Publicada em 17/05/2022 às 09h16
Porto Velho, RO – O juiz de Direito Fábio Batista da Silva, da Vara Única de Costa Marques, condenou um servidor público pela prática de improbidade administrativa.
O caso foi levado ao Ministério Público de Rondônia (MP/RO) por um vereador local. O homem estaria “desviando” o dinheiro da confecção de 2ª via da Carteira de Identidade (RG).
Cabe recurso da sentença.
“Compulsando detidamente os autos, verifico que a prática execrável narrada na exordial deveras ocorreu. Extrai-se dos autos que o requerido é servidor efetivo do Município de Costa Marques, exercendo sua função como único responsável pelo setor de emissão de carteiras de identidade, se beneficiado com o pagamento das taxas de 2ª via da emissão de carteira de identidade, vez que induzia a erro as pessoas dos usuários que solicitavam aquele serviço público”, diz o magistrado em trecho da decisão.
O sujeito restou condenado ao pagamento de multa de dez vezes o valor da remuneração percebida, ou seja, R$ 106,00 (cento e seis reais).
“Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários, haja vista que não são devidos ao Ministério Público, de acordo com o art. 18 da Lei 7.347/85”, completou.
E encerrou o Juízo:
“Havendo Interposição de recurso de apelação, após cumpridas das formalidades previstas nos §§ 1º e 2º do art. 1.010 do Novo Código de Processo Civil, DETERMINO remessa dos autos ao Tribunal. Após o trânsito em julgado, expeça-se ofício ao Tribunal Regional Eleitoral, informando quanto à suspensão dos direitos políticos aplicada aos requeridos e proceda inclusão dos condenados no Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa”, finalizou.
SENTENÇA:
I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA propôs Ação Civil Pública contra atos de Improbidade Administrativa em desfavor de [...], devidamente qualificado nos autos, imputando-lhe a prática de ato de improbidade administrativa que ensejou enriquecimento ilícito, importou dano ao erário e atentou contra os princípios da administração pública, com fulcro nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, ensejando-lhe as sanções do art. 12 da Lei 8.429/92.
Segundo consta da inicial, chegou ao conhecimento do Ministério Público, por meio de diversos atendimentos realizados, que no decorrer do ano de 2019, o requerido [...], servidor efetivo do Município de Costa Marques, exercendo suas funções como responsável pelo setor de emissão de carteira de identidade, teria se apropriado de valores inerentes a pagamentos de taxas de 2ª via de emissão de carteira de identidade, induzindo a erro as pessoas dos usuários que solicitavam aquele serviço público.
Narrou, o Órgão Ministerial, que na época dos fatos, o valor do tributo era de R$ 106,00 (cento e seis reais), porém o requerido, por vezes, cobrava quantia superior, sendo que, em algumas oportunidades recebia a monta em mãos ou solicitava aos contribuintes que realizassem depósitos na conta da pessoa de [...], morador de Natal/RN, todas estas, em seu benefício.
Concluiu que a conduta do requerido caracteriza ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito, vez que apropriou indevidamente de valores aos quais não fazia jus, recebendo em mão, ou em depósito para terceiros, os valores relativos às taxas de emissão de segunda via de cédula de identidade e não repassando ao ente público, na forma disposta no artigo 9º, caput, da Lei Federal n. 8.429/92.
Defendeu, ademais, a ocorrência de lesão ao erário, em razão das facilidades proporcionadas pelo cargo que ocupava, visto que, na condição de único responsável pelo setor, realizava as tratativas e percebia os valores, induzindo os solicitantes ao erro, de modo que não os orientava que o pagamento deveria ser realizado via DARE, a teor do artigo 10 da aludida Lei de Improbidade Administrativa.
Em razão disso, pugnou: I) pela condenação do requerido; II) pelo reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa que importou enriquecimento ilícito (art. 9º, caput), causou prejuízo ao erário (art. 10, caput), condenando-o às sanções cominadas no artigo 12 da LIA.
A inicial veio instruída com os documentos que formaram o PIC n. 29/2019/1ª/PJCM.
