Publicada em 13/06/2022 às 09h15
Dia desses escrevi sobre o quanto a depressão pode afligir o coração do ser humano. Continuemos, pois, com a ladainha. Sua senha era de número 050. Estava na 026. Essa fila era apenas para pacientes com “sintomas gripais”. Já vinha sofrendo de dor de cabeça, embora levíssima, mas depois que a noiva testara positivo para COVID-19, a dor piorou significativamente. Nosso emocional é algo único mesmo.
Estava no Hospital da Unimed. O lugar estava apinhado de gente. Não tinha lugar nem para escorar. As poucas cadeiras, reduzidas ainda mais pelo “distanciamento social”, nem sempre observado, eram disputadas quase que a tapa pelos pacientes.
Pouco mais de duas horas depois e já tinha o diagnóstico.
Quase tudo na vida tem seu lado bom e o seu lado ruim. O resultado positivo acabou fornecendo-lhe um álibi para se isolar de vez em casa, afundar-se no sofá e regredir, por alguns dias, na luta que travava, há quase três anos, contra uma profunda depressão.
As pessoas deprimidas, de quando em vez, infelizmente, valem-se de alguns expedientes para esconder a doença, não raro vista de forma extremamente preconceituosa por tantos.
É que quando aparece outra doença, palpável e visível a olho nu, ainda que uma mera virose, ela acaba justificando o isolamento, o ficar na cama ou no sofá. Pode-se assumir que está doente, mas sem dizer do que se trata. Pode-se omitir a verdadeira doença, a depressão.
Quando você está com COVID-19, então, atestada por exame e com afastamento de X dias recomendado pelo médico... Poucos álibis são melhores que esse.
Ele se valera desse expediente por várias vezes ao longo dos três anos.
Tinha vergonha de dizer que estava com depressão, coisa que muitos (e talvez até ele próprio, inconscientemente ou não) considerava “doença de doido, frescura ou outras coisas ainda menos dignificantes”. Dizer, então, que já estava frequentando, regularmente, um psiquiatra, nem pensar!
Sofrera muito no período todo. Nesse ponto (ao menos) a pandemia ajudou. Era mais fácil esconder-se do mundo, afundar-se no sofá; não ter que encarar ninguém de frente na correria do dia a dia.
Quantas vezes chegou a chorar de desespero em casa; sozinho – solidão que ele mesmo escolhera/assumira.
Outras vezes chorava na companhia de terceiros; mas, temendo o julgamento, nem sempre justo, não raro depreciativo, às vezes até de pessoas próximas e amigas, chorava por dentro – choro da pior espécie porque, ao não deixar rastro aparente, torna mais difícil receber afago e conforto.
Apenas ele sabia o que passara no período. Nem a terapeuta, o irmão mais próximo, amigos ou mesmo a noiva, com que tinha contato diário, ninguém sabia o que realmente se passava no seu coração.
Ideias extremas, Graças ao Bom Deus, não teve. No entanto, quando o inverno que assolava o seu coração, alma e espírito apertava ainda mais, até isso parecia ser, se não uma saída, ao menos um caminho aceitável.
No entanto, com a virada para um novo ano, com eleição e copa do mundo à frente, sua Lista de Ano Novo deve ter tido único desejo: seria o seu último esforço para soterrar, de uma vez por todas, o que ele mesmo chamara, pomposamente, como de costume, a maior batalha emocional da sua vida.
Não que tivesse pensando em atitudes extremas; muito pelo contrário. Amava a vida e iria vivê-la da forma mais extraordinária possível. No fundo, já estava vivendo.
Agora, no entanto, não baixaria a guarda de forma alguma! Empenharia toda a sua diligência, esforço, inteligência e fé para fechar essa página tão desafiadora da sua existência.
E assim se fez!
Intensificou a terapia, reunindo-se, semanalmente, de forma religiosa, com a psicóloga que o acompanhava há uma década e meia e que tanto o ajudara na construção do seu eu.
Dedicou-se, com o mesmo empenho e regularidade, a muitas outras atividades que lhe faziam bem (RITUAL DO AMOR, meditação, oração, atividade física, atividades lúdicas etc.)
Recebera um aprendizado de Deus de uma grande amiga. Aliás, mais do que amiga, uma genuína Amiga/Irmã. Ou Amiga/Irmã-Gêmea, como carinhosamente gostava de chamá-la. Um dos anjos, literalmente falando, que o Altíssimo colocara em sua vida para ajudá-lo a superar o longo deserto.
Aprendera com a tal Amiga/Irmã-Gêmea que uma doença da alma precisa ser combatida, prioritariamente, no campo da espiritualidade – até porque no campo físico-orgânico-emocional já estava empregando todas as ferramentas que lhe pareciam possíveis.
