Publicada em 28/07/2022 às 10h03
O presidente francês, Emmanuel Macron, recebe nesta quinta-feira (28) o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, apesar das críticas de defensores dos direitos humanos por sua "reabilitação" internacional após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
A primeira turnê europeia de MBS desde a morte do jornalista ocorre cerca de duas semanas após a viagem do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à Arábia Saudita em meio à guerra na Ucrânia e ao aumento dos preços da energia.
O príncipe saudita, que iniciou sua viagem pela Grécia, chegou a Paris na noite de quarta-feira, onde foi recebido pelo ministro da Economia, Bruno Le Maire.
Nesta quinta, a noiva de Khashoggi disse estar "escandalizada" e "indignada" com o fato de Macron receber o príncipe herdeiro saudita.
"Estou escandalizada e indignada que Emmanuel Macron receba com todas as honras o carrasco do meu noivo", disse Hatice Cengiz em uma mensagem escrita em francês enviada à AFP.
"A visita de MBS à França, ou a visita de Joe Biden à Arábia Saudita, não muda em nada o fato de que ele é um assassino", comentou à AFP Agnès Callamard, ex-relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais que investigou o assassinato do jornalista.
Callamard denunciou os "dois pesos e duas medidas" em relação ao príncipe saudita, já que "muitos" dos líderes mundiais "expressaram sua condenação" do assassinato e "se comprometeram a não integrar MBS na comunidade internacional".
Várias ONGs - entre elas a Democracy for the Arab World Now (DAWN), criada por Khashoggi - apresentaram nesta quinta uma denúncia em Paris contra Bin Salman por cumplicidade em torturas e desaparecimento forçado, anunciaram estas organizações e seu advogado francês.
"O jornalista saudita havia pedido que se devolvesse ao reino sua 'dignidade', pondo fim à 'cruel' guerra no Iêmen e, além disso, havia denunciado as novas ondas de detenções" na Arábia Saudita em 2017, após a ascensão do príncipe herdeiro, lembrou a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em um comunicado.
Colaborador do jornal "The Washington Post" e crítico do poder saudita, Khashoggi foi morto por agentes sauditas no consulado do país em Istambul em 2018. Foi estrangulado e desmembrado.
Uma investigação da ONU considerou um "assassinato extrajudicial, pelo qual a Arábia Saudita é responsável".
E a Inteligência dos EUA afirmou que Salman "aprovou" a operação contra Khashoggi, o que Riade nega.
- Aproximação -
Macron planeja um "jantar de trabalho" nesta quinta com MBS às 18h30 GMT (15h30 de Brasília) em sua residência oficial, o Palácio do Eliseu, segundo um comunicado da presidência.
O encontro servirá para tratar do fornecimento de energia e do controle do programa nuclear iraniano, maior rival regional da Arábia Saudita.
Que seja recebido pelos líderes mundiais "é ainda mais chocante, já que muitos deles expressaram sua condenação [do assassinato] e prometeram não integrar MBS na comunidade internacional", denunciou Callamard.
Apesar do histórico de abusos de direitos humanos da Arábia Saudita, muitas potências ocidentais veem Riade como um parceiro crucial em questões de energia, de defesa e por sua firme oposição ao Irã.
"Aparentemente, MBS pode contar com Emmanuel Macron para reabilitá-lo no cenário internacional, apesar da morte atroz do jornalista Jamal Khashoggi, a repressão implacável das autoridades sauditas a quaisquer críticos, os crimes de guerra no Iêmen", lamentou Bénédicte Jeannerod, da ONG Vigilância dos Direitos Humanos.
Macron se encontrou com Bin Salman na Arábia Saudita em dezembro de 2021 e, nos últimos dias, também recebeu em Paris dois líderes aliados da Arábia Saudita: o egípcio Abdul Fatah al-Sissi e Mohamed bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos.
Além disso, o presidente francês viajou para Guiné-Bissau, Camarões e Benin, três países africanos que não são vistos como democracias exemplares.
"A guerra na Ucrânia colocou os países produtores de energia de volta no centro do tabuleiro, e eles estão tirando vantagem disso", comentou a pesquisadora Camille Lons, adora do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
Desde o início da ofensiva russa na Ucrânia, os países ocidentais vêm buscando que a Arábia Saudita, principal exportador de petróleo bruto, aumente sua produção para aliviar os mercados e limitar a inflação.
Mas Riade resiste à pressão, evocando os compromissos assumidos com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (OPEP+), liderada conjuntamente por Arábia Saudita e Rússia.
"Isso lhe dá uma influência política que usa para reafirmar sua importância no cenário internacional", acrescenta Lons, para quem, nesse contexto de alta de preços, "os direitos humanos na Arábia Saudita não são mais a prioridade da agenda".