Publicada em 23/07/2022 às 09h02
Estima-se que mais de 100 mil profissionais russos já deixaram país por medo de perseguição. Os que ficam, arriscam seus empregos e liberdade. "Há uma espécie de guerra fria civil acontecendo na Rússia", diz professora.
As últimas correções feitas antes das férias escolares na Rússia podem ser as últimas da vida profissional da professora de matemática Tatiana Chervenko. Ela espera manter o emprego no próximo ano letivo, mas ainda está incerto.
A docente se tornou um incômodo para a direção da escola em Moscou devido a seu posicionamento decidido contra a guerra na Ucrânia. "Estão me pressionando, devagar mas com constantemente, mesmo envolvendo coisas que parecem triviais", conta, em entrevista à DW.
Como exemplo, Chervenko mostra um caderno de exercícios com a margem rabiscada de caneta. Um rabisco realmente inofensivo feito por um aluno. "Não tinha prestado atenção, é claro, mas a diretora me repreendeu por isso. Eu não teria cumprido meu dever. Eu deveria ter chamado os pais do aluno na escola. Só por esses rabiscos!"
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, centenas de russos saíram às ruas contra a "operação militar especial" ordenada pelo presidente Vladimir Putin. Chervenko era uma deles. Embora o protesto tenha sido pacífico, foi presa e teve que pagar uma multa equivalente a cerca de 300 euros.
Em seguida, foi chamada pela diretora da escola para uma conversa sobre suas opiniões políticas: "Sabemos da sua ação. É inadmissível." Chervenko perguntou por que, já que fora ao protesto em seu tempo livre. "Ela respondeu: sim, mas os pais de seus alunos podem ser contra." Desde então, a administração da escola a em na mira.
"Simplesmente vão embora"
A história de Tatiana Chervenko não é única: funcionários públicos estão sendo intimidados em toda a Rússia. Eles ouvem que quem é contra a guerra é contra o Estado, e por isso deveriam abandonar seus cargos voluntariamente.
Ameaças dirigidas a reitores de universidades russas partiram recentemente da Duma, a câmara baixa do parlamento russo. O presidente da Casa, Vyacheslav Volodin, do mesmo partido de Putin, o Rússia Unida, declarou: "É uma questão de segurança do nosso Estado. Trata-se do futuro do nosso país. É por isso que vocês, queridos reitores, devem estar cientes de sua responsabilidade, com toda tolerância. Se não, simplesmente vão embora. Levantem-se e vão embora."
A Aliança de Professores do país teme que tais declarações de altas autoridades cheguem à base como um chamado à ação, e que os educadores de pensamento crítico sejam silenciados.
"Isso é fatal para a Rússia. Para toda a sociedade russa. Atualmente estamos passando por uma espécie de guerra fria civil na Rússia", critica Svetlana Lozovskaya, membro da associação de professores. A sociedade está dividida, mas a natural da cidade de Ulan-Ude, espera que os críticos sigam no país e digam a verdade até o fim.
A verdade é que há cada vez menos deles na Rússia. Estima-se que mais de 100 mil profissionais russos já deixaram o país por medo de perseguição após criticarem o Kremlin. Jornalistas, pesquisadores, especialistas em TI, artistas e atores fogem para Alemanha, Geórgia, Turquia ou países bálticos.
Não mais inofensivos
Um deles é Konstantin Mikhailov, um conhecido jovem historiador e erudito religioso. Ele está há algumas semanas em Viena e, como pesquisador, gostaria de poder falar livremente sobre seu trabalho.
"Há cada vez mais proibições; o poder estatal interfere cada vez mais na história, da qual ele sabe muito pouco. Por isso preferi falar até mesmo de coisas inofensivas a uma distância segura."
Porque o que antes era inofensivo deixou de sê-lo para as autoridades russas: Mikhailov faz pesquisas no campo da Igreja Ortodoxa Russa, com foco nas questões de gênero, incluindo a homossexualidade, e esse é um tema arriscado na Rússia moderna.
Atualmente ele trabalha num livro sobre novos movimentos religiosos. Porém cada vez mais movimentos religiosos estão sendo declarados extremistas na Rússia. "É claro que não sou membro desses movimentos, mas eu mesmo poderia ser declarado extremista por pesquisá-los.", conta. Apesar de oficialmente ainda não haver censura na Rússia, "há uma autocensura organizada pelo Estado", afirma Mikhailov.
Sanções também afetam
Além da postura aberta contra a guerra, há também fatores muito práticos que motivam os russos, especialmente os mais jovens, a deixarem o país. É o caso do especialista em TI Roman Stich, de 23 anos, que trabalha principalmente para clientes no exterior.
Com a exclusão da Rússia do sistema internacional de transferência de dinheiro Swift, na esteira das sanções ocidentais devido à guerra, ficou praticamente impossível fazer negócios a partir de Moscou.
"Eu emprego 80 funcionários, e pensei neles acima de tudo. Além disso, há razões políticas. Não quero pagar impostos para uma Rússia militarista e não quero mais ser associado a esse país. Também não quero ter nada a ver com isso no futuro."
Ao contrário de Stich, a professora de matemática Tatiana Chervenko não quer voltar as costas à Rússia. Ela conta que recentemente uma aluna a procurou em lágrimas, dizendo que tinha parentes na Ucrânia e não sabia com quem podia conversar sobre isso. É justamente nesses momentos que ela quer ser procurada como professora.
No momento, Chervenko está de férias. Se perder seu emprego no retorno às aulas, a docente diz que irá à Justiça. Ela quer lutar até o fim.