Publicada em 29/11/2022 às 09h25
Um trabalho conjunto entre duas plataformas de mídia e três ONGs resultou em um relatório, divulgado na segunda-feira (28), que acusa vários bancos franceses de financiar gigantes do agronegócio que atuam no Brasil, desrespeitando seus engajamentos ambientais e financiando o desmatamento da Amazônia e do Cerrado.
A destruição da floresta amazônica bateu todos os recordes em 2022, com cerca de 9,5 mil km² de mata devastados. No Cerrado, a destruição registrou um aumento de mais de 28% nos sete primeiros meses deste ano, segundo dados divulgados em agosto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em comparação com o mesmo período em 2021. Na maior parte dos casos, a devastação desses que são dois dos maiores biomas brasileiros ocorre em virtude da agricultura intensiva, destinada ao cultivo da soja, do óleo de palma e à criação de gado.
Uma investigação realizada pelas plataformas de informação Disclose e Repórter Brasil, em parceria com as ONGs Sherpa, Harvest e Center Climate Crime Analysis apontou que essa catástrofe ambiental é apoiada por quatro bancos franceses há quase dez anos: BNP Paribas, o grupo Banque Populaire et Caisse d’Épargne (BPCPE), Société Générale e Crédit Agricole. A reportagem apurou que essas quatro instituições financiaram empresas ligadas ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado com mais de € 743 milhões (quase de R$ 4,2 bilhões) entre 2013 e 2022.
No total, o relatório destaca mais de 12 mil transações financeiras, compiladas pelas ONG Forest & Finance, entre esses quatro bancos franceses e gigantes do agronegócio. O documento cita as americanas Bunge e Cargill, além das brasileiras Minerva, Marfrig e a JBS, a primeira produtora mundial de carne bovina no mundo.
BNP Paribas, o principal banco envolvido
Segundo a Disclose, o principal banco envolvido nas transações é o BNP Paribas, o maior da França, que teria desembolsado mais de € 456 milhões (mais de R$ 2,5 bilhões) em investimentos em soja, carne bovina e óleo de palma em cerca de dez anos. “Apenas entre janeiro de 2021 e setembro de 2022 o BNP investiu cerca de € 117 milhões em atividades de várias gigantes do agronegócio envolvidas no desmatamento da Amazônia e Cerrado”, diz o site da plataforma.
Em seu site, a Repórter Brasil afirma que em 2021, o BNP Paribas já havia se comprometido a não financiar mais empresas envolvidas na destruição de matas brasileiras adotando novos critérios. “No entanto, dados da coalizão Forests & Finance mostram o oposto: esse foi justamente o ano do financiamento mais alto do BNP Paribas à empresa Marfrig, um dos três grandes frigoríficos brasileiros”, diz a plataforma.
O jurista Jean-Philippe Foegle, advogado da Sherpa, uma das ONGs parceiras da reportagem de investigação realizada pela Disclose e a Repórter Brasil, pondera que o financiamento dos bancos franceses não tem o objetivo preciso de destruir as florestas brasileiras, “mas realizam investimentos em empresas que são conhecidas por praticar o desmatamento”.
Foegle lembra que a lei francesa obriga as instituições a serem prudentes em suas atividades no exterior. “O que prevê o dever de vigilância e a legislação contra a lavagem de dinheiro é que quando você tem uma suspeita de que o ator que você financia está envolvido em atividades ilegais, você deve parar de financiá-lo”, explica.
Política "em transição"
Contatado pela RFI, o BNP Paribas garante ter colocado em prática uma política estrita para deixar de apoiar empresas envolvidas no desmatamento de biomas brasileiros. Esse projeto, para o qual o banco alega necessitar de mais tempo para implementar, estaria em transição. No entanto, para o advogado da Sherpa, essa justificativa não é suficiente.
“Faz anos que os bancos franceses se comprometeram com esses engajamentos. Esperando que empresas [que atuam na Amazônia e no Cerrado] regularizem suas atividades, é absolutamente possível que os bancos que as financiam, como o BNP Paribas, suspendam seus investimentos nelas”, defende.
Segundo Foegle, a Sherpa prevê entrar com uma ação na justiça francesa para obrigar os bancos franceses citados no relatório a cumprirem seus engajamentos.