Publicada em 18/05/2022 às 14h39
Porto Velho, RO – O juízo da 2ª. Vara do Júri de Porto Velho pronunciou e vai levar a julgamento, S. P. C., de 31 anos, pela acusação do feminicídio da jovem G. E. S. de J. V., de 20 anos, ocorrido em março do ano passado, na residência onde moravam, no bairro Mariana, zona Leste da Capital.
A jovem foi ´encontrada´ morta dentro do quarto com um tiro na cabeça pelo próprio S. que alegou: a vítima teria se matado após os dois brigarem.
Ele disse que o motivo da briga foi por ciúmes, pois viu a companheira se beijando com outra em uma distribuidora de bebidas, onde confraternizavam com amigos horas antes do crime.
Todos os amigos que estavam com ele na distribuidora e a suposta ´amiga´ disseram não ter visto qualquer cena do beijo com outra mulher. Essa ´amiga´ também foi ouvida e negou que tenha beijado E.
Uma testemunha disse à Polícia que o acusado estava armado, e outra disse que o acusado era muito possessivo.
A perícia, no entanto, "jogou por terra" a versão de suicídio. Para isso, a Delegacia de Crimes Contra a Vida realizou uma simulação do crime com o próprio acusado para tirar conclusões técnicas que acabaram incriminando S. P., dentre elas a presença de uma segunda pessoa no local do crime (o quarto do casal).
Veja trecho do laudo pericial:
“A pessoa alvejada se encontrava deitada sobre a cama com a arma de fogo em punho quando da realização do disparo; Após recebido o tiro, seu braço esquerdo deslizou para a lateral esquerda da cama, quando a arma caiu na região onde foi encontrada; Foi denotada a presença de outra pessoa no local que realizou a manipulação e aparentemente limpeza de alguns pontos do cadáver, não sendo possível determinar sua participação ou não no evento.
Após manipular o cadáver, esta outra pessoa saiu do local, fato evidenciado pelas impressões de pés descalços aderidas com sangue no piso indo em direção à porta do quarto e as manchas e gotas verificadas sobre o piso do quarto e da sala; como havia outras impressões de solado de calçado aderidas com sangue, fica evidenciado que esta ou outra pessoa adentrou ao quarto em dois momentos diferentes, não se podendo precisar em quais circunstâncias e o momento exato.
Em que pese informações coletadas no local que a vítima tratava-se de pessoa habilmente destra, é possível o uso da mão esquerda no ato de auto disparo (suicídio) uma vez que a arma de fogo utilizada possui gatilho leve com muita sensibilidade, sendo manipulável para ambas as mãos quando não houver a necessidade de precisão nos disparos.
Assim, como se pode observar, o conjunto dos elementos materiais presentes no local contempla a hipótese de suicídio, como por exemplo, a ausência de desalinho no local, manchas escuras compatíveis com esfumaçamento na mão esquerda da vítima, além de gotas e manchas de sangue e gotas satélites impregnadas na base do carregador e na parte inferior da arma de fogo durante o escorrimento de sangue do ferimento.
De outro modo, desde que a pessoa alvejada tenha levado sua mão esquerda em direção à arma numa tentativa de defesa, por exemplo, não pode ser descartada a hipótese da ocorrência de homicídio, uma vez que havia outra pessoa no local, fato corroborado pela manipulação do cadáver e manchas de sangue e impressões de pegadas aderidas ao piso com sangue; além disso, havia a presença de diversos vasilhames vazios de bebidas alcoólicas consumidas também pela pessoa alvejada, segundo informações colhidas no local; assim, esta estaria sob efeito de álcool, o que pode ter contribuído para o comprometimento de seu estado de consciência minimizando seus reflexos e sua capacidade de reação mediante uma agressão para posterior simulação de suicídio, fato que, se realmente ocorreu, teria de ter sido feito em um intervalo pequeno, antes da maioria do sangue escorrer do ferimento devido aos motivos explanados no item 5.1.
Destarte, considerando os fatos assinalados, a determinação da diagnose diferencial restou prejudicada uma vez que houve manipulação do cadáver bem como não foi possível a realização de exame residuográfico devido à indisponibilidade do material de coleta bem como do equipamento necessário para tal exame, impossibilitando ao Perito concluir categoricamente quem teria pressionado a tecla do gatilho da arma de fogo culminando com o evento morte”.
Segundo o Juízo, caberá ao Tribunal do Júri confirmar a tese ou não de suicídio, apesar das provas levantadas pela perícia indicarem que houve um feminicídio.
“(...) se foi o acusado o autor do feminicídio – ou se a vítima suicidou-se –, cabe aos jurados decidir, não se podendo aqui emitir juízos de valoração a respeito das provas, cabendo apenas constatar sua existência e suficiência para remessa ao júri. Noutro norte, registro que deve ser mantida a incidência da qualificadora do motivo torpe, tendo em vista que há nos autos – frente a prova oral produzida – indícios consistentes no sentido de que o acusado via a vítima como seu objeto e nutria sentimento de posse em relação a ela", anotou o magistrado.
Ele prosseguiu:
"Do mesmo modo, verifico que não há como excluir a qualificadora do feminicídio uma vez que, no caso dos autos, o crime praticado decorreu, em tese, de agressão de homem contra mulher, aparentemente em um contexto de violência doméstica e familiar (vítima e acusado mantinham um relacionamento amoroso), ficando, assim, a cargo do Conselho de Sentença decidir se a vítima estava em uma situação de fragilidade pelo gênero que possui".