Foi determinada a notificação da parte requerida para apresentação de manifestação escrita, nos termos do artigo 17, § 7º da Lei de Improbidade Administrativa (id. 43200827).
Notificado (id. 44843702), o demandado não apresentou defesa prévia no prazo legal, deixando transcorrer in albis.
A decisão (id. 51043662) recebeu a inicial, tendo em vista a alteração normativa advinda com a Lei 13.964/19, deu-se vista dos autos ao Ministério Público para se manifestar acerca da possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível, nos termos do art. 17, §§ 1º e 10-A, da Lei 8.429/92, em caso da celebração de acordo eventualmente proposto pelo Parquet, determinou a intimação do requerido a fim de se pronunciar acerca da proposta. Por fim inexistindo o oferecimento de solução consensual por parte do órgão ministerial, determinou a citação do réu para apresentação de contestação.
O Ministério Público, não ofertou a celebração de ANPC, vez que a eventual celebração partiu do juízo e não do interessado, evidenciando haver falta de interesse na consensualidade, o que seria imprescindível.
Citada, a parte requerida não apresentou contestação, deixando transcorrer in albis o prazo para defesa.
Em seguida, o Município de Costa Marques manifestou pelo não interesse em integrar a lide (id. 61645178).
Instadas, as partes, acerca das provas que prendiam produzir, nada requereram.
Vieram-me os autos conclusos.
Relatei sucintamente. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
O feito observou tramitação regular. Presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válidos do processo, além de reunidas as condições da ação.
DO MÉRITO:
No mérito, a ação é totalmente procedente.
Sabe-se que a improbidade na administração verifica-se quando se praticam atos que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração, definidos no artigo 37, § 4º, da CF, entre os quais está incluída a moralidade, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, além de outros que, mesmo não apontados, explicitamente, no citado dispositivo, mas distribuídos por todo o texto constitucional, também se aplicam à condução dos negócios públicos.
Assim, podemos conceituar o ato de improbidade administrativa como sendo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no modo de proceder perante a administração pública direta, indireta ou fundacional, nas três esferas políticas.
Assim, o agente público incide na prática de atos de improbidade administrativa se houver agido com dolo ou com culpa de natureza gravíssima, que impliquem no desrespeito aos Princípios da Administração Pública, conduzindo a um dano efetivo à coletividade.
A este respeito, leciona a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro:
Note-se que essa lei definiu os atos de improbidade em três dispositivos: no artigo 9º, cuida dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito; no artigo 10, trata dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário; e no artigo 11, indica os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração púbica. Entre esses últimos, alguns são definidos especificamente em 7 incisos; mas o caput deixa as portas abertas para a inserção de qualquer ato que atente contra “os princípios da administração pública ou qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Vale dizer que a lesão ao princípio da moralidade ou a qualquer outro princípio imposto à Administração Pública constitui uma das modalidades de ato de improbidade. Para ser ato de improbidade, não é necessária a demonstração de ilegalidade do ato; basta demonstrar a lesão à moralidade administrativa
Compulsando detidamente os autos, verifico que a prática execrável narrada na exordial deveras ocorreu. Extrai-se dos autos que o requerido é servidor efetivo do Município de Costa Marques, exercendo sua função como único responsável pelo setor de emissão de carteiras de identidade, se beneficiado com o pagamento das taxas de 2ª via da emissão de carteira de identidade, vez que induzia a erro as pessoas dos usuários que solicitavam aquele serviço público.
E, o conteúdo probatório dos autos, notadamente o termo de declaração (id. 42718553), mostra-nos que o réu realmente agiu contrariamente ao princípio da moralidade quando solicitou que o contribuinte lhe proporcionasse vantagem econômica indevida, verbis:
(…) Na data de 04/07/19, compareceu nesta Promotoria de Justiça o vereador Clebson Gonçalves da Silva, para denunciar que o servidor da prefeitura, [...], lotado no setor de receitas, a algum tempo vem recebendo em mãos valores de pagamentos de taxas de serviços. Que o referido servidor também pede aos contribuintes que depositem os valores das taxas em conta de terceiros.
