Publicada em 24/03/2022 às 15h56
Considerada estratégica para a ofensiva russa, a cidade portuária de Mariupol vive há semanas sob bombardeios constantes. Escondida em suas casas ou nos porões, a população se protege como pode dos tiroteios entre as tropas russas e ucranianas. A maior parte dos habitantes não tem água, luz ou aquecimento, e precisa recolher água nos telhados ou derreter neve para não morrer de sede.
Moradora de Mariupol, Elena, de 50 anos, conseguiu deixar a cidade após semanas de terror.
“Todos os dias, às 5h da manhã, começavam os bombardeios. Vivemos durante um mês em condições terríveis. Não tínhamos internet, gás, eletricidade, água ou aquecimento dentro de casa. Na rua, os termômetros marcavam -8°C e dentro do apartamento fazia 2°C”, conta a psicóloga em entrevista à RFI.
Além da escassez de comida, a falta de água corrente era um problema diário de sobrevivência. “Nós recolhíamos água do telhado. Às vezes pegávamos até mesmo neve no chão, para derreter e ter água para beber. Era muito difícil ir atrás de outras fontes de água, pois éramos alvo de tiros. Tinha tanto tiroteio que não dava nem para ir até um prédio vizinho”, explica.
O convívio com os barulhos da guerra tornou-se habitual. “Com o passar do tempo, a gente já reconhecia os diferentes tipos de arma. Apenas pelo som dos tiros, sabíamos até se eram tropas russas ou ucranianas que atiravam.”
A ucraniana está agora em Zaporizhia, a 200 quilômetros de sua casa, de onde aguarda um momento de mais tranquilidade para poder voltar e resgatar seus pais, que seguem presos em Mariupol.
“Meu pai tem 74 anos e minha mãe tem 70. Os bairros estão atualmente divididos entre aqueles com tropas russas e aqueles tomados por tropas ucranianas, então é impossível circular pela cidade. Foi por isso que não consegui ir buscar meus pais no momento que deixei Mariupol, era perigoso demais”, lamenta.
Sem sinal de telefone ou internet, Elena não tem notícias dos pais desde 28 de fevereiro. “Eu rezo para que eles ainda estejam vivos. Estou muito triste e preocupada com eles. É por isso que não quero ir para mais longe, espero que a situação se tranquilize um pouco para que eu possa ir buscá-los”, diz.
Apesar dos numerosos resgates organizados nas últimas semanas na cidade por meio de ônibus, a psicóloga conta que a fuga de pessoas idosas ou com dificuldades de mobilidade é muito complicada, e esses acabam ficando para trás.
“Para fugir de ônibus, é preciso chegar ao ponto marcado para a evacuação. Isso é muito difícil para quem não mora perto, ou para idosos que não têm a mesma energia para caminhar por 15 quilômetros, por exemplo. Além disso, sem sinal de internet ou telefone, também é difícil de saber quando e de onde sairão os próximos comboios. E tem muita gente nessa mesma situação em Marioupol hoje", afirma.
Quatro semanas de guerra na Ucrânia
Após um mês da invasão russa, não há informações precisas sobre o número de vítimas da guerra na Ucrânia. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) relata ao menos 925 civis mortos, incluindo 75 crianças, em um balanço divulgado há alguns dias.
Dentre as tropas militares, fontes do Ocidente falam em alguns milhares de mortos entre os russos, número que não é confirmado por Moscou. Do lado ucraniano, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky assumiu 1.300 soldados mortos em 12 de março, soma bastante desatualizada após duas semanas de combates sangrentos.
Por videoconferência em uma cúpula do G7, o presidente ucraniano alertou para uma ameaça real do "uso em grande escala de armas químicas por parte da Rússia no território da Ucrânia". Ele diz que seu governo tem informações sobre o uso de bombas de fósforo pelas tropas russas.
A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) decidiu nesta quinta-feira (24) fornecer aos grupos de combate tático equipamentos para lidar com o uso desse tipo de armamento.