Publicada em 17/10/2022 às 14h46
Em meio a protestos pela morte de jovem detida pela polícia da moral, vítimas em penitenciária notória por presos políticos alimenta ira contra o regime. Teerã acusa exterior e busca desvincular o incêndio dos protestos.
Oito prisioneiros morreram em decorrência de um incêndio numa penitenciária em Teerã no fim de semana, comunicou a autoridade judiciária do Irã nesta segunda-feira (17/10). O incêndio de sábado danificou um dos maiores edifícios do notório complexo prisional de Evin – por décadas a principal instalação para o encarceramento de presos políticos e uma fortaleza central da sistemática repressão de dissidentes do Estado iraniano.
Ainda é incerto o que teria acontecido na prisão e causado o incêndio. Vídeos na internet mostram cenas caóticas sob o toque ensurdecedor de uma sirene, enquanto labaredas tomam conta do edifício. Ouvem-se disparo e gritos de "morte ao ditador!" – o grito contra o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, tornou-se comum nos protestos em Teerã, mas implica o risco de uma sentença de morte pelo Tribunal Revolucionário.
O judiciário iraniano afirma que o incêndio foi iniciado por prisioneiros numa oficina de costura após uma briga, e que os oito morreram por inalação de fumaça. Todos eram de uma seção para detentos por crimes relacionados a roubo.
O principal juiz do Irã, Gholamhossein Mohsein Ejei, atribuiu o incêndio a "agentes do inimigo do Irã", enquanto o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Nasser Kanaani alegou que tal incidente poderia ter acontecido em qualquer país do mundo.
Outros vídeos e algumas publicações em redes sociais mostraram dezenas de presos políticos iranianos sendo transferidos de Evin para outras prisões. Familiares relataram que não sabem o por quê das transferências e estão preocupados com a segurança dos detentos.
Imagens de satélite tiradas no domingo pela empresa de tecnologia Planet Labs PBC mostraram o telhado queimado de um grande edifício que faz parte da ala norte da penitenciária de Evin. O complexo prisional iraniano foi colocado em 2018 na lista negra do governo dos EUA por "abusos graves de direitos humanos".
Incêndio pode ter sido em ala de presos políticos
Um projeto do grupo de direitos humanos United for Iran, denominado Iran Prison Atlas, com sede na Califórnia e que coleta dados sobre prisões e prisioneiros no Irã, já havia identificado que a instalação abrigava prisioneiros condenados por casos de fraude e roubo, não condenados por acusações políticas. No entanto, as alas mudam ao longo dos anos, ressalvou o grupo.
O jornal reformista Etemad citou nesta segunda-feira Mostafa Nili, advogado de alguns presos políticos de Evin, que identificou uma das áreas afetadas pelo incêndio como Ala 8, onde ficam presos políticos e condenados por crimes financeiras. O advogado também afirmou que os presos políticos na Ala 4 inalaram gás lacrimogêneo durante o incidente.
O incêndio e as mortes colocaram ainda mais pressão sobre o governo iraniano, que já vem sendo confrontando com uma onda de protestos em massa no país, gerados pela indignação generaliza com a morte de Mahsa Amini. A iraniana curda de 22 anos morreu sob custódia em 16 de setembro, depois de ser detida pela polícia da moral por trajar seu hijab de forma incorreta, infringindo o rígido código de vestimenta da República Islâmica .
Os protestos, que começaram no funeral de Amini em sua cidade natal de Saqez, espalharam-se rapidamente pelo país e por todas as camadas da sociedade iraniana. O governo insiste que Amini não foi maltratada sob custódia policial e que teria morrido de uma doença prévia, mas sua família alegou que seu corpo apresentava hematomas e outros sinais de violência.
Teerã acusa exterior de incitar caos doméstico
A agitação no país se transformou num dos maiores desafios para os governantes clericais do Irã desde a revolução de 1979. Muitos manifestantes pedem a queda da República Islâmica, embora os protestos estejam longe de derrubar qualquer sistema iraniano.
Teerã acusou nações estrangeiras que expressaram apoio aos protestos de se intrometerem em assuntos internos do país. O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, culpou no domingo seu homólogo americano, Joe Biden, de incitar "caos, terror e destruição" no Irã.
O presidente dos EUA e a União Europeia (UE) estão entre os que criticaram a repressão de Teerã aos manifestantes. Grande parte da repressão das forças de segurança se concentrou no noroeste, onde vive a maioria dos cerca de 10 milhões de curdos do Irã. Os líderes religiosos iranianos alegam que a agitação faz parte de uma revolta separatista da minoria curda, e que esta ameaça a unidade do país.
Nesta segunda-feira, o Conselho da União Europeia adotou sanções contra 11 responsáveis, entre eles o ministro da Informação, Issa Zarepour, e quatro entidades iranianas, incluindo o chefe da polícia da moral. Todos tiveram seus bens congelados e estão proibidos de entrar no bloco europeu.
O governo iraniano mobilizou a milícia Basij, tropas militares voluntárias que costumeiramente estão na vanguarda das repressões de agitações populares, mas não conseguiram abafar o protesto. A Guarda Revolucionária, a tropa de elite do Irã e que ainda não foi acionada na onda atual de protestos, iniciou exercícios militares nesta segunda-feira.
Grupos de direitos humanos registraram pelo menos 240 mortos nos protestos, inclusive 32 menores de idade. Mais de 8 mil manifestantes foram presos em 111 cidades e vilarejos, segundo a agência de notícias ativista iraniana Hrana.
O governo negou que as forças de segurança tenham matado manifestantes. Em contrapartida, a mídia estatal divulgou no sábado que pelo menos 26 membros das forças de segurança teriam sido vítimas de manifestantes.