Publicada em 06/07/2022 às 15h27
Porto Velho, RO – O juiz Adriano Lima Toldo, da 2ª Vara Criminal de Vilhena, condenou J. M. W., diretor de uma cooperativa de transportes em Rondônia, a quatro anos, dois meses e vinte dias de detenção, além de multa.
Cabe recurso. O regime inicial estabelecido para o cumprimento de pena é o semiaberto.
De acordo com a denúncia do Ministério Público (MP/RO), o sentenciado, na condição de diretor de uma cooperativa de transportes, assediou sexualmente pelo menos três subordinadas durante os anos de 2019, 2020 e 2021.
O órgão de fiscalização e controle diz que o réu cometeu os crimes “prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico e ascendência” constrangendo as vítimas, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual.
O jornal Rondônia Dinâmica reporta, abaixo, trecho dos autos com trasncrições de depoimentos apresentados à Justiça pelas vítimas do diretor da cooeperativa.
ALERTA DE GATILHO*******
“[...]
A.D.O. informou que em certa ocasião, inclusive, quando a equipe do local de trabalho estava se preparando para ir ao velório de um cooperado que havia falecido, o réu insistiu e ordenou que ela fosse com ele no automóvel dele, razão pela qual, temendo por sofrer assédio do requerido, a vítima pediu a outros dois funcionários para que também fossem no mesmo carro, o que foi atendido, tendo tido o cuidado de sentar-se no banco traseiro do veículo para não ficar à frente, do lado do réu, sendo que, mesmo assim, durante o deslocamento, o acusado colocou uma das mão para trás, segurou na perna da vítima e apertou sua panturrilha, constrangendo-a perante os demais funcionários que também estavam no veículo.
[...]
Questionada, a vítima A.D.O. confirmou ter ocorrido consigo todos os fatos descritos na denúncia, garantindo que o acusado, que era seu chefe imediato, praticou todos eles, além de muitos outros não mencionados na inicial acusatória, asseverando que não concordava com tais atitudes do réu, pois sentia-se constrangida.
Referida vítima também informou que o réu declarou para ela e para uma outra funcionária que ele já tinha sido policial civil e que já tinha matado uma pessoa envolvida em ocorrências policiais atendidas por ele, tendo ele supostamente sido diagnosticado, por uma psicóloga, como sendo psicopata e por não concordar, pediu exoneração da corporação e que se precisasse matar alguém novamente ele mataria, inclusive na hipótese de se sentir ameaçado ou intimidado voltaria a matar, tendo repetido isso por várias vezes à vítima, causando-lhe temor.
Segundo A.D.O., em outra ocasião o réu também lhe disse que tinha comparecido armado na cooperativa para matar um cooperado, porém, não o fez porque o cooperado não apareceu naquele dia, tendo também dito à vítima e uma outra funcionária que tinha o hábito de “dopar” mulheres.
A vítima A.D.O. também explicou que demorou para revelar os fatos e fazer a denúncia em razão de ter muito medo do acusado, notadamente pela circunstância dele ter dito várias vezes que mataria alguém novamente caso se sentisse intimidado ou ameaçado e afirmar que andava armado.
Denota-se, inclusive, que as declarações da referida vítima dadas em juízo correspondem às informações dadas por ela também em sede policial, ocasião em que também relatou que, em outra oportunidade em que o acusado lhe dirigiu a palavra, insinuou “todos na empresa pensavam que a vítima fosse sua amante”.
À corroborar com as declarações da vítima A.D.O., está também a versão da vítima C.D.S.D., a qual, ouvida em juízo, confirmou os fatos relacionados a ela na denúncia e o assédio por parte do acusado, revelando que as investidas dele em relação a ela se iniciaram quando ele viu o seu pé e começou a fazer elogios, dizendo que seu pé era bonito, tendo passado a lhe chamar por apelidos carinhosos, inclusive na frente de outras pessoas e cooperados, como “morena dos cabelos cacheados” e “ê morena”, razão pela qual pediu que ele parasse de chamá-la dessa forma porque era casada, não gostava e não queria que as pessoas pensassem que tinham algum tipo de intimidade, tendo passado a ser tratada com rispidez pelo réu a partir de então.
C.D.S.D. disse que o acusado constantemente agia de modo com conotação sexual em relação a ela, ficando lhe olhando fixamente, inclusive para os seus seios e partes íntimas, de modo explícito para que percebesse que ele estava olhando, o que lhe constrangia muito, lhe causando até medo de ir trabalhar, sendo que, em certa ocasião, o acusado entrou de modo sorrateiro em sua sala e se posicionou atrás de sua cadeira sem que ela percebesse e ali permaneceu lhe olhando até quando uma outra funcionária passou pela sala e o cumprimentou, quando então percebeu que o acusado estava lá.
A vítima C.D.S.D. também confirmou que, sempre que estava com o cabelo úmido por ter lavado, o réu lhe indagava se havia tomado chuva e ao responder que não, ele dizia “que era bom ser casada de novo e que ela estava fazendo coisa errada” e também, em outras ocasiões, se dirigia à vítima, inclusive na presença de outras pessoas, lhe dizendo que ela “não havia dormido de noite porque estava fazendo coisa que não pode”.
