Publicada em 01/09/2022 às 15h35
A missão da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) para avaliar a situação na usina nuclear ucraniana de Zaporíjia, ocupada em março pela Rússia durante a invasão do vizinho, disse que os combates na sua região violaram "a integridade física" do local e que será necessário manter técnicos do órgão para mais apuração.
"Eu me preocupo, e continuarei preocupado com a usina até termos uma situação mais estável, que seja mais previsível. É óbvio que a usina e sua integridade física foram violadas diversas vezes por acaso e por deliberação", afirmou nesta quinta (1º) o argentino Rafael Grossi, diretor-geral da agência ligada à ONU.
Ele chefiou um grupo de 14 pessoas que, após muita negociação, fez uma vistoria no local. O comboio de nove veículos da ONU havia saído de Kiev na véspera, e enfrentou o risco de passar por zonas em que russos e ucranianos se atacam para chegar a Zaporíjia.
A usina fica no limite da área ocupada pelos russos na região homônima, que não inclui a sua capital, também chamada pelo mesmo nome. Nas últimas semanas, houve uma intensificação nos combates na região, com os dois lados acusando o outro de atingir o terreno da usina.
Os russos afirmaram ter derrubado um drone militar de Kiev na área, que caiu sobre o telhado de um prédio do complexo. Os ucranianos, por sua vez, afirmam que Moscou usa a usina como escudo para disparar contra suas posições.
"A AIEA vai permanecer em Zaporíjia", disse Grossi, em vídeo divulgado no Twitter. "Creio que nessas poucas horas pudemos obter várias informações. Vi as principais coisas que precisava ver e as explicações foram bem claras", afirmou depois a repórteres num posto de controle militar ucraniano.
Diplomaticamente, Grossi não sugeriu de qual lado a tal violação física da usina veio. O que se sabe é que desde o começo da guerra ela só tinha 2 de seus 6 reatores funcionando, e um deles foi desligado nesta quinta pelo que a estatal nuclear ucraniana Energoatom chamou de "atividade terrorista" dos russos.
Técnicos da estatal seguem operando a usina sob supervisão de militares e especialistas russos. Ela começou a operar nos anos 1980, quando a Ucrânia ainda era parte da União Soviética, assim como a Rússia -em 1986, um dos piores acidentes nucleares da história ocorreu em Tchernóbil, no norte do país.
Além do temor de que algum reator ou seus sistemas de resfriamento sejam atingidos, há o perigo ao redor, na forma de diversos depósitos de lixo radioativo. Se um deles for bombardeado, há o risco de contaminação em larga escala.
Em Zaporíjia, a cidade ainda nas mãos de Kiev, foram distribuídas pílulas de iodo, substância que ajuda a retardar a absorção de radioatividade pela tireoide. O mesmo ocorreu em países vizinhos, como a Romênia, ecoando o pânico que se instalou na Europa quando a nuvem da explosão de um reator em Tchernóbil se espalhou pelo continente.
Grossi deixou a usina, mas parte de sua equipe ficou para trás. Em princípio, esse grupo de cinco pessoas deve ficar até sábado (3). O argentino deverá voltar a Kiev e seguir negociações para o que chamou de "presença continuada" no local.
Os ucranianos querem mais. Com apoio dos Estados Unidos, pedem a desmilitarização completa da região da usina, o que os russos obviamente se recusam porque não querem perder o controle da fonte de um quinto da energia consumida no país que invadiram. É um peça de barganha muito valiosa, inclusive para eventuais conversas para um cessar-fogo, hoje insondáveis.
Ao ceder à AIEA, contudo, Moscou quis passar uma imagem de responsabilidade e cooperação. Restará agora saber o grau de autonomia da investigação dos técnicos, que de todo modo Grossi havia dito que seria para determinar riscos, e não atribuir culpas.
"Fizemos uma primeira avaliação. Vimos o trabalho dedicado do pessoal e da direção. Apesar das circunstâncias muito difíceis, seguem trabalhando como profissionalismo", afirmou Grossi, que assim como sua equipe usou colete à prova de balas no caminho de ida e de volta, mas não na usina.