Publicada em 14/01/2023 às 09h12
Armas fornecidas pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos e usadas por uma coalizão liderada pela Arábia Saudita na guerra do Iêmen mataram pelo menos 87 civis e feriram outros 136 em pouco mais de um ano, disse um novo relatório divulgado na quarta-feira (11).
O relatório da instituição de caridade Oxfam descobriu que a coalizão usou armas fornecidas exclusivamente pelo Reino Unido e pelos EUA em centenas de ataques a civis no Iêmen entre janeiro de 2021 e o final de fevereiro de 2022. A Grã-Bretanha é o segundo maior fornecedor de armas para a Arábia Saudita, depois dos EUA.
A guerra do Iêmen começou quando os Houthis, apoiados pelo Irã, tomaram a capital do país, Sanaa, em setembro de 2014 e forçaram o governo ao exílio. Uma coalizão liderada pela Arábia Saudita – equipada com armas e inteligência dos EUA e do Reino Unido – entrou na guerra ao lado do governo exilado do Iêmen em março de 2015.
O relatório da Oxfam foi divulgado antes de um desafio legal da Campanha Contra o Comércio de Armas, um grupo de ativistas antiarmamentista, contra o governo do Reino Unido por fornecer armas usadas na guerra do Iêmen. A instituição de caridade diz que fornecerá testemunho em apoio ao desafio.
Respondendo a uma investigação da Associated Press, um porta-voz do Departamento de Comércio Internacional da Grã-Bretanha disse que opera “um dos regimes de controle de exportação mais robustos e transparentes do mundo”.
“Consideramos todos os nossos pedidos de exportação minuciosamente em relação a uma estrutura rígida de avaliação de risco e mantemos todas as licenças sob revisão cuidadosa e contínua como padrão”, disse o porta-voz.
Um porta-voz da coalizão liderada pela Arábia Saudita não estava imediatamente disponível para comentar.
A batalha judicial dos ativistas antiarmamentistas já dura anos. O Tribunal de Apelação de Londres decidiu em 2019 que o governo britânico agiu ilegalmente ao vender armas para a Arábia Saudita que foram usadas na guerra do Iêmen. A corte, porém, não determinou a suspensão das exportações para o reino do Golfo Árabe.
O relatório da Oxfam retratou uma imagem sombria.
Martin Butcher, consultor de políticas da Oxfam sobre armas e conflitos e autor do relatório, disse que analisou 1.727 ataques a civis na guerra do Iêmen durante o período de 14 meses. De acordo com o especialista, a coalizão liderada pela Arábia Saudita, usando armas fornecidas pelo Reino Unido e pelos EUA, foi responsável por um quarto de todos os ataques.
“É tão implacável. As pessoas acham muito difícil escapar da violência e da matança", disse Butcher à AP.
O relatório de 43 páginas disse que os ataques analisados mataram pelo menos 839 civis e feriram outros 1.775. De todos os ataques da coalizão liderada pela Arábia Saudita durante o período de 14 meses, apenas os ataques aéreos mataram pelo menos 87 civis e feriram 136. O resto dos ataques foram de artilharia, mísseis e ataques de drones, bem como de minas terrestres, bombas rodoviárias e armas leves.
O relatório revelou que os ataques aéreos e de artilharia envolveram munições cluster, “armas proibidas pela convenção internacional e pelo direito consuetudinário [que se baseia nos costumes]”.
A instituição de caridade contou pelo menos 19 ataques da coalizão a instalações de saúde e ambulâncias. A análise mostrou que 293 ataques aéreos forçaram as pessoas a fugir de suas casas.
As conclusões do relatório não surpreenderam Abdulaziz Jubari, vice-presidente do parlamento do governo do Iêmen, que é apoiado pela comunidade internacional.
“É muito óbvio para todos que esses grupos obtêm armas dos EUA”, disse Jubari, um crítico da coalizão liderada pela Arábia Saudita e outras influências estrangeiras na guerra do Iêmen. O parlamentar iemenita falou em Washington, onde participava de uma conferência sobre o paralisado processo de paz do Iêmen. Sua esperança, disse ele, é que os EUA revejam seus testemunhos de conduta ética no conflito.
Todas as partes envolvidas na guerra foram acusadas de matar e ferir civis no conflito de oito anos no Iêmen. No geral, a guerra já matou mais de 150.000 pessoas, incluindo mais de 14.500 civis, de acordo com O Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos. A guerra também criou uma das piores crises humanitárias do mundo.
A Oxfam acusou o governo britânico de fechar os olhos aos ataques da coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen. A instituição de caridade disse que o Reino Unido impôs sanções a autoridades russas por causa de ataques a civis na Ucrânia, enquanto continua a defender a venda de armas à monarquia do Golfo para usar na guerra do Iêmen.
"[Esta é] uma demonstração clara de padrões duplos e politização da lei por razões de interesse nacional”, afirmou.
Butcher pediu ao governo do Reino Unido que “pare imediatamente de vender armas à Arábia Saudita para uso no Iêmen” e promova um cessar-fogo permanente e negociações para um acordo de longo prazo por meio de sua posição como membro do Conselho de Segurança da ONU.
“Eles [o governo] realmente não apenas armaram a Arábia Saudita, mas também relutaram em usar sua posição no Conselho de Segurança para pressionar pela paz”, disse ele.