Que não é apresentado o boleto para recolhimento de valores em nome da prefeitura. Protocola na oportunidade, cópia de depósito no valor de R$ 106,00, em nome de [...], referente à expedição de Carteira de identidade. Afirma o denunciante que essa prática vem ocorrendo há algum tempo, e que a administração não tomou nenhuma providência.
Também está demonstrado pelos documentos anexados aos autos que as pessoas de [...], [...], [...] e [...], solicitaram junto ao posto de atendimento de Costa Marque no ano de 2019 a confecção de suas carteiras de identidades (1ª ou 2ª via).
Temos, pois, que o requerido [...], a rigor, ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei n. 8.429/92, vez que ficou configurada a má-fé em sua conduta, pois diante do conteúdo probatório amealhado aos autos faz constatar, sem sombra de dúvidas, que o réu, fazendo pouco-caso dos princípios que regem a Administração Pública, vez que o demandado, valendo-se das facilidades que lhe eram proporcionadas pelo cargo que ocupava e da ingenuidade de alguns contribuintes, solicitava o depósito na conta de [...] ou recebia em mãos os valores inerentes às taxas de pagamento de segunda via da Carteira de Identidade, causando prejuízo, além do erário, aos contribuintes, visto que não era dado andamento aos processos, ante a ausência de repasse às FUNRESPOL das taxas pagas pelos contribuintes.
No art. 11 há o contexto aberto de qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Adverte Marcelo Figueiredo, in “Probidade Administrativa - Comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar”, Malheiros Editores, 4ª ed., p. 69, que o rol de condutas da lei é exemplificativo, pois há outras formas de obtenção de vantagens patrimoniais indevidas. “Eis a razão de a lei utilizar-se de conceitos ou fórmulas jurídicas abertas. Pretendeu não esgotar o rol de situações tidas como pertinentes ao conceito de “vantagens indevidas”. Em cada caso concreto, além das disposições específicas dos incisos do art. 9º, deverá o aplicador e intérprete da lei dar-lhe concreção. Nem se diga que tal linha de raciocínio afronta a segurança jurídica, porquanto a partir do conceito de “improbidade” deduz o intérprete as consequências legais”.
E, para a configuração do ato de improbidade administrativa, de consequências gravíssimas para o seu causador, é necessária a prova robusta de ato ilícito e a do elemento subjetivo, qual seja, dolo ou culpa do agente administrativo.
A este respeito, também ensina a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro: “O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins.
Por fim, estando a conduta do requerido tipificada no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, aplicáveis ao mesmo as sanções previstas no inciso III, do art. 12, do mesmo Diploma Legal.
Contudo, na aplicação destas sanções, deve-se levar “em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Assim, e em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cabe-me aplicar as sanções que melhor se amoldem ao caso específico, buscando atingir o fim colimado pela lei, que é, além da sanção em si, impedir a repetição dos atos ímprobos, servindo de exemplo, ainda, a outros agentes públicos, de modo a que não incorram nas mesmas condutas. Ademais, na aplicação da penalidade, devem ser sopesados, também, os rendimentos líquidos auferidos pelo requerido [....];
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, e por tudo o mais que consta dos autos, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA em desfavor de [...], com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC e, por consequência:
I - com fundamento no art. 9º, 10, 11 da Lei 8.429/1992, imponho-lhe as sanções dispostas no art. 12, incisos, III, CONDENAR o requerido [...] 1.a) pagamento de multa de dez vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, ou seja, R$ 106,00 (cento e seis reais). Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários, haja vista que não são devidos ao Ministério Público, de acordo com o art. 18 da Lei 7.347/85.
Havendo Interposição de recurso de apelação, após cumpridas das formalidades previstas nos §§ 1º e 2º do art. 1.010 do Novo Código de Processo Civil, DETERMINO remessa dos autos ao Tribunal.
Após o trânsito em julgado, expeça-se ofício ao Tribunal Regional Eleitoral, informando quanto à suspensão dos direitos políticos aplicada aos requeridos e proceda inclusão dos condenados no Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa.
Com o trânsito em julgado, arquive-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
[...]
Costa Marques-RO, 15 de maio de 2022.
Fábio Batista da Silva
Juiz(a) de direito