Publicada em 27/10/2022 às 16h05
Nada de salas de audiências e ar-condicionado. Juízes(as), servidores(as), defensores públicos e procurador estão há quase duas semanas fazendo de uma embarcação, típica da Amazônia, a casa e o “fórum” itinerante. A ação amplia o acesso à Justiça e proporciona atenção jurisdicional a uma parcela da população de Rondônia que vive à margem do rio e do reconhecimento de alguns direitos básicos garantidos pela Constituição Federal. Já são quase mil atendimentos e milhares de reais em benefícios previdenciários concedidos pela Justiça Federal, que se uniu ao Tribunal de Justiça de Rondônia para a realização da Operação Justiça Rápida Itinerante, na região conhecida como Baixo Rio Madeira, zona rural de Porto Velho, capital do Estado.
O barco ancora na comunidade e logo a população se mobiliza para apresentar as demandas, das mais diversas. No Distrito de Calama, o maior da região, já na divisa com o Estado do Amazonas, o movimento foi intenso durante três dias de atendimento. A distância entre o barranco e o rio é enorme, devido ao período do ano, início do inverno amazônico, quando o nível das águas está baixo. Dificuldades que tornam o trabalho ainda mais importante, pois, além dessas limitações naturais a quem vive na região, há, também, os empecilhos socioeconômicos para o acesso pleno aos direitos.
Para sair dessa localidade, que é uma ilha banhada por três rios (Madeira, Machado e Maicy), até a sede do Município, são 14 horas de viagem num recreio, grande embarcação para transporte de cargas e passageiros. E o custo é alto, até porque, depois desse longo deslocamento, é preciso ter onde ficar para dormir, comer e transitar pela cidade. Para a comunidade, onde as principais atividades econômicas são a pesca e a agricultura familiar, muitas vezes se torna inviável essa despesa.
Demandas
Mais de 200 atendimentos foram realizados pela Justiça Estadual, como pontua o coordenador da Operação Justiça Rápida Itinerante, juiz Audarzean Santana, que preside as audiências, que têm participação também do defensor público estadual Bruno Balbe. São, em geral, ações de registro civil como correções de erros materiais, casamentos, divórcios, cobranças de pequenos valores e acordos dos mais diversos. Como no caso inusitado da Izanatte Botelho, que foi acionada pela vizinha após os filhos de ambas se envolverem num acidente de bicicleta. A conciliação resultou no pagamento de uma pequena indenização no valor de 165 reais em favor da criança menor, que ficou com a perna machucada. Izinha diz não ter certeza sobre a responsabilidade do seu filho no acidente, mas admite que a conversa solucionou o conflito e pôs fim ao litígio entre as duas famílias.
Já em outras situações, a atuação da Justiça é necessária para garantir direitos básicos. Maria Rita e Donizete Rocha resolveram oficializar a união que já têm. O filho dela, que não tinha o nome do pai biológico na certidão de nascimento, recebeu o reconhecimento da paternidade afetiva e agora vai carregar o sobrenome do pai do coração, que se emociona ao falar da relação com o filho, a quem conheceu quando ainda era um bebê de colo. Com necessidades especiais, a criança passou por perícia médica e teve reconhecido pela Justiça Federal o direito a um auxílio-doença no valor de um salário mínimo, a partir do mês de dezembro deste ano.
Segundo o juiz federal Igor Pinheiro, o levantamento parcial feito apenas em Calama dá conta de mais de meio milhão reais em benefícios previdenciários concedidos em audiências, nas quais os jurisdicionados passam por triagem, atermação e perícia médica, até serem ouvidos por um magistrado, ali mesmo no convés do barco. Documentos, testemunhas e julgamento. Tudo é gravado, anotado e checado nos sistemas pela internet, que é ligada a cada parada na beira do barranco por servidores(as) da Seção Judiciária de Porto Velho e do Tribunal Regional da Federal da 1ª Região.
Pandemia
As dificuldades foram agravadas pela pandemia, que suspendeu a realização da operação durante dois anos, o que elevou a demanda e acentuou a necessidade desse esforço do poder público para garantir o acesso efetivo das pessoas à Justiça. Desde 2019, o barco da Justiça Rápida não percorria essa região levando informação, serviços e atenção para a população. Por isso, só agora Raiane dos Santos conseguiu registrar o nascimento do pequeno Natanael, ocorrido em maio do ano passado. Conquista em dose dupla: por meio da atuação dos(as) servidores(as) do PJRO foi possível fazer contato via WhatsApp com o pai da criança, que atualmente vive em Porto Velho. Ele participou de uma audiência online e reconheceu o filho. Sorridente, a jovem de 18 anos segurou orgulhosa o documento que foi expedido na hora, pelo cartório extrajudicial que faz parte da equipe de cerca de 60 pessoas, dentre policiais militares, servidores(as), magistrados(as) e tripulação.
A operação teve início no dia 17, e será concluída em 28 de outubro, após percorrer seis comunidades para atender cerca de 15 localidades na região.