Publicada em 31/12/2021 às 09h03
Milhares de sudaneses voltaram às ruas nesta quinta-feira (30) para exigir um governo civil nesse país africano controlado pelo Exército. As autoridades, que respondem aos protestos com gás lacrimogêneo, cortaram as comunicações via telefone e pela internet numa tentativa de dissuadir os manifestantes que bloqueiam a capital Cartum.
A cada nova convocação dos simpatizantes do poder civil para se manifestar contra o general Abdel Fattah Al Burhan, que liderou um golpe militar em 25 de outubro, as autoridades põem em prática novas técnicas de dissuasão. O corte da Internet foi usado durante semanas e contêineres bloqueavam as pontes de acesso à capital do país nos protestos do último sábado (25).
Nesta quinta-feira (30), as forças de segurança instalaram câmeras nas principais ruas de Cartum, onde os manifestantes deveriam se reunir. Os militares também cortaram as linhas de telefone pela primeira vez.
Nada disso impediu que milhares de pessoas tomassem as ruas aos gritos de "Não ao poder militar" e "Militares para o quartel!". Protestos foram registrados em Cartum e em outras cidades do país, como Kessala e Porto Sudão, no leste, e Madani, ao sul da capital.
A poucas centenas de metros do palácio presidencial de Cartum, ocupado pelo conselho soberano dirigido pelo general Burhan, as forças de segurança lançavam gás lacrimogêneo contra a multidão.
Na capital, uma manifestante disse às agências de notícias que protesta "pela queda do poder militar" e principalmente "contra o acordo político", um texto que recentemente permitiu ao primeiro-ministro civil Abdalá Hamdok sair da prisão domiciliar e ao general Burhane permanecer à frente das autoridades de transição por mais dois anos.
Para outro manifestante em Cartum, os civis nunca deveriam ter aceitado se juntar à "união sagrada" de 2019. Naquela época, a rua e sua "revolução" obrigaram os generais a destituir um dos seus, o diretor Omar al Bashir. Na cosião, civis e militares decidiram liderar juntos o país até a democracia. "Entrar em acordo com os militares foi um erro desde o início", afirma um manifestante.
Um dos países mais pobres do mundo
Na quarta-feira (29), a embaixada dos Estados Unidos pediu uma "contenção extrema do uso da força", após a morte de pelo menos 48 manifestantes e das centenas de pessoas feridas em dois meses de protestos contra as autoridades golpistas. Washington também pediu aos militares para evitarem as "detenções arbitrárias", depois que os ativistas anunciaram novas operações de busca e apreensão em seus domicílios na noite anterior aos protestos.
Entre bombas de gás lacrimogêneo, tiros para o alto – com munição real – e agressões com pedaços de madeira para dispersar a multidão, 235 pessoas ficaram feridas no sábado (25) na manifestação nacional, segundo um sindicato de médicos pró-democracia. Em 19 de dezembro, dia do terceiro aniversário da "revolução" que forçou os generais a destituírem um dos seus, o ditador Omar al Bashir, as forças de segurança foram acusadas pela ONU de terem agredido os manifestantes.
Após tomar o poder pela força, o general Burhan restabeleceu Abdallah Hamdok como primeiro-ministro civil. Foi reintegrado, porém, somente depois de aceitar reconhecer a situação instalada após o golpe, ou seja, a ampliação do mandato de Burhan por dois anos.
Apesar disso, até hoje o Sudão continua sem um governo propriamente dito, condição crucial para a retomada de uma ajuda internacional vital para este país, um dos mais pobres do mundo.