Publicada em 05/04/2022 às 10h27
"Bem diante dos meus olhos, atiraram em um homem que ia buscar comida no supermercado". Em Bucha, Olena relata para a AFP como as forças russas "cruéis", diferentemente das tropas regulares, espalham o terror pela cidade.
Situada a 30 quilômetros ao noroeste do centro de Kiev, a cidade estava ocupada pelo exército invasor desde 27 de fevereiro e ficou inacessível por mais de um mês.
Os bombardeios cessaram em 31 de março, e forças ucranianas conseguiram entrar há apenas alguns dias.
Durante todo o mês de ocupação por parte das forças da Rússia, Olena, de 43, que não quis dar seu sobrenome, refugiou-se com seus filhos de 7 e 9 anos nos porões sem eletricidade de um prédio de quatro andares de moradia social. Outros moradores fizeram o mesmo.
"Não tinha exército ucraniano na cidade, apenas a defesa territorial, composta, principalmente, por seguranças de empresas locais, sem armas, que depois fugiram" quando os russos chegaram, disse ela à AFP.
"No início, os soldados [russos] eram, sobretudo, jovens. Duas semanas depois, outros chegaram. Mais velhos, tinham mais de 40 anos. Eram cruéis. Maltrataram todo mundo. E foi aí que começaram os massacres", acrescenta.
A Rússia negou "categoricamente" todas as acusações vinculadas à descoberta de inúmeros corpos de civis neste município.
- "Corpos sobre o sangue" -
Segundo Olena, os homens mais experientes "estavam muito bem equipados, usavam uniformes nas cores preto e verde-escuro", diferentes do do Exército padrão.
"Havia bons meninos entre os soldados russos, e havia homens muito rudes, principalmente oficiais do FSB (sigla em inglês para Serviço Federal de Segurança russo)", afirma Olena, de gorro vermelho, jaqueta de lã, calça de moletom e tênis.
"Me aproximei dos soldados para perguntar o que faria para alimentar meus filhos. Eles nos deram comida. Foram eles que nos disseram que era o FSB que proibia a gente de se deslocar, que eram forças especiais muito violentas. Eram russos falando isso dos russos", completou.
"Eu mesma vi como eles atiravam nas pessoas. Bem diante dos meus olhos, atiraram em um homem que ia buscar comida no supermercado", relatou.
Apenas as mulheres podiam sair para buscar água, ou comida. Os homens foram obrigados a ficar em casa.
"Nossos vizinhos saíram para jogar o lixo fora. Era por volta das 17h. Dois homens e uma mulher. Um dos homens tinha servido no Exército. Não voltaram para casa. Foram encontrados por algumas mulheres do nosso prédio quando elas saíram para buscar lenha no pátio de uma casa. Os corpos jaziam sobre o sangue no chão, com marcas de bala", contou.
"Quando os agentes do FSB chegaram, perguntaram para a gente: 'Por que vocês não foram embora?' Eu disse a ele que vivo aqui há 43 anos, com uma vida tranquila. Ir para onde? Então, começaram a nos tratar como traidores, porque não fomos embora", continuou Olena.
No sábado (2), a AFP viu os corpos de pelo menos 22 pessoas em trajes civis nas ruas de Bucha. Um deles estava deitado perto de uma bicicleta, e outro tinha sacolas de suprimentos ao lado. Um cadáver tinha as mãos amarradas atrás das costas.
Ontem (4), os corpos de cinco homens, também com as mãos amarradas, foram encontrados no porão de uma clínica para crianças, anunciou a Procuradoria-Geral ucraniana.
Segundo o prefeito de Bucha, Anatoly Fedoruk, nestes últimos dias, 280 pessoas foram enterradas em "valas comuns", devido ao alto número de mortes.