Publicada em 07/10/2022 às 15h22
O regime iraniano divulgou nesta sexta-feira (7) o relatório de um legista que se prestou a reforçar a versão oficial de que a morte da jovem Mahsa Amini, que estava sob custódia da polícia moral do país, está ligada a um quadro médico -e não, portanto, a agressões de que ela teria sido vítima, segundo afirmam sua família e ativistas.
A morte da jovem curda, detida em Teerã por supostamente não usar o hijab, o véu islâmico, da forma correta, disparou uma onda de protestos que já dura três semanas. Com mulheres e meninas à frente e palavras de ordem contra o líder supremo do país, Ali Khamenei, os atos se tornaram a maior demonstração de oposição ao regime em anos.
Ante a repressão brutal de Teerã, as manifestações já somam 154 mortes, segundo a organização Direitos Humanos no Irã, e centenas de detenções. O regime acusa EUA e Israel de estarem por trás da ação, numa tentativa de desestabilizar o país, e nega que a jovem tenha sido agredida pela polícia moral.
"A morte de Mahsa Amini não foi causada por pancadas na cabeça ou em órgãos vitais", disse o legista em atestado divulgado nesta sexta pela agência estatal IRNA. Sem mencionar possíveis agressões, o documento faz referência a um desmaio da jovem, quando estava sob custódia, e o atribui a um quadro preexistente, citando uma "intervenção cirúrgica devido a um tumor cerebral quando ela tinha oito anos".
Segundo o relatório, ela recuperou a consciência, mas desmaiou novamente. "Devido à ressuscitação cardiorrespiratória ineficaz nos primeiros minutos críticos, Amini sofreu hipóxia [falha de oxigenação] grave e, como resultado, teve danos cerebrais, apesar da recuperação do funcionamento cardíaco." O legista afirma, então, que o quadro levou a uma falência de múltiplos órgãos.
A família curda nega que a jovem tivesse problemas clínicos. Seu pai responsabiliza a polícia moral pela morte, dizendo que ela sofreu golpes nas pernas e em outras partes do corpo. O advogado da família, Saleh Nikbakht, disse que médicos independentes atestam que ela foi agredida.
Amini foi presa em Teerã em 13 de setembro e levada a uma delegacia "para ser educada" quanto ao rígido código de vestimenta para mulheres em vigor no Irã desde a Revolução de 1979. Ela morreu três dias depois, após entrar em coma.
Khamenei, 83, disse nesta semana que a morte da jovem "partiu os corações" dos iranianos. "Mas o que não é normal é que algumas pessoas, sem provas ou investigações, transformem as ruas em um perigo, queimem o Alcorão, as mulheres retirem o véu e queimem mesquitas e carros", disse, referendando a repressão aos atos, da mesma forma que fez em outras ocasiões o presidente ultraconservador Ebrahim Raisi.
Enquanto isso, multiplicam-se relatos de abusos por parte do regime. Ainda nesta sexta, autoridades negaram a acusação de que forças de segurança mataram uma menina de 16 anos durante a repressão os protestos. Segundo a versão oficial, também divulgada pela mídia iraniana, a jovem se suicidou; relatos nas redes sociais e um comunicado da Anistia Internacional afirmam que Sarina Esmaeilzadeh foi morta com golpes de cassetetes na cabeça.
A Justiça da província de Alborz, onde ocorreu o caso, informou que uma investigação preliminar mostrou que ela caiu do telhado de um prédio de cinco andares no último dia 24. "Com base no relato de sua mãe, Esmaeilzadeh tinha um histórico de tentativas de suicídio", disse um porta-voz.
A agência Reuters não conseguiu contato com a família. Um vídeo da jovem sorrindo e ouvindo música foi visto quase 150 mil vezes na conta do Twitter 1500tasvir, que se dedica a acompanhar os protestos.
O caso chama a atenção porque repete o roteiro de outro ocorrido no início desta semana, para justificar a morte de Nika Shakarami, 17. Ativistas afirmam que a jovem morreu devido a agressões da polícia, que aponta que ela se atirou de cima de um telhado.
A mídia estatal disse que uma investigação judicial foi aberta sobre a morte.