação do primeiro coletivo do estado, para o qual contratou especialistas e equipes forenses.
Com denúncias permanentes de infiltração de criminosos nas organizações de segurança, o trabalho dos investigadores implica um alto risco.
A argentina Mercedes Doretti, da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF, independente), denunciou ter sido espionada pela extinta Procuradoria Geral do México durante seu trabalho sobre desaparecimentos, junto com uma advogada e uma jornalista.
Apesar disso, Anel Robles, amiga de Milagros, está determinada a continuar a busca por seu marido, que desapareceu nas mãos da polícia.
"Se não procurarmos por eles, quem vai?"
A mulher diz que seus filhos pequenos gostariam de ajudá-la a encontrá-lo. "O menino pergunta todos os dias: 'Esses homens que roubaram meu pai, você não têm o número deles? Para que me devolva'".