Publicada em 17/12/2021 às 10h09
Se é para mostrar força, Vladimir Putin sabe como fazer. Imagens aéreas e fotos em trincheiras ostentam o poder bélico que o presidente da Rússia concentrou estrategicamente em Yelnya, cidade a meio caminho entre Moscou e as fronteiras da Belarus, sua aliada, e da Ucrânia, país que pode ser invadido a qualquer momento. O presidente russo teria enviado 175 mil soldados, divididos em 100 batalhões, prontos para o caso de o plano ofensivo ser acionado, segundo analistas. Putin, ao mesmo tempo em que deixa a ameaça no ar, desmente a intenção de ataque, justificando que se trata apenas de uma ação defensiva. É o que repetiu na videoconferência de duas horas que teve com o presidente Joe Biden, em 7 de dezembro.
O americano não acredita nas boas intenções de Putin. Os EUA se mostram a postos para reagir. No início de dezembro, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, participou em Estocolmo de reunião da OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa), que reúne 57 países da Europa, Ásia Central e América do Norte e promove monitoramento especial na Ucrânia. Disse que advertiu sobre possíveis sanções econômicas graves no caso de nova invasão militar, em conversas com os ministros das Relações Exteriores da Rússia (Serguei Lavrov) e da Ucrânia (Dmitro Kuleba). Lembrou que toda essa movimentação “já foi vista em 2014”.
Naquele ano, a Rússia anexou a Crimeia, tomada da península ucraniana com o custo de 14 mil vidas. Desde então, as tensões continuam, em cenas de trincheira e frio que lembram a Primeira Guerra Mundial, em cidades como Avidiivka, na região separatista de Donestski. Ali, estão em alerta máximo, a apenas 50 metros de distância, o Exército ucraniano (que já recebeu milhões de dólares em armamento dos EUA) e os separatistas pró-Rússia (inflados por Putin).
O presidente russo, que tem aumentado a perseguição a adversários internos em níveis que lembram a antiga União Soviética, argumenta que a segurança de seu país correria risco se a Ucrânia se filiasse à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Seria inaceitável, justifica, seu vizinho servir como base para mísseis da aliança ocidental e ponte para expansão da OTAN ao Leste europeu.
Na prática, tenta inutilmente conter a perda de influência do seu país sobre antigos territórios ocupados. De fato, 70% da população da Ucrânia já se declararam favoráveis à entrada na União Europeia e 56%, na OTAN. Essa foi a bandeira para a eleição, há dois anos, do presidente Volodymyr Zelensky, que não tem compromissos com Putin, ao contrário de Aleksandr Likashenko, o ditador da Belarus que é aliado do russo.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia, que já havia criticado a OTAN por exercícios militares no vizinho Mar Negro, acusou a Ucrânia de mandar 125 mil soldados para a região de fronteira. Daí a contrapartida russa. O argumento de “autodefesa” é visto com desconfiança por especialistas.
Biden tenta retomar o protagonismo internacional de seu país depois das ações erráticas de seu antecessor e da desastrada retirada das tropas americanas no Afeganistão. Na videoconferência do dia 7, arranjada às pressas e a portas fechadas com Putin, teria dito que os EUA seguem “inabaláveis” no apoio à integridade territorial da Ucrânia e que podem trabalhar com aliados europeus para “impor custos e consequências graves à Rússia no caso de agressão militar”. Também disse que advertiu sobre sanções que os EUA e seus aliados estariam prontos a tomar, sugerindo barrar as negociações para a abertura do gasoduto Nord Stream 2, que dobraria a exportação do combustível russo à Europa.
Líder chinês no jogo
A tensão na região cresce. O russo pediu uma reunião urgente com EUA e membros da OTAN. Ao mesmo tempo, marcou uma conversa com seu principal aliado internacional, o líder chinês Xi Jingping — que é o maior rival de Biden no exterior. Assim, puxou uma peça nova — e importante — para o jogo de quebracabeça do conflito.
Enquanto Biden tenta se mostrar vitorioso no pós-conferência com o russo, Putin não dá sinais de que recuará sobre o veto à entrada da Ucrânia na OTAN. O G7 se posicionou, dizendo que haverá consequências graves se ocorrer uma agressão ao país. Mas há dúvidas se os EUA de fato têm determinação para agir, ou mesmo capacidade de liderar seus antigos aliados europeus, que foram tão maltratados por Donald Trump. Os ucranianos, por enquanto, torcem para que as potências internacionais mantenham a disputa apenas no plano retórico.