Publicada em 22/06/2022 às 09h10
Tor Selnes deve sua vida a uma lâmpada. Ele conseguiu agarrar-se a ela e sobreviver a uma avalanche de neve que tragicamente expôs a vulnerabilidade às mudanças climáticas do arquipélago de Svalbard, localizado na região ártica que mais rápido esquenta no mundo.
No sábado, 19 de dezembro de 2015, menos de uma semana antes do Natal, Selnes, um assistente educacional de 54 anos, dormia em sua casa em Longyearbyen, capital deste arquipélago norueguês, a meio caminho entre a Noruega continental e o Polo Norte.
De repente, massas de neve rolaram pela encosta de Sukkertoppen, a montanha que domina a cidade, e arrastaram duas fileiras de casas.
A casa de Tor Selnes foi deslocada 80 metros e o quarto onde ele dormia foi completamente destruído.
Para tentar evitar ser atingido pela neve, ele se agarrou à lâmpada do teto por alguns segundos. "Era como estar em uma máquina de lavar, cercado de tábuas, vidro, objetos pontiagudos, tudo o que você pode imaginar", conta.
Ele conseguiu escapar, mas com cortes e hematomas. Em outra parte da casa, seus três filhos escaparam ilesos.
Mas dois vizinhos, Atle, com quem jogara pôquer no dia anterior, e Nikoline, uma menina de dois anos, perderam a vida.
A tragédia, até então considerada impensável, chocou esta comunidade de menos de 2.500 habitantes.
"Tem havido muita conversa sobre as mudanças climáticas desde que cheguei (...) mas era difícil ver ou assimilar", comentou a escritora e jornalista Line Nagell Ylvisåker, que vive em Longyearbyen desde 2005.
"Quando você mora aqui, é como ver uma criança crescer: você não vê o recuo das geleiras" de um dia para o outro, assegura.
- Passado de mineração -
Em Svalbard, as mudanças climáticas significam invernos mais curtos, temperaturas oscilantes, precipitações mais pesadas e degelo do permafrost.
Todas essas condições são propícias a avalanches e deslizamentos de terra.
Nos dias que se seguiram à tragédia, uma chuva caiu sobre a cidade durante o período natalino. Depois vieram chuvas recordes no outono seguinte e outra avalanche que varreu outra casa, sem causar vítimas, em 2017.
"Antes, falava-se muito sobre ursos polares, sobre o que aconteceria na natureza", diz Line Nagell Ylvisåker.
"O urso polar flutuando em um pedaço de gelo era um símbolo disso, mas abriu meus olhos para como isso afeta a nós humanos também", acrescenta.
Após as duas avalanches, as autoridades decidiram destruir 144 casas consideradas vulneráveis. Isso representa 10% das casas da cidade, que agora foram substituídas por uma gigantesca barreira anti-avalanche feita de grandes blocos de granito.
Um revés para Longyearbyen, cuja história está intimamente ligada aos combustíveis fósseis.
A cidade, repleta de casas de madeira coloridas, foi fundada em 1906 pelo empresário americano John Munro Longyear, que veio para minerar carvão.
Embora quase todas as minas já estejam fechadas - a última fechará no ano que vem - um enorme galpão de vagões permanece bem acima da cidade, uma lembrança do passado de mineração.
De acordo com Ketil Isaksen, pesquisador do Instituto Meteorológico Norueguês, a região de Svalbard é "o lugar da Terra com o maior aumento de temperatura".
Na parte norte do Mar de Barents, que circunda o arquipélago, o aquecimento é até sete vezes mais rápido do que no resto do planeta, segundo um estudo da Nature do qual é coautor.
Isso se deve à redução da banquisa marinha, que, segundo os cientistas, normalmente atua como uma manta isolante que impede o oceano de aquecer a atmosfera no inverno e o protege do sol no verão.
Em Longyearbyen, o degelo do permafrost está enfraquecendo o solo, forçando a reconstrução das fundações das casas.
Nos arredores da cidade, o agora mal chamado Isfjorden ("fiorde de gelo"), que costumava ser atravessado por motos de neve no inverno, não tem formação de gelo real em sua superfície desde 2004.
Nos escritórios do jornal Svalbardposten, o editor-chefe Børre Haugli resume a situação assegurando que hoje, as mudanças climáticas, "não se discute, nós vemos".