Publicada em 03/02/2023 às 13h30
A França decidiu aumentar o número de repatriações de cidadãos que ingressaram na organização Estado Islâmico (EI), no Oriente Médio. Em 24 de janeiro, 15 mulheres e 32 crianças, que estavam detidas em acampamentos de prisioneiros jihadistas no nordeste da Síria, foram repatriados. Mas muitos continuam presos nestes campos, sob controle curdo. Em Al Hasakah, perto da prisão feminina onde estrangeiras radicalizadas são detidas, um centro tenta ajudar crianças a recuperar uma vida normal.
O local parece uma escola. Em uma casa pré-fabricada, uma professora curda dá aulas de árabe para crianças pequenas, de entre 3 e 5 anos, bem agasalhados, que participam com entusiasmo e falam várias línguas. “Elas aprenderam árabe com o Alcorão, então a língua comum é o árabe", conta a professora Shirin*. "Quando estão com os irmãos, falam a língua materna”, explica.
Russos, americanos, indonésios, tunisianos ou azerbaijanos, elas vêm de várias partes do mundo. Todos são filhos de jihadistas que se juntaram à organização Estado Islâmico há anos na Síria. As mães dessas crianças estão agora detidas em uma prisão na cidade de Al Hasakah, onde dormem com os filhos à noite. Mas durante o dia, as crianças são acolhidas nesse espaço, que funciona como escola e centro de lazer.
Os professores, curdos, são voluntários. “São crianças inocentes, têm o direito de viver uma vida normal e de se livrarem das coisas ruins que vivenciaram”, defende Shirin. “E não é possível essas crianças ficarem 24 horas por dia com as mães na prisão”.
Na sala ao lado, os adolescentes são barulhentos. Os professores acham difícil canalizá-los. Há uma maioria de meninas, todas com véu da cabeça aos pés.
Entre elas, uma americana de 15 anos chamada Jenny*. Originária de Nova York, sua história é confusa: um pai nos Estados Unidos, uma mãe na prisão em Al Hasakah, um irmão mais velho também detido em algum lugar na Síria e uma irmã no acampamento de Roj, no norte do país. Jenny diz que não se lembra de seu país natal. Tudo o que ela quer é sair de Al Hasakah com a mãe e ir para Roj, que não deixa de ser uma prisão síria, mas a céu aberto.
Repatriação
As cuidadoras curdas conseguem criar laços com algumas dessas adolescentes. A cumplicidade é visível, mas nem sempre é fácil tirar as jovens de seu ambiente radicalizado, explica Selda*, outra professora. “Nós as ensinamos a ser livres, a não esconder seus rostos. Explicamos a elas que o Islã não é apenas guerra e assassinatos. Mas quando elas veem suas mães na prisão, elas lhes dizem o contrário”, lamenta Selda. “Elas dizem para as filhas não nos ouvirem. Elas os ensinam a nos odiar, dizem que somos infiéis.”
Ao tentar conversar com um menino que observa a equipe de reportagem, com os pés em cima de uma mesa, a resistência é palpável. Ele se recusa a falar, os chamando de “infiéis”. Com um sorriso constrangido, a professora explica: “ele não fala com mulheres ocidentais”.
No pátio, a diretora do centro, Hevi*, conta uma história que ilustra as dificuldades do trabalho dos voluntários com os menores. “Certa vez, demos frutas às crianças e dissemos a elas que comeriam e ficariam fortes. Eles nos responderam: sim, seremos fortes e depois mataremos vocês!”
Apesar do radicalismo de alguns, Hevi diz que quer cuidar dos filhos dos jihadistas estrangeiros, enquanto seus pais estiverem detidos na Síria. Mas ela pede a repatriação dos menores. "Eles devem voltar para seus países de origem para frequentarem centros de reabilitação, porque aqui sempre vai ter esse ambiente radical. Se essas crianças ficarem aqui, serão ainda mais perigosas que seus pais”, alerta. “Eles também dizem que vão vingá-los. A solução é que sejam repatriados”, enfatiza.
Hevi administra o centro para filhos de jihadistas há seis meses. A diretora anterior renunciou, conta ela, após ter recebido ameaças de morte online.