Publicada em 05/01/2022 às 08h59
Breno de Paula: Advogado Tributarista, Doutor e Mestre em Direito (UERJ), Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
O Estado de Rondônia não regulamentou (não editou lei específica) e só poderá cobrar o diferencial de alíquota de ICMS nas vendas interestaduais a consumidor final a partir de 2023.
Com efeito. O Projeto de Lei Complementar 32/2021, que tratou da matéria após expressa determinação do Supremo Tribunal Federal, foi definitivamente aprovado no dia 20 de dezembro de 2021.
Chega ser até vetusto que as normas referentes ao ICMS só entram em vigor após cumpridos dois marcos temporais contados a partir da sua publicação: a virada do ano e o intervalo de 90 dias (CF, artigo 150, inciso III, alíneas "b" e "c").
Todavia a Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia não instituiu lei local - ainda em 2021 - regulamentando a referida lei complementar federal o que impede a cobrança do diferencial do ICMS agora em 2022.
A matéria é pacífica no âmbito do Supremo Tribunal Federal e já foi decidida em sede de repercussão geral sedimentada no Tema 1094.
O tema (lei local anterior a lei complementar) foi tratado no âmbito do Recurso Extraordinário nº 1.221.330 que analisou a constitucionalidade de norma estadual (Lei Estadual nº 11.001/2001 de São Paulo).
Essa norma permitia a cobrança do ICMS em importações realizadas por contribuintes não habituais e tinha sido publicada antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 114/02.
Referida Lei Complementar é a norma que regulou essa cobrança do ICMS, autorizada pela Emenda Constitucional nº 33/01.
Antes do advento da citada emenda, a Carta Maior não permitia a incidência do ICMS na situação acima mencionada. Surgiu a necessidade de editar Lei Complementar em respeito ao fluxo de positivação ditado pela Constituição Federal no âmbito tributário: a Constituição autoriza a incidência do imposto, em seguida Lei Complementar regulamenta suas diretrizes e, por fim, norma local estabelece a cobrança naquela unidade da federação. Assim, a Lei Complementar nº 114/02 surgiu para fundamentar a validade das leis locais que estabelecessem a cobrança do ICMS na hipótese em tela.
E isso é o que rigorosamente se repete, ou deveria repetir, no caso do Difal de ICMS.
A questão fica mais evidente quando se analisa o texto aprovado pelo Congresso Nacional que em seu artigo 3º faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição. Esse dispositivo constitucional prevê o respeito à anterioridade nonagesimal e também afirma que deve ser observado o disposto na alínea b que, por sua vez, trata da anterioridade anual.
Ou seja, por força da Constituição Federal e da própria lei complementar o Estado de Rondônia deveria ter aprovado a sua lei local ainda em 2021 para garantir a cobrança em 2022. Mas não o fez e claudicou e agora só deve cobrar em 2023.
É claro que várias vozes vão defender a desnecessidade da lei estadual por vários motivos.
Mas não devemos transigir com direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. Isso não é producente e não contribui para o bom ambiente de negócios no Brasil.
Por fim, é valida a transcrição do seguinte entendimento: “O princípio da anterioridade da lei tributária – imune, até mesmo, ao próprio poder de reforma constitucional titularizado pelo Congresso Nacional (RTJ 151/755-756) – representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados ao universo dos contribuintes pela Carta da República, além de traduzir, na concreção do seu alcance, uma expressiva limitação ao poder impositivo do Estado. Por tal motivo, não constitui demasia insistir na asserção de que o princípio da anterioridade das leis tributárias – que se aplica, por inteiro, ao IPTU (RT 278/556) – reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes.” (STF, ADI n. 939-7, Rel. Min. Sydney Sanches)