Mencionada vítima também confirmou que o réu chegou a falar para ela e para outra funcionária que ele costumava “dopar” mulheres para ficar com elas, o que lhes causou muito medo, asseverando que demorou a revelar os constrangimentos sofridos em razão do réu ser superior hierárquico e de ter medo dele por não saber o que ele poderia ser capaz de fazer [...]”.
A DECISÃO
Após transcrever os depoimentos, o magistro anota na sentença:
“Logo, é possível conferir a existência de harmonia e coerência no tocante às versões e narrativas das vítimas, confirmando-se o contexto
dos abusos e conduta do réu, sendo possível perceber que em relação às três vítimas, adotava sempre o mesmo modus operandi na ação delinquente, direcionando gracejos escusos e pervertidos, invadindo a privacidade mediante emprego de conotação sexual em suas ações, notadamente pelas aproximações, abordagens e contatos inadequados que promovia nesse sentido”, disse.
Em seguida, sacramentou:
“Ademais, as versões das vítimas não destoam do mais que consta dos autos, sendo corroboradas por outras provas e elementos de convicção, tendo elas narrado com detalhes os acontecimentos relativos aos fatos, conferindo, inclusive, com os relatos testemunhais que serão na sequencia pontuados, inexistindo nos autos qualquer prova de que tivessem as vítimas e testemunhas agido em conluio com intenção de acusar falsamente o réu”, concluiu.
O Rondônia Dinâmica entrou em contato com a cooperativa em questão para saber se o réu sentenciado ainda é diretor da entidada. A atendente, no entanto, alegou não poder fornecer qualquer informação sobre diretores da instituição e/ou cooperados, nem sequer suas credenciais.
O espaço está aberto caso o acusado queira apresentar suas versão dos fatos.
TERMOS DA DECISÃO:
"[...] DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA para condenar o réu J. M. W., qualificado nos autos, como incurso no artigo 216-A do Código Penal, por diversas vezes em relação à vítima A.D.O., na forma do artigo 71 do Código Penal; e por uma vez em relação a cada uma das vítimas C.D.S.D. e K.A.D.P., em concurso material no tocante às três vítimas.
Passo a dosar a pena.
A culpabilidade está evidenciada e o grau de reprovabilidade é elevado, posto que o réu exibiu audácia ao praticar os delitos na presença de outras pessoas e funcionários do ambiente de trabalho, agravando, assim, ainda mais o constrangimento provocado às vítimas, sem olvidar que chegou a lançar intimidações, ao dizer que era capaz de matar quem lhe ameaçasse ou lhe intimidade, com o propósito de calar as vítimas.
O condenado não registra antecedente criminal.
A conduta social, na falta de melhores informações nos autos considera-se neutra. A personalidade do réu não foi avaliada e não existem melhores informações sobre ela. Os motivos do crime não extrapolam os previstos para o delito a eventualmente justificar valoração na pena. As circunstâncias do crime encontram-se relatadas nos autos, nada tendo a se valorar. Não há notícias de que o delito tenha provocado consequências extrapenais a serem consideradas. Por fim, não há informação de que o comportamento das vítimas tenha contribuído de alguma forma para a consumação dos delitos. Sopesadas tais circunstâncias e havendo uma negativa, fixo a pena-base um pouco acima do mínimo legal, ou seja, para cada um dos crimes praticados em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de detenção e pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, para cada dia-multa.
Não há circunstâncias atenuantes e agravantes a serem consideradas. Inexiste causa de diminuição ou de aumento de pena.
Reconhecida a continuidade delitiva no tocante aos crimes praticados contra a vítima A.D.O. (art. 71 do CP), aplico a pena de um só deles, já que idênticas, aumentada de um sexto, ficando em 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção e pagamento de 14 (quatorze) dias-multa. Diante da regra do art. 69 do CP, para todos os crimes praticados contra as três vítimas, fica o réu condenado à pena definitiva total de 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, além do pagamento de 38 (trinta e oito) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos para cada dia-multa.
O regime inicial para cumprimento da pena privativa de liberdade será o semiaberto, em conformidade com o artigo 33, § 2º, “b” do CP. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito porque a condenação destes autos ultrapassa o limite de 4 (quatro) anos previsto no artigo 44 do Código Penal, razão pela qual também não faz jus a suspensão condicional da pena. Concedo ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, uma vez que respondeu ao processo solto e não sobreveio motivo para decretar a prisão preventiva. Transitada em julgado, promovam-se as comunicações necessárias; expeça-se a guia de execução respectiva e o mais necessário para o cumprimento da SENTENÇA.
P. R. I. C.
Cumpridas todas as determinações e comunicações necessárias e não havendo pendências, arquive-se.
Sexta-feira, 1 de julho de 2022 às 18:23 .
Adriano Lima Toldo
Juiz de Direito [...]".