Não tardou para a terapeuta engrossar o entendimento.Dede então, intensificou também sua proximidade para com o Criador, que já era imensa. Na prática, começou a orar diariamente e a ir à missa semanalmente. A cada oração sentia-se mais fortalecido. Às vezes, nos momentos que a dor apertava mais, colocava-se de joelhos no seu quarto para rogar por socorro.
Muitas vezes, quando estava incrivelmente bem, também fazia a mesma oração reverente. Mas, nessas vezes suas preces eram de gratidão. Acostumara-se a, antes de começar o Terço da Misericórdia, falar, de viva voz, as várias bênçãos que tinha recebido nas últimas horas ou dias.
Estava muito bem; mas, mesmo assim, com uma constância não muito agradável, seu humor variava – na esmagadora maioria das vezes sem nenhuma causa aparente.
Até que se envolvera num acidente em contexto o mais sinistro possível – com o perdão pela redundância.
Acontece que um evento que poderia aparentar ser mais uma tragédia e significar um grande retrocesso, no fundo redundou em redenção, esperança, verdadeiro “divisor de águas” definitivo para o sprint que faltava em sua sedenta busca por calmaria.
Sentira como se o próprio Deus tivesse dito diretamente ao seu coração: FILHO, NÃO TEMAS. ESTOU AQUI. JAMAIS VOU TE DESEMPARAR.
Aquele “abençoado acidente”, como passou a chamá-lo, foi a guinada que faltava para recuperar-se de vez (continuar recuperando-se). Desmamou-se dos remédios da psiquiatra; voltou a dormir bem e até fez planos para a realização de um sonho acalentado, se não desde o nascimento, há décadas.
Começara a pensar até que ponto a depressão, assim como o acidente, fora realmente uma tragédia na sua vida.
No longo inverno do seu coração (2019-2022) seu aprendizado foi imensurável. Foram tantos livros, palestras, conselhos, conversas, insights… Uma jornada de autoconhecimento como jamais experimentara na vida!
Mais do que aprendizado, tivera (estava tendo) uma imensa evolução enquanto ser humano de bem que acreditava piamente ser. Conseguira até a proeza de exorcizar (estar exorcizando) traumas e temores da infância e adolescência!
Havia arraigado uma compreensão de que nenhum evento que nos acomete é, em si mesmo, bom ou ruim. Ao revés, tudo que acontece na vida das pessoas são bênçãos ou lições. Não raro, nossas maiores bênçãos são as lições que apreendemos ao longo dessa jornada maravilhosa chamada vida.
A depressão, vista sob esse prisma, seria uma grande lição em busca, cada vez mais, do seu verdadeiro eu. Sairia maior e melhor de tudo isso – não tinha qualquer dúvida a respeito. A doença passou a ser encarada como cura – de uma vida!
Até o nome que dava para o seu mal – MONSTRO EMOCIONAL – foi modificado. Quando a gente rotula os problemas como monstros, coisas terríveis, questões difíceis (ou impossíveis) de solucionar, não raro estamos dando um contorno ainda maior ao problema em si.
Pois, que seja dito o que verdadeiramente é.
No final das contas, essa depressão terá sido uma enorme bênção; talvez, uma das maiores bênçãos que recebera na vida. Uma lição, um crescimento, um amadurecimento pessoal e espiritual sem precedentes.
Ela seria encarada assim, como uma coisa boa, que viera para lhe desafiar, para lhe testar todos os limites; para saber até onde a couraça e o coração aguentam. Não é um monstro. Pelo contrário, uma genuína dádiva.
Para os milhões, para não dizer bilhões, que ainda sofrem com depressão em todo o mundo, para mim mesmo, JAMAIS PERCAM A FÉ POR DIAS DE PAZ E CALMARIA. ACREDITEM, “NENHUMA MONTANHA É ALTA O SUFICIENTE”. EMPENHEM-SE COM ZELO, DISCIPLINA E FÉ. ROGUEM A DEUS, PORQUE ELE NOS AJUDA, SOBRETUDO NOS MOMENTOS DE MAIOR AFLIÇÃO.
Quando a dor apertar ainda mais, aguentem! Se o melhor remédio – a oração – não for o suficiente, dobrem ou tripliquem a dose. Tenham sempre em mente que “As ondas também podem ser navegáveis” e que toda tempestade, por maior e mais perversa que possa ser, uma hora passa.
REGINALDO TRINDADE
Procurador da República. Pós-Graduado em Direito Constitucional. Membro da Academia Rondoniense de Letras. Idealizador da Caravana da Esperança, do Bazar da Solidariedade e do Movimento FAROL DE ESPERANÇA – Resgatando VIDAS! Doador do Médico sem Fronteiras e do Greenpeace. Colaborador da Associação Pestalozzi, da Casa Família Rosetta, da Associação Acolhedora Vencendo Gigantes (outrora Confrontando Gigantes) e Associação Luz do Alvorecer. Ser humano abençoado e em construção.