Publicada em 03/06/2022 às 08h42
Para que a pandemia de covid-19 possa ser considerada superada, é preciso mais investimento em pesquisa e em vacina, bem como uma distribuição mais igualitária dos imunizantes entre os países. A opinião é do pesquisador Júlio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Mato Grosso do Sul e integrante do Observatório Covid-19.
Croda explica que a ciência ainda não conseguiu responder todas as perguntas em relação à vacinação contra a doença, principalmente qual é a duração da imunidade contra a forma mais grave da covid-19. De acordo com ele, os dados indicam que a segunda dose de reforço, ou quarta dose, acrescenta proporcionalmente menos proteção do que a terceira dose da vacina.
“A terceira dose, sim, gera uma resposta imune muito robusta, gera uma proteção mais duradoura comparado com a segunda. Mas a quarta dose não gera proporcionalmente essa resposta. Então não existe uma recuperação tão intensa comparando a terceira com segunda e a quarta com a terceira. Então, a gente tem que entender qual será a proteção das vacinas no futuro”.
Para isso, ele destaca que é preciso continuar investindo no desenvolvimento de imunizantes e de tratamentos.
“A gente tem, por exemplo, dentro da Fiocruz, pesquisadores que estão trabalhando com vacina de spray nasal, que é super importante quando a gente pensa em reduzir transmissão, em dar uma resposta imune mais de mucosa, que é super importante nesse contexto e talvez mais duradoura. Só que existe um desinvestimento na ciência e esse estudo até o momento não foi pra fase 1, 2, 3, porque falta dinheiro. E precisa de muito dinheiro para fazer um produto nacional como esse”.
Nova onda
O pesquisador participou, na manhã de hoje (2), do webinar A pandemia de Covid-19 no Brasil - balanços e desafios, promovido pelo Observatório Covid-19 em comemoração ao aniversário de 122 anos da Fiocruz. Julio Croda afirma que o mundo e o Brasil passam, “claramente”, por uma nova onda de covid-19, que pode ter sido impulsionada pelas flexibilizações nas medidas restritivas e também pelo surgimento de novas variantes do vírus Sars-Cov-2.
“Muito provavelmente a gente já pode ter BA4 e BA5 e viver uma onda similar a que ocorreu na África do Sul, com um aumento de casos, mas com menor impacto em hospitalização e óbito. Então a gente tem que entender que a gente tem uma vacina que protege parcialmente pra doença sintomática, que tem uma duração muito pequena de proteção para doença assintomática”.
Ele defendeu que é preciso levar mais vacinas para o continente africano, região mais atrasada em relação à imunização contra a covid-19.
O pesquisador ressalta que ainda é preciso melhorar os indicadores epidemiológicos para considerar o fim da pandemia porque, apesar de a letalidade pela doença ter diminuído, os números ainda são muito altos, com cerca de cem óbitos por dia no Brasil, ou 3 mil por mês, número que, segundo ele, equivale aos óbitos por influenza em um ano.
No mundo, o pesquisador informa que já foram cerca de 14 mil mortes por dia por covid-9 e, atualmente, os dados indicam cerca de 2 mil.
Legados
No webinar, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, afirmou que as respostas da ciência para a pandemia não foram dadas “em pouco tempo”, como tem sido dito, mas sim que elas decorrem de um histórico longo de investimento em pesquisa.
O pesquisador Carlos Freitas, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), destacou que o Observatório Covid-19 começou a funcionar em abril de 2020, menos de um mês depois de o Brasil ter anunciado a situação pandêmica. Segundo ele, durante esses dois anos de trabalho foram publicados 400 documentos e 70 boletins, além da realização de 89 eventos virtuais, que combinaram informação a partir dos conteúdos científicos e estratégias de comunicação.
A pesquisadora Margareth Dalcomo, também da ENSP/Fiocruz, ressaltou que o trabalho durante a pandemia deixou três legados importantes: o reconhecimento pela sociedade das instituições públicas de pesquisa, a qualidade da produção científica brasileira e o voluntariado que atuou para minimizar as desigualdades intensificadas pela covid-19 no país.
O pesquisador Fernando Bozza, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocuz), apresentou os dados do trabalho feito com as populações de favelas do Rio de Janeiro, em especial no Complexo da Maré. Segundo ele, após as ações da Fiocruz, foi possível verificar o aumento de 20% na detecção de casos de covid- 19 na Maré e a redução de 48% na mortalidade pela doença na região.
Povos indígenas
Ana Lúcia Pontes, pesquisadora do ESNP/Fiocruz, apresentou os dados sobre a vulnerabilidade dos povos indígenas frente à doença e as estratégias de enfrentamento encontradas. De acordo com ela, essas populações tem mais dificuldade de acesso a unidades de saúde para tratamentos mais complexos.
A pesquisadora disse que o excesso de mortalidade pela covid-19, ou seja, o número de pessoas que morreram a mais do que a média anterior à pandemia, foi de 18% entre não indígenas e chegou a 34% entre os indígenas brasileiros.
De acordo com informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena - Sesai, até esta quinta-feira 373.829 mil indígenas tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19, o que equivale a 91% da população indígena com 18 anos ou mais atendida pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS (Sasisus). Mais de 353 mil indígenas tomaram a segunda dose (86% do total).
Profissionais de saúde
A pesquisadora Maria Helena Machado, também da ENSP/Fiocruz, detalhou duas pesquisas sobre as condições de trabalho dos profissionais da área de saúde durante a pandemia. Segundo ela, houve um crescimento muito grande da precarização e terceirização do trabalho, sucateamento das condições de trabalho, achatamento salarial, fala de perspectiva profissional, aumento da carga e adoecimento mental, além de milhares de mortes por covid-19.
A Agência Brasil procurou o Ministério da Saúde para falar sobre as ações de enfrentamento à pandemia e a atenção à saúde indígena e aguarda retorno.