Publicada em 19/05/2022 às 14h37
Com a guerra na Ucrânia, o mundo está cada dia mais perto de uma escassez global de trigo. Vítima de uma onda de calor excepcional, a Índia, responsável por ao menos 12% do total das exportações mundiais do cereal, acaba de suspender as vendas para o exterior e, de acordo com o último relatório mensal do Departamento de Agricultura dos EUA, a produção ucraniana terá um corte de um terço até 2022.
Esta queda não poderá ser compensada, já que uma seca severa ocorre em vários dos principais países produtores, além de enchentes terem abalado a produção chinesa. A queda na oferta global leva à diminuição dos estoques e aumenta o espectro da fome nos países pobres.
“A reação indiana era bastante previsível. É por isso que lutamos pela revisão dos sistemas alimentares para uma transição agrícola que estimule a produção local, mais consumo local, e que não estejamos sistematicamente dependentes do transporte internacional em massa, da especulação internacional descontrolada, da decisão de países que querem ou não exportar”, denuncia Patrice Burger, presidente da ONG Center for International Action and Achievement (Cari), especializada em abastecimento alimentar na África. “Sempre que há uma crise, é de se esperar que países inteiros fiquem inadimplentes, como está acontecendo agora em países como Egito, Iraque e na região do Sahel. Na verdade, corremos o risco de ter crises alimentares em massa”, ressalta, em entrevista à RFI.
A geógrafa e economista Sylvie Brunel, professora da Sorbonne, avalia que é “exagerado” falar na crise de abastecimento mais grave da era industrial”, como tem sido apontado por alguns analistas. Mas sublinha que “temos, sim, razões para nos preocuparmos”.
“A explosão dos preços da energia e dos combustíveis faz com que os navios cargueiros não parem mais nos países pobres”, salienta a pesquisadora. “Todos os países que têm um papel estratégico nas exportações alimentares começam a se questionar se não é melhor guardar a produção deles para o mercado interno. Ao mesmo tempo, países fortemente importadores, da África e do Oriente Médio, se encontram em uma situação muito difícil, tendo de pagar bem mais caro pela comida. E sabemos que o preço da comida condiciona a paz social nos países, em especial nos que dependem de importações”, afirma a economista, à RFI.
Ajuda do Banco Mundial
Nesta quarta-feira (18), o Banco Mundial anunciou que destinará mais US$ 12 bilhões nos próximos 15 meses para projetos de combate à crise alimentar mundial, agravada pela guerra na Ucrânia. A maior parte dos recursos irá para países da África, do Oriente Médio, da Europa Oriental, da Ásia Central e do sul da Ásia, afirmou a instituição, em um comunicado.
O banco acrescentou que os fundos vão apoiar a agricultura, fornecer "proteção social para amortecer os efeitos do aumento de preços dos alimentos" e promover projetos de abastecimento de água e de irrigação. O comunicado acrescenta ainda que possui US$ 18,7 bilhões não utilizados que também poderão ser destinados a projetos diretamente ligados a problemas de segurança alimentar e nutricional.
"No total, isso representa mais de US$ 30 bilhões disponíveis para combater a insegurança alimentar nos próximos meses", apontou a instituição.
Precauções
"Para informar e estabilizar os mercados, é essencial que os países agora façam declarações claras sobre os futuros aumentos de produção em resposta à invasão russa da Ucrânia", apontou o presidente do Banco Mundial, David Malpass, também por comunicado. Moscou e Kiev são, respectivamente, o primeiro e quinto exportadores mundiais de trigo, representando sozinhos 30% da oferta mundial.
Ele recomenda que os países façam "esforços concentrados" não apenas para aumentar o fornecimento de energia e fertilizantes, ajudar os agricultores a aumentar as plantações e rendimentos das colheitas, mas também para "remover políticas que bloqueiam exportações e importações (...) ou incentivam o armazenamento desnecessário".
Mesmo antes da guerra na Ucrânia, a insegurança alimentar já era agravada por conflitos, crises climáticas e crises econômicas. No ano passado, 193 milhões de pessoas em 53 países estavam em situação de insegurança alimentar aguda, o que significa que precisavam de ajuda urgente para sobreviver, segundo dados da ONU.